terça-feira, 12 de agosto de 2025

Análise: Tomahawk

Tomahawk, de Patrick Prugne - Ala dos Livros

Tomahawk, de Patrick Prugne - Ala dos Livros
Tomahawk, de Patrick Prugne

Depois de lançar Pocahontas, a editora Ala dos Livros, editou recentemente o seu segundo álbum do autor francês Patrick Prugne. Dá pelo nome de Tomahawk e insere-se no contexto histórico da Guerra dos Sete Anos (1756-1763), um conflito global que, no continente americano, ficou conhecido como The French and Indian War, a guerra que opôs o exército inglês ao exército francês e aos índios.

A narrativa transporta-nos para o coração das florestas da Nova França, onde franceses, milicianos canadianos e os seus aliados índios enfrentam as ofensivas britânicas. Ainda que a obra se insira num contexto histórico, este não é apenas um relato bélico, mas um mergulho profundo no quotidiano e nas tensões de um espaço e de um tempo que se encontravam em perfeito tumulto, bem como, paralelamente, uma história sobre o conflito entre o homem e o animal que me remeteu, obviamente para Moby Dick, de Herman Melville e brilhantemente adaptado para BD por Chabouté, mas também para a BD O Lobo, de Jean-Marc Rochette. 

Tomahawk, de Patrick Prugne - Ala dos Livros
No caso de Tomahawk, o protagonista Jean Malavoy, apaixonado por uma bela índia, persegue um urso pardo com uma enorme sede de vingança, por este animal aterrador ter ceifado a vida de alguém que era muito especial para Malavoy. À medida que avança pela floresta adentro em perseguição do animal, o soldado encontra adversários e companheiros de armas que vão trazendo dinâmica à narrativa de um modo muito orgânico, sem que esses encontros fortuitos pareçam forçado ou aleatórios em termos narrativos, o que me agradou bastante.

A história em si é relativamente simples, mas muito bem construída. Não há a complexidade política de um romance histórico pesado nem o melodrama exagerado de certas aventuras coloniais. Pelo contrário, Prugne opta por uma narrativa fluida, com ritmo equilibrado, que nos mantém imersos nos acontecimentos. Já tinha gostado bastante do livro Pocahontas e ainda gostei mais deste Tomahawk, talvez pelo simples facto da sua história ter argumento original e ser menos previsível, mas também pela própria estrutura e cadência narrativa.

No campo narrativo, Prugne consegue equilibrar ação e introspeção. As escaramuças e tensões militares coexistem com momentos de silêncio, observação silenciosa dos inimigos, conversas ao redor do fogo ou olhares carregados de significado. Especialmente quando Malavoy encara o urso prado que persegue. Esse contraste reforça a dimensão humana da história e impede que o álbum se reduza a um simples relato bélico.

Tomahawk, de Patrick Prugne - Ala dos Livros
Se a história, sendo simples, é interessante e capta o interesse do leitor, o grande trunfo de Tomahawk está no trabalho visual. O traço de Prugne é tão apurado e elegante que cada página poderia ser retirada do livro, emoldurada e exposta numa galeria de arte! A composição das cenas, o detalhe dos rostos, a anatomia dos corpos e a expressividade dos gestos revelam um autor de exceção que domina a linguagem gráfica e sabe usá-la para contar uma história tanto quanto pelas palavras.

A representação da natureza é absolutamente deslumbrante! Florestas cerradas, lagos serenos, neve imaculada, o sopro do vento nas folhas, a luminosidade a penetrar os ramos das árvores… tudo é retratado com um realismo poético. Os animais também não são meros elementos decorativos: surgem como parte orgânica da paisagem e do quotidiano das personagens, conferindo autenticidade e riqueza ao ambiente. O leitor quase sente o cheiro da madeira húmida ou o frio cortante do inverno canadiano.

Outro aspeto fulcral é a paleta de cores, dominada pela aguarela. Os verdes e azuis, trabalhados com mestria, conferem uma aura mística e uma elegância profunda à narrativa visual. A delicadeza cromática é um convite à contemplação, tornando cada página num objeto de beleza própria. Custa-me a crer que exista alguém que não consiga apreciar tão delicados desenhos!

Tomahawk, de Patrick Prugne - Ala dos Livros
Apesar de todos os méritos da obra, há um ponto fraco notório: o final. A sensação é que a narrativa, cuidadosamente construída ao longo de tantas páginas, é subitamente interrompida. O desfecho parece apressado e atabalhoado, como se Prugne tivesse sido forçado a entregar o livro de um dia para o outro. Em consequência, fica-se com um "after taste" de incompletude, quase como se estivéssemos a meio de uma conversa cortada, ou de um coito interrompido, o que é uma pena. Essa conclusão abrupta não anula, porém, o impacto positivo da obra. Pelo contrário, deixa o leitor desejoso de mais, o que é, paradoxalmente, um sinal da sua força. Mas também é inegável que, num trabalho tão visualmente e tematicamente cuidado, este final destoa e quebra o encantamento que se vinha a acumular de página para página. É um livro que acaba por valer mais pela jornada do que pelo final.

Em termos de edição, estamos novamente perante um belíssimo trabalho da Ala dos Livros. A edição é em grande formato, em capa dura baça, com detalhes a verniz. No miolo, o papel utilizado é brilhante e de bela qualidade. A impressão e a encadernação são fantásticas. No final do livro há ainda um caderno de extras, com generosas 23 páginas, em que nos são oferecidos esboços das personagens e de animais, estudos de capa, ilustrações de dupla página, storyboards e estudos de cor. E todas as páginas têm notas do autor em francês. Mas desta vez, e ao contrário do que tinha acontecido em Pocahontas, a Ala dos Livros decidiu, e bem, acrescentar uma página no final do livro onde esses comentários em francês do autor são traduzidos para português. Isto é um claro exemplo de como a Ala dos Livros não cessa de tentar fazer melhor, aproximando-se da perfeição editorial, de livro para livro. O que merece as minhas vénias, claro.

Em suma, Tomahawk é uma obra de rara beleza visual, com uma narrativa envolvente e um contexto histórico riquíssimo, que muito me agradou! A simplicidade da história é compensada por um traço sublime e uma cor magistral, capazes de evocar emoções e sensações com a mesma eficácia de um grande romance. É um livro que tanto pode ser lido como contemplado, e que, apesar do final insatisfatório, se afirma como uma verdadeira peça de arte gráfica e narrativa.


NOTA FINAL (1/10):
9.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Tomahawk, de Patrick Prugne - Ala dos Livros

Ficha técnica
Tomahawk
Autor: Patrick Prugne
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 96, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 245 x 330 mm
Lançamento: Maio de 2025

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