quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Análise: Akira – Livro 1

Akira – Livro 1, de Katsuhiro Otomo - Distrito Manga - Penguin Random House

Akira – Livro 1, de Katsuhiro Otomo - Distrito Manga - Penguin Random House
Akira – Livro 1, de Katsuhiro Otomo

Sem desprimor para as restantes obras editadas pela Distrito Manga, uma chancela do grupo Penguin, a recente publicação da obra-prima do autor Katsuhiro Otomo, intitulada Akira, reveste-se como a melhor aposta da editora até à data!

Este clássico intemporal do mangá e da cultura popular japonesa, que desde o seu lançamento original já teve eco em todo o mundo, até já havia sido integralmente publicado em Portugal pela Meribérica durante os anos noventa. Nessa altura, optou-se por publicar a série com o sentido de leitura ocidental, da esquerda para a direita, e numa versão a cores que havia sido especialmente (e originalmente) produzida para o mercado americano por se acreditar, à época, que essa seria a melhor forma de fazer chegar um mangá ao mercado norte-americano. Talvez por esse motivo - desta obra ter sido lançada em Portugal nessa mesma versão a cores - eu e muitos dos leitores portugueses, tivemos o primeiro contacto com a série desse modo. Mas, quanto a esse ponto, já lá irei.

Situada numa Neo-Tóquio distópica após a destruição nuclear de 1982, a história acompanha Kaneda, Tetsuo e outros jovens mergulhados num turbilhão de conspirações militares, experiências secretas e no despertar de poderes psíquicos devastadores. Aquando do seu lançamento, Akira conseguiu romper com a estética mais convencional dos mangás da altura, introduzindo um traço detalhado, urbano e incrivelmente cinematográfico, que teve repercussões em todo o mundo, sublinho. 

A cidade de Neo-Tóquio, uma metrópole erguida sobre as ruínas de Tóquio após uma explosão misteriosa que desencadeou a Terceira Guerra Mundial, e um local onde as ruas passaram a estar abarrotadas de gangues, corrupção política e marginalidade, é um cenário que respira inquietação e que se afirma como uma personagem per se. Nesta distopia carregada por um ambiente caótico e opressivo, são as personagens Kaneda e Tetsuo, dois jovens rebeldes, que, juntamente com os seus amigos do  gangue, montam velozes motas, vagueando pelas ruas em busca de velocidade, adrenalina e confrontos com outros grupos rivais. 

Akira – Livro 1, de Katsuhiro Otomo - Distrito Manga - Penguin Random House
O eixo central da narrativa reside, pois, na amizade  - e posterior confronto - entre Kaneda e Tetsuo, dois adolescentes que acabam por simbolizar diferentes respostas à marginalidade que se faz viver na cidade. Kaneda é carismático e impulsivo, encarnando o espírito da juventude rebelde que prefere agir em vez de refletir. Já Tetsuo, é alguém inseguro e sempre na sombra do amigo, que encontra nos seus novos poderes adquiridos uma oportunidade de afirmação. 

De resto, o "enigma de Akira", ainda apenas meramente sugerido neste primeiro volume, funciona como motor narrativo. Este enigma não é apenas uma força destrutiva do passado, mas também uma ameaça latente, algo que todos temem, mas ninguém compreende inteiramente. Essa presença invisível ecoa a ideia de que a verdadeira catástrofe nunca está distante, e de que o ser humano, ao brincar com forças que não controla, arrisca a sua própria autodestruição.

Akira apresenta-se como uma obra de entretenimento puro e duro, mas que traz consigo uma alegoria política e existencial. E que, mais de três décadas depois, permanece uma referência incontornável, não apenas pela sua estética revolucionária, mas pelo modo como articula caos, poder e humanidade através de uma narrativa que continua atual e provocadora. O seu impacto foi tal que, quando o anime estreou em 1988, já havia uma base de fãs global. O próprio anime haveria de constituir um marco no cinema de animação e no anime, em particular, passando a ser uma obra de culto. Contudo, e obviamente, o mangá original vai muito além do filme, tanto em profundidade narrativa quanto em densidade temática. 

