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terça-feira, 31 de março de 2020

Análise: Dylan Dog: Após um Longo Silêncio


Dylan Dog: Após um Longo Silêncio


Dylan Dog: Após um Longo Silêncio, de Tiziano Sclavi e Giampiero Casertano  

Existem aquelas pequenas coisas da vida que a tornam tão especial, não é? Para uns será um cigarro numa varanda ao luar, para outros será uma cerveja gelada numa esplanada no verão, para outros será um picnic num dia primaveril, para outros será um chocolate quente numa tarde chuvosa e para outros será uma outra coisa qualquer. Para mim, ler Dylan Dog é um desses pequenos prazeres da vida. Especialmente nos tempos infelizes que correm.

E por “pequeno prazer”, não se entenda que a dimensão desta grande personagem e seus demais livros seja pequena. Por "pequeno prazer", entenda-se que ler Dylan Dog é algo natural, fácil, simples e, ao mesmo tempo tão compensador. Daquelas coisas com que sempre podemos contar. Além disso, a experiência ainda se torna melhor e altamente recomendável se tivermos em conta que os volumes de Dylan Dog são livros relativamente curtos, com um preço relativamente baixo. Como disse, são fáceis e irristíveis por todas estas razões. Um autêntico "pequeno prazer" da vida.

No entanto, mesmo sendo livros fáceis de ler, abordam temas profundos e adultos mas recorrendo sempre a uma abordagem light, muito focada e extremamente despretensiosa. A meu ver, não são livros que queiram ser algo maior do que aquilo que são. Pelo contrário, são livros que se limtam a ser aquilo mesmo que são. Honestidade, acima de tudo. 

Este Após um Longo Silêncio é o quinto volume dedicado a Dylan Dog da Coleção Aleph, tendo os dois primeiros volumes O Velho que Lê e Até que a Morte vos Separe, sido publicados ainda na chancela da G.Floy e os restantes 3 volumes, Trevas Profundas, O Imenso Adeus e, este último, Após um Longo Silêncio sido publicados através da Editora A Seita. Já antes, a Editora Levoir tinha publicado em Portugal três livros de Dylan Dog: Mater MorbiA Saga de Johnny Freak e Os Inquilinos Arcanos

O argumento é da autoria de Tiziano Sclavi (o criador de Dylan Dog), com os desenhos a terem ficado a cargo de Giampiero Casertano, e traz-nos uma história simples, extremamente bem desenhada, que nos revela um Dylan Dog mergulhado no alcoolismo e em histórias de fantasmas. 

Desta vez, o seu cliente é um homem que vive assombrado pelo fantasma da esposa, cujo único conforto parece ser o álcool. Partimos então para um tema algo pesado, que é o do vício pelas bebidas alcóolicas e como isso arrasta as pessoas para a perdição. A narrativa deste Após um Longo Silêncio apresenta-nos duas vidas assentes no álcool. Por um lado, Owen Travers, o cliente do detetive do paranormal e, por outro, o próprio Dylan Dog. Mas há aqui um paralelismo muito interessante entre ambas as personagens. Se a personagem de Dylan Dog parece mostrar-nos o caso clássico em que um indivíduo começa a mergulhar, gradualmente, no mundo do álcool, passando, numa primeira fase, por aceitar álcool de uma forma social para, progressivamente, começar a comprar compulsivamente bebidas alcóolicas; já Owen Travers, parece só encontrar redenção no efeito do álcool. Assim, uma personagem é uma fiel representação dos primeiros tempos da vida de um alcóolico enquanto que a segunda representa claramente os últimos tempos da vida de um alcoólico. Como se o objetivo fosse informar o leitor de como tudo começa e de como tudo pode acabar. E esta dualidade está muito bem conseguida por Sclavi. 

Como não podia deixar de ser, há também espaço para mais um romance de Dylan Dog. Desta vez, o protagonista mantém uma relação amorosa com Crystal, uma atraente loura de cabelo curto que oferece uma boa dose de sensualidade à história. Neste caso específico, penso que a presença desta personagem feminina poderia ter sido mais bem explorada pelo autor. Tem alguma relevância na história, pois afinal é ela que (re)introduz o álcool a Dylan Dog mas, para além disso, não tem muito mais importância na trama. 

E claro, Groucho vai sendo um bom comic relief com todos os seus comentários curiosos, que dão humor e cor a esta história a preto e branco.

