quarta-feira, 13 de agosto de 2025

TOP 10 - A Melhor BD lançada pela Escorpião Azul nos últimos 5 anos!


Hoje é dia de vos dar a conhecer quais os 10 melhores livros de banda desenhada editados pela editora Escorpião Azul nos últimos 5 anos!

A Escorpião Azul é uma editora de pequena dimensão que tem sabido trilhar o seu próprio caminho, à sua própria maneira, apostando especialmente em obras de autores portugueses, embora dando espaço a outros autores estrangeiros num registo mais autoral.

Tenho notado um acréscimo de qualidade nos últimos anos, quer na qualidade das edições, quer na qualidade das apostas das editoras. 

Convém relembrar que este conceito de "melhor" é meramente pessoal e diz respeito aos livros que, quanto a mim, obviamente, são mais especiais ou me marcaram mais. Ou, naquela metáfora que já referi várias vezes, "se a minha estante de BD estivesse em chamas e eu só pudesse salvar 10 obras, seriam estas as que eu salvava".

Faço aqui uma pequena nota sobre o procedimento: considerei séries como um todo e obras one-shot. Tudo junto. Pode ser um bocado injusto para as obras autocontidas, reconheço, e até ponderei fazer um TOP exclusivamente para séries e outro para livros one-shot, mas depois achei que isso seria escolher demasiadas obras. Deixaria de ser um TOP 10 para ser um TOP 20. Até me facilitaria o processo, honestamente, mas acabaria por retirar destaque a este meu trabalho que procura ser de curadoria. Acabou por ser um exercício mais difícil, pois tive que deixar de fora obras que também adoro, mas acho que quem beneficia são os meus leitores que, deste modo, ficam com a BD que considero ser a "crème de la crème" de cada editora.

Deixo-vos então as melhores 10 BDs lançadas pela Escorpião Azul entre o período de 2020 a 2025, período de existência do Vinheta 2020:


TOP 10 - A Melhor BD lançada pela ESCORPIÃO AZUL entre 2020 e 2025 


10. E Depois do Abril
André Mateus e Filipe Duarte
Lançamento: Março de 2024



A dupla portuguesa formada por André Mateus e Filipe Duarte oferece-nos com E Depois do Abril um interessante exercício de reflexão através de uma premissa simples: que seria de Portugal se a revolução do 25 de Abril tivesse fracassado? Em que ponto estaríamos agora?

O embalo inicial narrativo é forte e a (re)construção do espírito e vida de uma sociedade lisboeta fechada em si mesma e presa às amarras do Estado Novo, é bem captado por André Mateus no relato que aqui nos é oferecido. O autor é também bem sucedido na forma como utiliza a técnica de voz-off para melhor arrastar o leitor para a trama.

Quanto ao trabalho de Filipe Duarte, devo dizer que, daquilo que conheço do autor, este é o trabalho que mais me impressionou. Adotando um registo a preto, branco e vermelho, o autor conseguiu oferecer à obra um belo ambiente noir e dramático, que se adequa muito bem à história. O vermelho é usado em pequenos detalhes, como numa gravata, num automóvel, num fundo, no sangue e, claro, nos cravos. Funciona extremamente bem, dotando as ilustrações de um cariz um pouco mais artístico. O trabalho de Filipe Duarte impressionou-me especialmente nos momentos iniciais mais introspetivos da história.

E Depois do Abril é um passo em frente para os autores André Mateus e Filipe Duarte e, ao mesmo tempo, traz consigo um exercício e uma reflexão pertinentes para um Portugal onde as divisões binárias e extremistas ocupam um lugar cada vez mais presente, não só em questões políticas, como um pouco por todo o tipo de temas com que nos deparamos num país que assinalou recentemente o 50º aniversário da sua nova democracia.

Análise completa a esta obra, aqui.