Por falar em densidade temática, convém ainda dizer que outro dos trunfos de Akira é o facto da série ser um dos pilares do cyberpunk. A fusão entre tecnologia avançada e decadência social, a crítica ao autoritarismo, a presença de poderes paranormais como metáfora para forças incontroláveis e a representação da juventude como resistência contra estruturas opressivas são elementos que influenciaram não apenas outros mangás, mas também várias outras obras da literatura, do cinema e dos videojogos. 

O estilo visual de Otomo é um dos grandes trunfos de Akira. Desde as primeiras páginas, o desenho expressivo, dinâmico e minucioso constrói uma cidade vibrante, mas sufocante, onde cada rua, cada veículo e cada detalhe arquitetónico transmite verosimilhança. Mais do que um simples pano de fundo, a cidade é o reflexo de uma sociedade em colapso, onde a juventude procura escape em motas potentes e confrontos violentos. A própria iconografia das motas tornou-se tão emblemática que hoje é indissociável do imaginário da obra.

Akira – Livro 1, de Katsuhiro Otomo - Distrito Manga - Penguin Random House
E, também por isso, há uma sensação de velocidade que está sempre presente em Akira. Otomo utiliza enquadramentos cinematográficos, linhas de movimento e sequências longas de perseguições para transmitir essa urgência quase palpável que arrasta o leitor para este ritmo acelerado, como se estivesse dentro das corridas nocturnas pelas ruas de Neo-Tóquio. 

Falando dos desenhos e da componente visual da obra, e mesmo que possa chocar o leitor mais purista que me leia, tenho que referir que teria preferido que a obra fosse reeditada a cores. E quando digo isto, não é apontando alguma falha à edição da Distrito Manga. Até porque a editora portuguesa se limitou a ser fiel à edição original da obra, editando-a a preto e branco, da forma que foi originalmente concebida por Otomo, e com o sentido de leitura japonês. Nada de negativo pode, portanto, ser dito acerca dessa opção. Além de que também compreendo que se esta obra fosse lançada a cores, possivelmente teria um preço muito mais avultado. E talvez as cores ainda necessitassem de um tratamento especial. No entanto, e admitindo que talvez o meu julgamento seja condicionado pelo primeiro contacto que tive com esta série na sua versão a cores, quando penso em Akira, penso numa banda desenhada a cores. E era essa que, teimosamente, eu gostaria que voltasse a chegar às livrarias portuguesas. Deste modo, sou-vos sincero quando vos confesso que reler esta série a preto e branco me deixou saudades da edição a cores.

Quanto à edição da Distrito Manga, o livro tem capa mole e uma sobrecapa baça. No interior, o papel é de boa qualidade e a impressão e encadernação são boas. As guardas do livro, a cores, são particularmente impactantes e bonitas.

Em suma, a Distrito Manga merece uma vénia pela aposta neste mangá. Relevante ainda hoje, Akira mantém a sua frescura pela forma como aborda questões universais: a luta pelo poder, a fragilidade da amizade, o medo do desconhecido e a desconfiança nas instituições. A estética visual continua impressionante, e a narrativa, carregada de urgência, não perdeu intensidade com o passar das décadas. A mestria de Otomo está em equilibrar o seu espetáculo visual com uma reflexão profunda sobre o poder e a violência. Essa combinação garante que Akira permaneça, ainda hoje, não apenas uma leitura “apetecível”, mas um clássico indispensável da banda desenhada mundial.


NOTA FINAL (1/10):
9.4



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Akira – Livro 1, de Katsuhiro Otomo - Distrito Manga - Penguin Random House

Ficha técnica
Akira – Livro 1
Autor: Katsuhiro Otomo
Editora: Distrito Manga
Páginas: 352, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 178 x 256 mm
Lançamento: Junho de 2025

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