terça-feira, 12 de agosto de 2025

TOP 10 - A Melhor BD lançada pela Levoir nos últimos 5 anos!



Hoje trago-vos a melhor banda desenhada que, nos últimos 5 anos, foi lançada em Portugal pela Levoir!

Porquê cinco anos? Bem, porque não só é um número redondo, como é o tempo de existência do Vinheta 2020. E isso tem sido estímulo para que nos últimos dias eu tenha feito um TOP 10 por editora. Afinal de contas, foram muitas e muitas as obras de BD com grande qualidade que, durante 5 anos, foram editadas em Portugal!

Mas centremo-nos na Levoir.

Depois de uma entrada em peso no lançamento de banda desenhada em Portugal, com a edição de inúmeras séries de comics americanos ou das icónicas coleções de Novelas Gráficas, entre outros lançamentos relevantes, a Levoir registou um período mais calmo por volta de 2020. Essa calma deu depois lugar a uma gradual retoma da atividade editorial por parte da editora.

Convém relembrar que este conceito de "melhor" é meramente pessoal e diz respeito aos livros que, quanto a mim, obviamente, são mais especiais ou me marcaram mais. Ou, naquela metáfora que já referi várias vezes, "se a minha estante de BD estivesse em chamas e eu só pudesse salvar 10 obras, seriam estas as que eu salvava".

Faço aqui uma pequena nota sobre o procedimento: considerei séries como um todo e obras one-shot. Tudo junto. Pode ser um bocado injusto para as obras autocontidas, reconheço, e até ponderei fazer um TOP exclusivamente para séries e outro para livros one-shot, mas depois achei que isso seria escolher demasiadas obras. Deixaria de ser um TOP 10 para ser um TOP 20. Até me facilitaria o processo, honestamente, mas acabaria por retirar destaque a este meu trabalho que procura ser de curadoria. Acabou por ser um exercício mais difícil, pois tive que deixar de fora obras que também adoro, mas acho que quem beneficia são os meus leitores que, deste modo, ficam com a BD que considero ser a "crème de la crème" de cada editora.

Sem mais demora, deixo-vos então com as minhas 10 obras preferidas que a Levoir editou entre o período de 2020 a 2025:


TOP 10 - A Melhor BD lançada pela LEVOIR entre 2020 e 2025




10. O Desaparecimento de Josef Mengele
Autores: Matz e Jörg Mailliet
Lançamento: Setembro de 2024



Espanta-me que se fale pouco deste livro já que, quanto a mim, está entre os melhores livros lançados pela Levoir nos últimos anos.

Como o título assim faz crer, a história que temos em mãos é sobre Josef Mengele, o célebre "Anjo da Morte", que, durante o Holocausto, era oficial das SS e um dos médicos do regime que não teve pruridos em fazer infames testes e experiências aos prisioneiros de Auschwitz, o emblemático campo de concentração nazi. Mengele era especialmente ávido em fazer experimentações em crianças gémeas ou em mulheres grávidas. Após a Segunda Guerra Mundial, o Anjo da Morte foi perspicaz o suficiente para, à semelhança de tantos outros oficiais alemães, fugir da Alemanha derrotada e procurar guarida na Argentina. Primeiro, na Argentina, e depois no Paraguai e, mais tarde, no Brasil. Acabou por nunca ser apanhado nem tampouco julgado pelos seus crimes, tendo morrido em 1979, mais de 30 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, sem ter enfrentado a justiça. Embora a Mossad o tenha conseguido encontrar para depois, e por razões burocráticas internas, o ter deixado fugir. 

O Desaparecimento de Josef Mengele mais do que se centrar nos atos de Mengele perante os prisioneiros do campo de concentração nazi, procura focar-se no período pós-guerra, dando-nos a conhecer como foi feita a fuga deste psicopata (não tenho outra palavra melhor para o descrever) para a América Latina. São utilizados factos verídicos e históricos, mas também uma boa dose de ficção já que há muitas coisas na história de Mengele que permanecem com resposta incerta.

A história deste livro é, ao mesmo tempo, informativa e angustiante, desafiando o leitor a confrontar a natureza da maldade humana e a busca por redenção. É um livro que ressoa não apenas no contexto histórico, mas também nas questões éticas e morais que permanecem relevantes até hoje. Excelente aposta!

Análise completa a esta obra, aqui.