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9. O Caderno da Tangerina - Integral
Autora: Rita Alfaiate
Lançamento: Maio de 2022


Numa reedição que junta num só volume os livros No Caderno da Tangerina e Tangerina, este O Caderno da Tangerina - Integral, tem ainda o mérito de incluir uma pequena nova história, a cores, que é um ótimo acrescento à história global, unindo as duas partes narrativas. 

Há uma coisa de que gosto muito neste livro que consiste no facto de o mesmo trazer consigo um exercício muito interessante por parte da autora: é que se ficamos com uma ideia concreta quando lemos a primeira parte… essa ideia muda (drasticamente?) após a leitura da segunda parte do livro. Aplicando isto à realidade, não estará a autora a dizer-nos que para uma mesma história há várias verdades? Várias formas e possibilidades de olharmos para a mesma coisa?

A nova história curta presente nesta edição funciona como um interlúdio entre a primeira e a segunda parte do livro e dá-nos uma visão da vida de Yara, a professora de Spike e de Tangerina, e da forma como a mesma reage ao sucedido com a sua aluna Tangerina. É mais uma maneira de Rita Alfaiate nos mostrar como consegue trazer à tona da sua história um lado dramático e pungente dos eventos. E, visualmente falando, este interlúdio está um verdadeiro mimo para os olhos onde se percebe, sem dúvidas, que a autora tem evoluindo bastante a sua técnica de desenho. Já para não falar das cores que são muito, muito belas! 

A editora e a autora merecem uma palavra de apreço pela forma inteligente, com um bom sentido de oportunidade, como repescam esta obra numa bela edição definitiva e apetecível, que consegue o feito de explanar (ainda mais) a narrativa imaginada pela autora, de forma muito convincente. É um excelente livro da banda desenhada nacional que se recomenda, está claro!

Análise completa a esta obra, aqui.


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8. O Fogo Sagrado
Autor: Derradé
Lançamento: Outubro de 2021




Num registo muito mais autobiográfico e sério – embora carregado dos expetáveis tiques de humor – Derradé abre o coração neste livro. Sem medos, sem vergonhas e com a coragem de colocar o dedo na ferida, tece aqui uma verdadeira carta de amor à banda desenhada enquanto autor e leitor. 

E, possivelmente mais importante que isso ainda, o autor passa a mensagem de que a paixão por algo que nos move e comove deve ser alimentada. Neste caso, é a banda desenhada. Mas é fácil construir uma ponte para qualquer outra que seja a paixão duma pessoa. O facto de não se conseguir pelos motivos a), b) ou c) viver (financeiramente) de uma paixão… é sempre algo inglório e difícil de digerir para o criador. Mas deveremos, ainda assim, alimentar uma paixão que não gera dinheiro? Eu acredito que sim. 

O discurso é-nos dado sempre com humor, embora, em muitos casos, seja até uma sensação agridoce aquilo que o autor nos oferece. Porque se, no seu vasto percurso na banda desenhada, o autor consegue ter a coragem de, humoristicamente falando, dizer que falhou nos seus intentos, isso faz-nos rir, por um lado, mas, ao mesmo tempo, também nos faz lamentar que o sucesso e a glória não tenham atingido o autor nem outros tantos autores de banda desenhada da nossa praça.

Acaba por ser, então, uma carta de amor à banda desenhada, quer na ótica de quem é leitor, quer na ótica de quem é autor. E, portanto, é fácil revermo-nos nas experiências de Derradé à medida que vamos avançando na leitura do livro.

Considero este o melhor livro de Derradé. Fez-me rir, ficar triste e nostálgico, relembrar momentos importantes da história da banda desenhada, conhecer algumas coisas que não sabia sobre o autor e ainda refletir sobre as nossas paixões - o tal fogo sagrado! – e de como é importante conseguirmos guardar espaço nas nossas vidas para que as mesmas continuem a existir, aconteça o que acontecer. 

Análise completa a esta obra, aqui.