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9. Dorian Gray
Autor: Enrique Corominas
Lançamento: Outubro de 2024



Dorian Gray, do autor espanhol Enrique Corominas, é uma releitura contemporânea do clássico O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, que traz à tona temas de identidade, moralidade e a dualidade do ser humano. Através de um exímio trabalho de ilustração que capta o sentimento e ambiente constante na obra original de Wilde, Corominas consegue mergulhar-nos com fidelidade nesta obra intensa, explorando o conflito interno do protagonista, que vive em busca da juventude e da beleza eternas, ao mesmo tempo em que enfrenta as consequências de suas escolhas éticas e existenciais. 

É uma adaptação marcada por uma delicada sensibilidade e um traço que mistura realismo com toques expressionistas, refletindo as complexidades emocionais das personagens. Além disso, Corominas é especialmente bem sucedido ao usar o desenho para traduzir a dualidade interna do protagonista, contrapondo imagens que evocam a beleza e a juventude com outras que sugerem uma decadência e uma corrupção muito impressionantes. O estilo gráfico é, pois, ao mesmo tempo refinado e perturbador, criando uma tensão que complementa o texto e amplia a experiência estética do leitor.

Ainda que a edição da Levoir tenha tido um erro clamoroso, ao ter uma página onde falta texto aos balões, isso não anula que este seja um belo livro que merece ser lido e reconhecido por todos. É uma obra que dialoga tanto com os leitores que já conhecem o clássico de Oscar Wilde, quanto com aqueles interessados em temas universais de identidade, corrupção e redenção, oferecendo uma visão contemporânea e profunda sobre um mito atemporal. Impressionante!



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8. Karmen
Autor: Guillem March
Lançamento: Outubro de 2020



O tema desta história é o suicídio. É verdade que é um tema que já vai sendo bastante comum e presente na nossa sociedade, passando, também, para o universo das criações artísticas como filmes, livros, entre outros. No entanto, também é verdade que é um tema que, pela sensibilidade que, compreensivelmente, acarreta, acaba, muitas vezes, por receber um tratamento emotivo e melodramático que parece explorar mais a tristeza inerente ao suicídio do que ser, efetivamente, uma reflexão profunda sobre o tema. E nisso, este Karmen transcende-se! A forma como March decidiu abordar a temática do suicídio apresenta uma grande objetividade e inteligência, sem descurar um olhar sensível sobre o assunto.

A concepção, quer gráfica, quer narrativa, está maravilhosa. A personagem principal tem cabelo cor-de-rosa, um rosto jovial, sarapintado de sardas, e o seu corpo permite visualizar o seu esqueleto. Em termos visuais, é bastante impactante, mas é na sua forma de enfant terrible a atuar, quebrando algumas das regras que lhe são impostas pelo grupo a que pertence, que a personagem ainda se torna mais memorável, aparentando ser infantil e desprovida de inteligência... mas apenas inicialmente. 

A forma como March desenha também é de loucos! E explico porquê o “de loucos”: a maneira como o autor utiliza os planos de câmara, isto é, o ponto de vista de observação, parece obedecer a uma regra: ser difícil! Ou seja, com planos picados e contra-picados, ou com efeitos fisheye, o objeto a ser desenhado torna-se muito mais difícil de desenhar, certo? E é isso que March faz. Opta pelas situações mais difíceis e executa-as de forma soberba. Um verdadeiro mago da ilustração. 

A editora portuguesa está de parabéns pela aposta nesta obra fantástica. Muito recomendável!

Análise completa a esta obra, aqui.

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7. Nellie Bly - A História de uma Pioneira
Autoras: Virginie Ollagnier-Jouvray e Carole Maurel
Lançamento: Março de 2025




A obra procura retratar a vida e as realizações de Nellie Bly, uma das primeiras jornalistas de investigação e uma figura emblemática do feminismo no final do século XIX. Nunca tinham ouvido falar de Nellie Bly? Pois, lamentavelmente, eu também não! Agora que li o livro, lamento a minha ignorância que, certamente, será partilhada por muitos. E isso leva-me, logo à partida, a achar que estas obras são relevantes, para assinalar os feitos de tantas Mulheres que ousaram singrar e desafiar as convenções e o papel social que lhes era atribuído, embora a História não lhes tenha reservado um lugar de muito destaque.

Além da qualidade artística, a história de Nellie Bly - A História de uma Pioneira é extremamente interessante e muito bem construída. A maneira como os eventos são apresentados, alternando momentos de tensão, descoberta e triunfo, mantém um ritmo envolvente e prende a atenção do leitor do início ao fim. Gostei também da forma como o livro não tenta ser demasiadamente factual e/ou burocrático - neste tipo de obras é algo que, infelizmente, acontece muitas vezes. Ao invés, a história é-nos servida com um belo ritmo, quase cinematográfico, alternando entre flashbacks e momentos de quase fantasia dramática. Não é apenas uma leitura informativa... é, também, uma leitura emocionante.

As ilustrações de Carole Maurel contribuem significativamente para fazer deste livro uma bela obra de banda desenhada. Com um estilo clássico e elegante, embora moderno, e bastante europeu na abordagem, as imagens em tons quentes para o passado da protagonista e em tons frios para a sua estadia no hospital psiquiátrico, captam a essência da época e do espaço, enquanto enfatizam as emoções das personagens, enriquecendo a experiência de leitura em momentos que acabam por ficar na nossa retina.​

Nellie Bly - A História de uma Pioneira asume-se como uma leitura enriquecedora que combina narrativa envolvente e arte expressiva para contar a história de uma mulher extraordinária que desafiou as convenções da sua época e deixou um legado duradouro no jornalismo e na luta pelos direitos das mulheres. Excelente aposta!

Análise completa a esta obra, aqui.

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6. O Desassossegado Senhor Pessoa
Autor: Nicolas Barral
Lançamento: Maio de 2025




Depois da excelente obra Ao Som do Fado, Nicolas Barral não desilude e volta a dar-nos um belo e profundo livro de banda desenhada que, sinceramente, tomo como um privilégio e uma honra para os portugueses. O Desassossegado Senhor Pessoa é uma obra carregada de lirismo, imaginação e profunda portugalidade. Trata-se de um retrato comovente dos últimos dias de Fernando Pessoa, figura mais que central da literatura portuguesa, cuja complexidade interior é aqui explorada de forma credível, delicada e respeitosa. Barral volta a mergulhar na história e cultura da alma portuguesa, compondo uma verdadeira eulogia gráfica ao maior poeta do nosso país.

A narrativa, bem construída, acontece em 1935 e centra-se em Simão Cerdeira, um jovem jornalista do Diário de Lisboa, incumbido de escrever o obituário de Fernando Pessoa quando surgem rumores a ameaçar que a morte do poeta está iminente. 

Visualmente, é um livro belíssimo. Para além de Fernando Pessoa, também Lisboa protagoniza a história, surgindo retratada com uma paleta de cores quentes e nostálgicas, onde o azul do Tejo, os ocres das fachadas e a luz própria lisboeta ajudam a construir uma atmosfera evocativa e encantadora. As vinhetas, muitas vezes silenciosas, respiram como poesia visual, permitindo ao leitor mergulhar lentamente no mundo do poeta. 

O Desassossegado Senhor Pessoa é mais do que uma simples biografia ilustrada. É uma meditação que respeita a memória de Pessoa sem a enclausurar. Nicolas Barral, com sensibilidade e mestria, oferece-nos uma história que não pretende decifrar o poeta, mas acompanhá-lo nos seus últimos passos, através de uma carta de amor à Lisboa dos anos 30, ao mistério da criação artística, e ao homem que, do seu baú, deu voz a muitos outros homens e que continua, desassossegadamente, a falar connosco. Saibamos nós ouvi-lo.

Análise completa a esta obra, aqui.

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5. Rugas
Autor: Paco Roca
Lançamento: Abril de 2022




Esta obra multi-premiada já tinha sido publicada em Portugal há uns anos, pela Bertrand, mas, com o passar do tempo, tornou-se impossível de encontrar. Felizmente, a editora Levoir decidiu colocá-la novamente no mercado nacional!

Rugas é uma obra sensível e profundamente humana que aborda temas como o envelhecimento, a memória e a amizade. Paco Roca narra a história de Emilio e Miguel, dois idosos que vivem numa casa de repouso, e através deles explora as dificuldades e os desafios que acompanham a terceira idade. A obra destaca a importância do afeto e da dignidade, mostrando que, mesmo com as limitações físicas e cognitivas, a vida continua cheia de momentos plenos de significado e conexões emocionais. Além disso, o autor aborda o tema da demência com respeito e realismo, sem cair em estereótipos, mostrando como as memórias se podem perder e, ao mesmo tempo, transformarem-se, mas sem apagar a essência do ser humano.

Os desenhos apresentam um traço simples, porém expressivo, bem ao jeito do autor, que capta com delicadeza as expressões e os sentimentos das personagens. A paleta de cores sóbria e a composição visual auxiliam na criação de uma atmosfera íntima e reflexiva, permitindo que o leitor se envolva emocionalmente com a trajetória dos protagonistas. 

Rugas é uma obra que vai além do drama pessoal, servindo como uma reflexão social sobre o cuidado aos idosos e o valor da empatia. Paco Roca convida o leitor a pensar sobre o ciclo da vida, sobre a importância do companheirismo e sobre a necessidade de enfrentar a velhice com humanidade. É uma história tocante que une arte e narrativa de forma impactante, capaz de sensibilizar e provocar uma profunda reflexão sobre a passagem do tempo e as marcas que ela deixa. É um dos meus livros preferidos de Paco Roca!