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7. Churubusco
Autor: Andrea Ferraris
Lançamento: Setembro de 2021



Esta obra que podemos considerar BD de autor, já que não parece ter um cariz muito comercial – ou, pelo menos, clara e diretamente fabricado com o intuito de "vender bem" - é baseada na trágica história do Batalhão São Patrício e na sua heroica deserção, a favor do México, durante uma guerra desigual contra os Estados Unidos. O episódio histórico é verídico e, portanto, estamos, desde logo, ligados a uma ideia algo incomum que é a de soldados que lutam por um lado da barricada desertarem desse lado e combaterem pelo lado oposto.

Churubusco não será, certamente, um relato histórico fiel e preciso sobre os acontecimentos sangrentos passados, mas é, apesar de tudo, uma chamada de atenção, uma relembrança, de um episódio que deveria envergonhar qualquer boa pessoa que se preze. Seja ela americana ou não. Ontem, hoje e amanhã.

Os desenhos de Andrea Ferraris são bastante belos, com o lápis de carvão a oferecer-nos ilustrações únicas, originais e impactantes, pela tristeza e sensação de amargura que deles emana. A arte é simples, mas elegante, acabando por encaixar muito bem no estilo de narrativa que o autor nos oferece. Parece existir uma sujidade sempre presente devido à existência de manchas de carvão que cobrem as páginas. 

Saúdo a Escorpião Azul por esta aposta de qualidade, assente numa obra que (também) funciona como um testemunho histórico de um dos maiores massacres perpetrados por um exército. O carácter documental, por um lado, e em tom de homenagem, por outro, está bem presente da primeira à última página. É um dos melhores livros do catálogo da editora portuguesa e, só por esse motivo, já se recomenda totalmente!

Análise completa a esta obra, aqui.


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6. O Coração na Boca
Autor: Horácio Gomes
Lançamento: Setembro de 2021



O Coração na Boca
é mais do que um bom livro. É uma autêntica tour de force do autor, que nos arrebata o coração e que nos comove. Não pude deixar de sentir uma clara empatia e admiração por Horácio Gomes, o autor. E não apenas pela boa obra de banda desenhada que aqui nos dá, mas também, e especialmente, pela forma corajosa como se expôs - a si e aos seus - neste livro. Numa altura em que todos nós parecemos querer pintar uma melhor imagem do que aquilo que realmente somos, publicando, por exemplo, nas redes sociais, a nossa melhor fotografia, o nosso melhor comentário político, a nossa melhor preocupação ambiental e/ou a nossa melhor piadola desportiva, é bom encontrar em O Coração na Boca um testemunho real e transparente, onde Horácio Gomes não aparenta querer pintar uma imagem artificialmente bonita da pessoa que é. Pelo contrário, oferece-nos um retrato duro e comovente, onde nos revela como foi a sua vida e as amarguras recorrentes do seu divórcio, dos seus problemas financeiros, da sua solidão e até da sua luta para conseguir publicar o próprio livro em questão.

E tudo com uma única âncora: a de querer ser o melhor pai possível para a sua filha. Não só é ela a protagonista do livro, como fica óbvio que o autor se serve de O Coração na Boca para dedicá-lo à sua filha Mariana, de forma a resolver e fechar(?) um período negro na sua vida, na tentativa de conquistar essa coisa que todos nós, em determinado momento das nossas vidas, procuramos: a redenção. A redenção de uma vida nem sempre praticada como gostaríamos que fosse. A redenção de uma vida onde falhamos. Onde fracassamos. Onde desiludimos os outros e a nós próprios.

Se este trabalho não conseguir tocar a sensibilidade do leitor, algo de errado se passa… com o leitor. Talvez o seu coração não esteja onde devia estar. Este livro é pungente. É corajoso. É angustiante. É muito bom e recomenda-se! 

Análise completa a esta obra, aqui.