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4. Chumbo
Autor: Matthias Lehmann
Lançamento: Outubro de 2024



Depois de lida esta obra de grande fulgor, com quase 400 páginas, em que o autor nos leva numa grandiosa viagem que perpassa os últimos 60 anos da história político-social do Brasil, enquanto nos aproxima de uma saga familiar em duas gerações, posso dizer que fiquei encantado e muito bem impressionado! 

Este é, afinal de contas, um daqueles livros que nos dá muito, quer em quantidade, quer em qualidade, deixando-nos mais ricos após finalizarmos a sua leitura. E embora haja aqui uma forte componente histórica, em que o autor, que é filho de pai francês e de mãe brasileira, nos mergulha de forma profunda, apreciei especialmente o facto do foco da obra ser a caminhada da família Wallace que, pela sua influência, timing e longevidade, percorre uma fase tão relevante do Brasil como os chamados "anos de chumbo", em que a ditadura instalada em terras de Vera Cruz tomava conta dos desígnios do país. 

O traço a preto e branco puro do autor apresenta-se bastante "cartoonesco" e rico em detalhes, que dão riqueza visual à obra. Este não é um daqueles livros em que nos basta olhar para três ou quatro páginas para percebermos "ao que vamos". Não, porque o autor tenta constantemente recriar-se, através de uma muito inventiva planificação, que desconstrói alguns dos cânones clássicos da banda desenhada, enquanto que, noutros casos, os desenhos também se apresentam diferentes, através de grandes ilustrações de página dupla que contrastam com outras páginas onde as vinhetas são mínimas em dimensão. 

Chumbo é pesado como chumbo em termos de qualidade e deve ser lido por todos!

Análise completa a esta obra, aqui.

NOTA: A obra Chumbo foi lançada pela Levoir em dois volumes.



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3. Kobane Calling
Autor: Zerocalcare
Lançamento: Junho de 2024




Kobane Calling
foi originalmente publicado em 2016 e oferece-nos um relato pessoal e jornalístico sobre a experiência do autor Zerocalcare na região de Rojava, no Curdistão Sírio, onde visitou as áreas de conflito armado envolvendo os curdos, o Estado Islâmico e as forças internacionais. O título da obra, brincando com o célebre tema da banda britânica The Clash, em London Calling, refere-se à cidade de Kobane, que se tornou um símbolo de resistência contra o ISIS e apresenta-nos este tema num registo semelhante a um diário de viagem, que passa pela Turquia, Síria e Iraque, para documentar a luta do povo curdo contra o Estado Islâmico. E contra o próprio regime Turco, diga-se.

Se o tema parece político - e é! - deixem-me dizer-vos que este é um livro extremamente acessível e que consegue a proeza de falar de assuntos sérios, de informar de uma forma geopolítica, de ser crítico face aos media internacionais, de levantar questões pertinentes e, ao mesmo tempo, ser extremamente divertido, bem disposto e inegavelmente hilariante!

O tom da narrativa é, portanto, multifacetado: por um lado, há momentos de humor, que servem para aliviar o peso dos temas abordados, como a guerra, a perda e a resistência. Por outro, há um forte compromisso com a seriedade do tema, oferecendo uma visão profunda e respeitosa dos desafios enfrentados pelo povo curdo e dos ideais revolucionários que movem a luta em Rojava.

Kobane Calling é um belo registo autobiográfico, uma crónica de guerra alarmante, uma delação das mentiras que o Ocidente - e em especial o regime de Erdogan - propagam junto das suas populações no que ao conflito no Curdistão Sírio diz respeito. Se a obra tem toda esta carga política, também consegue ser, possivelmente, a banda desenhada mais cómica que li nos últimos anos. Como é que é possível fazer-se tantas coisas bem? Parece-me que teremos que perguntar a Zerocalcare como consegue este admirável equilíbrio. Mas, antes disso, comprem, leiam e ofereçam este Kobane Calling!

Análise completa a esta obra, aqui.


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2. Regresso ao Éden
Autor: Paco Roca
Lançamento: Dezembro de 2022




Começo por dizer que não estava preparado para uma obra com uma densidade emocional como este Regresso ao Éden! Este é um daqueles livros que fica para a vida e onde Paco Roca consegue reunir duas coisas que lhe são características – embora nem sempre aconteçam em todas as suas obras, admita-se – que são a inteligência narrativa e a emotividade das suas histórias.

Regresso ao Éden conta-nos a história de uma família valenciana, com base numa única fotografia, datada de 1946. É um livro com uma componente autobiográfica tendo em conta que serve como homenagem à mãe e avó do autor, bem como a todas as mulheres espanholas do pós-guerra, que não tiveram nem uma oportunidade, além da de serem donas de casa. Assim, indo do presente ao passado, o autor revela-nos a história de cada elemento da família que aparece na foto – e até mesmo dos elementos que não constam no retrato. É, portanto, à volta desta única foto que gravita a narrativa. E este é um exercício que Paco Roca faz de forma magistral, traçando ainda, ele próprio, um brilhante e acutilante retrato da história contemporânea de uma Espanha franquista, onde os republicanos eram vistos de forma tão negativa pelos demais.

Paco Roca experimenta, arrisca, faz coisas diferentes aqui e ali, mas sempre sem se enterrar nas suas próprias divagações narrativas. E, a meu ver, esta é uma qualidade que nem sempre abunda em autores de banda desenhada. Ou temos aqueles autores mais straight, que nos contam uma história mais linear; ou temos autores mais excêntricos que nos contam uma história com demasiadas portas e travessas, que acaba por ficar demasiado remendada e perdida em si mesma. Paco Roca está algures no meio entre esses autores. As histórias, sendo simples, ganham pontos e abordagens mais profundas. E há mensagens subtis e algo mais para ler nas entrelinhas. Mas são histórias que nunca se perdem. Os pontos unem-se na perfeição e o equilíbrio é a característica base neste livro.

Regresso ao Éden traz-nos Paco Roca na sua melhor forma e assume-se como uma das melhores obras do autor espanhol. É fantástico da primeira à última página. Um autêntico triunfo na carreira de Roca!

Análise completa a esta obra, aqui.



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1. Moby Dick
Autor: Chabouté
Lançamento: Setembro de 2023




Moby Dick é uma obra-prima da literatura americana originalmente publicada em 1851. A história é narrada por Ishmael, um marinheiro que se junta à tripulação do navio baleeiro Pequod, comandado pelo obcecado Capitão Ahab. A missão de Ahab é caçar e vingar-se de Moby Dick, uma enorme baleia branca que lhe arrancou a perna num encontro que ambos tiveram anteriormente. A adaptação de Chabouté data do ano de 2014, e consegue o belo feito de ser muito fiel ao original, possibilitando ao leitor uma bela imersão na obra e reunindo os momentos mais importantes e essenciais do texto original. 

O ritmo, demarcadamente lento, permite que o mistério que rodeia as personagens, e em particular a baleia Moby Dick e o capitão Ahab, aumente e mantenha o leitor mergulhado na história, mesmo que, tal como foi o meu caso, o referido leitor já conheça, de trás para a frente, a obra original. Assim, a narrativa visual acaba por ser uma parte fundamental desta adaptação. Chabouté utiliza o poder das imagens para transmitir a vastidão do oceano, a grandiosidade da baleia e a angústia do capitão Ahab, que é maravilhosamente retratado. O universo talhado a preto e branco pelo autor amplia a sensação de isolamento e desespero que habita a história original. 

Chabouté é conhecido pela sua habilidade única para contar histórias visuais, e esta adaptação não é, portanto, exceção, com o seu estilo artístico a criar uma atmosfera sombria e intensa, que combina perfeitamente com a narrativa original carregada de emoção e complexidade. As imagens detalhadas e as expressões inequívocas das personagens ajudam a transmitir as emoções e os conflitos subjacentes à história.

Também o preto e branco puro do autor, onde não existe espaço para meios tons cinzentos, é verdadeiramente admirável. Os jogos de negro e claro que o autor faz e a maneira como utiliza o espaço negativo que a opção por camadas a preto na ilustração possibilita, é verdadeiramente apaixonante. Incrível também é como o autor consegue, apenas através das suas ilustrações, sem o recurso a texto, transmitir-nos cheiros, sons, ambientes, sentimentos. São muitas as páginas onde não há um único balão de texto, mas que, por oposição a isso, nos são passadas inúmeras informações para a compreensão da história. Que maestria de Chabouté!

A habilidade artística e narrativa de Chabouté torna a história acessível a um novo público, ao mesmo tempo em que homenageia o trabalho original. Esta adaptação representa uma perfeita maneira para (re)descobrir a épica busca de Ahab por Moby Dick e todos os temas profundos que a história aborda. Imprescindível!

Análise completa a esta obra, aqui.

NOTA: A obra Moby Dick foi lançada pela Levoir em dois volumes.


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