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5. A Língua do Diabo
Autor: Andrea Ferraris
Lançamento: Outubro de 2024



Se Churubusco e A Cicatriz - Na Fronteira entre o México e os Estados Unidos, da autoria de Andrea Ferraris, foram boas propostas, que recomendo, posso dizer-vos que este A Língua do Diabo é, a meu ver, a melhor das três obras, ao apresentar uma narrativa gráfica envolvente e profundamente reflexiva, com personagens impactantes e com um facto histórico não muito explorado, que foi o aparecimento da Ilha Ferdinandea, um território efémero que emergiu no Mediterrâneo em 1831, perto da costa da Sicília, e rapidamente se tornou um símbolo de ambição e disputa entre várias nações. Através de uma abordagem visual impressionante e uma narrativa histórica envolvente, Ferraris explora as tensões geopolíticas da época, o desejo humano pela conquista e a própria efemeridade da existência.

A história gira em torno da súbita aparição da ilha devido à atividade vulcânica submarina e do frenesim que isso gerou entre potências como a Grã-Bretanha, a França, a Espanha e a própria Itália. Cada uma dessas nações tentou reivindicar o território, vendo nele uma oportunidade geoestratégica em pleno Mar Mediterrâneo. No entanto, antes que qualquer disputa pudesse ser resolvida de forma definitiva, a ilha desapareceu novamente sob as águas, apagando temporariamente a possibilidade de posse e domínio. Hoje em dia, a ilha ainda lá está, mas encontra-se submersa a 6 metros de profundidade. Tudo isto são factos verídicos.

A narrativa não se limita a um relato histórico, mas também introduz reflexões sobre o significado das fronteiras, a fragilidade das ambições humanas e a forma como a História é moldada pelos vencedores. A Ilha Ferdinandea torna-se uma metáfora para os conflitos geopolíticos que continuam a ocorrer até hoje, onde territórios são disputados com base em interesses estratégicos e nacionalistas, muitas vezes sem consideração pelas forças naturais ou pelos povos locais.

Em A Língua do Diabo, Andrea Ferraris tem o mérito de nos transportar para um episódio esquecido, mas altamente simbólico, da história europeia. Esta é uma obra que merece ser lida tanto pelo seu valor artístico, quanto pela sua capacidade de provocar reflexões sobre a relação entre o homem, a terra e o tempo. Um belo livro que recomendo vivamente.

Análise completa a esta obra, aqui.

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4. Em Redes
Autores: Audrey Caillat e Xico Santos
Lançamento: Setembro de 2024



Não sabia bem o que esperar desta nova aposta da editora Escorpião Azul, denominada Em Redes, um álbum do autor português Xico Santos que se faz acompanhar, no argumento, pela francesa Audrey Caillat, e posso dizer-vos que fiquei rendido à relevância, maturidade, ambiente e ritmo deste novo livro. Passou a ser, quanto a mim, um dos melhores livros do catálogo da editora portuguesa.

A ação desenrola-se na zona da Ria Formosa, no Algarve. Mais concretamente, na Ilha da Culatra onde, a partir da Primeira Guerra Mundial, esta pequena ilha funcionou como um centro de aviação naval destinado à luta dos antissubmarinos, onde aterravam hidroaviões, já que as condições naturais da região eram perfeitas para que os franceses pudessem aterrar os seus hidroaviões que serviam de apoio à luta submarina.

Com base neste facto da História portuguesa, poucas vezes comentado ou conhecido, Xico Santos e Audrey Caillat oferecem-nos uma narrativa que se passa em dois períodos diferentes: nos anos 40 e nos anos 80. Durante essas duas épocas, acompanhamos a história de duas personagens: Rafael, um solitário pescador local, e Jean, um cativante piloto francês que, já depois da Segunda Guerra Mundial terminar, nos anos 40, continua na ilha. Eventualmente, acaba por nela assentar bases e construir família com uma portuguesa dali.

A abordagem ao tema por parte dos dois autores, através de bons diálogos que deixam certas ideias no ar sem nunca as materializar ou através de belíssimos e inspirados desenhos, que tanto evocam, de Xico Santos, tornam a obra uma verdadeira beleza. Diria até que esta história daria um ótimo filme que, mantendo o mesmo tom, poderia ser um verdadeiro sucesso.

Em Redes é uma bela, subtil e madura obra. Confesso-vos: o livro tinha despertado o meu interesse, mas honestamente não esperava que fosse tão bom. 

Análise completa a esta obra, aqui.

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3. O Atendimento Geral
Autor: Paulo J. Mendes
Lançamento: Outubro de 2024




Em O Atendimento Geral acompanhamos a vida de Lombinhos, um tímido escriturário que vê a sua vida dar uma grande volta quando é encarregado de ser o responsável pela abertura de uma sucursal da empresa "O Atendimento Geral" numa pequena localidade do interior lusitano. Que, curiosamente, é a exata vila em que, quando em criança, a personagem passava as suas férias numa quinta da sua tia, entretanto às portas da morte.

Este é o ponto de partida para esta obra de Paulo J. Mendes em que o método de construir uma história absurda - onde as situações normais e as situações inusitadas se misturam num casamento perfeito - se mantém presente, tal como presente também está mais um rol de personagens icónicas e divertidas a quem é difícil resistir. Todavia, a história é diferente das duas anteriores do autor, respetivamente O Penteador e Elviro, e até pisca o olho a uma maior sátira social.

O Atendimento Geral consegue aquela dualidade - que adoro! - entre parecer, à primeira vista, completamente "normal", até mesmo com alguma mundanidade, mas depois mostrar-se carregada de cenas absurdas e inusitadas que nos fazem rir e nos agarram completamente ao enredo. Também podemos, admito, ver a coisa de uma forma diametralmente oposta: a história é de chorar a rir e depois aparece disfarçada de história séria e credível. Mas bem, seja como for, uma história séria carregada de momentos cómicos ou uma história ridícula carregada de momentos sérios, o que é certo é que a mesma funciona bem e tem uma singularidade muito própria.

O Atendimento Geral não desilude e reafirma Paulo J. Mendes como um dos autores mais impactantes da atualidade bedéfila em Portugal. É fácil mergulharmos numa história do autor... o difícil mesmo é termos que dizer adeus a estas personagens irresistíveis quando termina a nossa leitura. Resta-nos a sorte de poder  resolver esse "problema" voltando à primeira página e começando tudo de novo!

Análise completa a esta obra, aqui.

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2. Neon
Autora: Rita Alfaiate
Lançamento: Outubro de 2023




Se havia dúvidas (não minhas!) quanto à capacidade e talento de Rita Alfaiate para a banda desenhada, estas dissiparam-se completamente após a leitura deste maravilhoso Neon

A história foca-se numa rapariga que, acompanhada pelo seu cão androide, percorre as ruas desertas desta cidade futurista, de ambiente distópico e com uma aura muito cyberpunk.

Com uma narrativa quase muda, onde são poucas as falas, um dos feitos mais notáveis de Rita Alfaiate é conseguir embalar-nos ao longo de mais de 100 páginas, onde o que nos é mostrado é mais visual do que textual. A autora opta por nos dar apenas algumas pistas para decifrarmos o que se passa com esta personagem que parece estar completamente só num mundo sem vida - mas, ao mesmo tempo, cheio de luz - onde toda a companhia que lhe resta é o seu cão androide, de nome Neon.

Em termos visuais, o trabalho de Rita é verdadeiramente fabuloso. E se há uma personagem principal nesta história, diria que, para além da protagonista, essa personagem principal é o próprio ambiente visual que a autora nos oferece. Com luzes luxuriantes e plásticas, que relembram as luzes dos centros urbanos carregados de iluminação a néon, este local é vívido e cheio de cores exuberantes embora, aparentemente, não pareça povoado por ninguém além da nossa protagonista e do seu cão. A dicotomia é, pois, poética e vibrante. 

Rita Alfaiate revela neste Neon todo o seu virtuosismo e talento. Há aqueles autores em que se percebe que já chegaram ao topo da sua evolução. Rita não pertencerá, decerto, a essa estirpe. Porque é notória, inequívoca e gritante a evolução que a autora revela face a trabalhos anteriores. Quer em termos de desenho de expressões, quer em termos de enquadramentos cinematográficos, de planificação dinâmica ou, claro, de cor.

Neon é um autêntico festim de luz, cor, desenho e ambiente, e um álbum que passa a ser um marco da banda desenhada nacional em termos visuais e, sem dúvida, um dos livros mais obrigatórios da editora Escorpião Azul.

Análise completa a esta obra, aqui.

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1. Elviro
Autor: Paulo J. Mendes
Lançamento: Outubro de 2022



A história de Elviro é simples: Elviro Bolacho e a sua esposa Ataílde decidem passar uma semana de férias de Verão em Nalgas de Mar, uma vila costeira, com belas praias. Elviro é um entusiasta dos velhos veículos de transporte público e, por esse motivo, escolheu Nalgas de Mar como destino para as suas férias, devido ao velho serviço de elétricos da vila se encontrar prestes a encerrar. Como entusiasta, Elviro quer documentar o momento histórico em que o serviço de elétricos será substituído por um sistema de troleicarros.

No entanto, nem tudo são coisas boas neste período estival e a relação entre Elviro e a sua esposa, Ataílde, não parece viver os melhores dias. Brigas constantes entre os dois, essencialmente devido a esta paixão pelo transporte público de Elviro, levam a que haja uma forte zanga entre o casal, que os leva a passar a estadia sozinhos, cada um para seu lado. Ataílde passa a frequentar a praia junto de um amigo esotérico, enquanto que Elviro divide o seu tempo entre o estudo e a tentativa de salvamento dos velhos elétricos de Nalgas de Mar.

A história está carregada de humor, mas diga-se em abono da verdade que estamos perante um humor muito próprio. Não parece que Paulo J. Mendes tente fabricar tiradas cómicas ou gags humorísticos, com a habitual punchline. Ao invés, o autor presta-se a dar-nos uma história que justamente por não parecer humorística, mas sim algo sério, é que nos faz rir perante as situações, os nomes das personagens e das localidades, os eventos non-sense que são criados. É aí, nessa aparente tentativa de ser sério, que reside a genialidade do humor do autor, quanto a mim. 

Daí ser um tipo de humor refinadamente simples, que se torna delicioso e que me remete, muitas vezes, para os Monty Python. É, pois, frequente que, lendo este Elviro pensemos: “mas este Paulo J. Mendes está a dar-nos uma história séria, está a gozar com a nossa cara ou, simplesmente, é um autêntico "Rei" da comédia, que não tem medo de ser silly ou non-sense (perdoem-me os estrangeirismos), mesmo quando a história tem um lado sério, também?”. Fico-me pela última hipótese. A trama é divertida e com aquele humor inocente típico dos antigos filmes portugueses, como o A Canção de Lisboa, O Grande Elias ou O Pátio das Cantigas, entre outros. A título de exemplo, refiro que as provocações constantes a Prendrelico me fizeram recordar as provocações constantes a Evaristo, em O Pátio das Cantigas.

É justo dizer que Elviro se assume, com alguma facilidade, diga-se, como um clássico instantâneo da banda desenhada portuguesa! Elviro é a verdadeira constatação da relevância do autor, que junta uma personalidade muito própria na maneira de contar histórias castiças, carregadas de portugalidade, com um humor bastante raro. E tudo isto num belo registo visual, onde as bonitas cores são as joias da coroa. Absolutamente obrigatória!

Análise completa a esta obra, aqui.

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