Gosto particularmente que a narrativa se mantenha muito terra-a-terra. Bem sei que muitas vezes Dylan Dog mergulha em universos paralelos do onírico e, como já disse atrás, como o faz de uma forma light, acaba por ser de fácil digestão. Contudo, é a natureza mais humana, mais verossímil de Dylan Dog, que mais me apraz. E nesse sentido, este Após um Longo Silêncio é uma aposta vencedora porque, mesmo tendo uma narrativa que é habitada por matéria do sobrenatural, acaba por ser uma história muito real e que até subverte o tema dos fantasmas e do sobrenatural.

Após um Longo Silêncio está soberbamente bem desenhado por Casertano, também. Com contrastes muito fortes e com excelentes jogos de luz, a arte visual é de extrema qualidade, com Casertano a demonstrar que é um dos melhores executantes para desenhar Dylan Dog, uma personagem inesquecível para quem tem o prazer de a conhecer.

Recomenda-se Após um Longo Silêncio para quem já acompanha Dylan Dog mas também é um bom cartão de visita para conhecer esta série, que tanta gente apaixona. Incluindo a minha pessoa.


NOTA FINAL (1/10):
8.5


-/-

Ficha Técnica
Dylan Dog: Após um Longo Silêncio
Autores: Tiziano Sclavi e Giampiero Casertano
Editora: A Seita
Páginas: 104, a preto e branco
Encadernação: capa dura

segunda-feira, 30 de março de 2020

Análise: Watchmen




Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons

Inspirado pelo lançamento da ColeçãoWatchmen, ainda em curso, da editora Levoir, que resgata a obra original de Alan Moore e Dave Gibbons e adiciona os volumes Dc Universe, The Button e Doomsday Clock, que nos revelam a entrada das personagens Watchmen no universo DC, voltei a ler a obra original Watchmen, publicada há cerca de 4 anos pela mesma editora.

E para fazer uma análise de Watchmen, das duas, uma: ou faria a análise mais extensa, complexa e difícil de ler do Vinheta 2020; ou fazia uma análise mais sintética, que conseguisse apenas tocar nos pontos fulcrais da série.

E é isso que tentarei fazer.

Watchmen é daquelas obras mais do que incontornáveis da banda desenhada. Diria que para um adepto de banda desenhada é tão indispensável ler esta série (a obra original, de Alan Moore e Dave Gibbons, sublinho), como é indispensável para um amante de literatura portuguesa ler Os Maias, de Eça de Queiroz. É quase como se fosse um baptismo ao comic para adulto.

De facto, parece que foi mesmo esse o ponto de partida - ou, pelo menos, o ponto de chegada - de Alan Moore: fazer algo, baseado em super-heróis mas que fosse mais para adultos do que para jovens. É disruptivo na medida em que acaba por repensar toda a maneira, todas as temáticas, todas as subnarrativas que geralmente eram aplicadas nas histórias de super-heróis americanas. E mesmo hoje em dia, a forma como esta obra está construída, ainda a coloca entre as novelas gráficas mais relevantes da história da banda desenhada. E não está minimamente datada. Continua a estar mais do que atual.

Mas que se desengane quem achar que Watchmen é um livro leve ou de fácil leitura. É dos livros mais pesados e mais exigentes para com o leitor, de toda a banda desenhada. Na verdade, estou aqui a puxar pela cabeça e não me recordo de um livro de bd que considere mais complexo na leitura.

E sim, diria que o grande alicerce de Watchmen e, talvez mesmo, a razão pela qual esta obra é tão aclamada no mundo da banda desenhada – e até mesmo no mundo da literatura, tendo Watchmen sido incluído na lista das 100 obras mais importantes da literatura em inglês, pela revista Time – é que Watchmen é um punhado de subnarrativas que se complementam entre si, que se questionam entre si e que, no final, contam uma história maior.

A história passa-se nos Estados Unidos da América, em 1985, e remete-nos para uma realidade carregada de super-heróis fantasiados. Nesta altura, a América vivia ainda o período da Guerra Fria na iminência, sempre constante, de iniciar uma guerra nuclear contra a União Soviética e assim propiciar a Terceira Guerra Mundial. Mas a história não se centra apenas neste grupo de super-heróis dos anos 80. Frequentemente somos remetidos para os acontecimentos que marcaram um primeiro grupo de super-heróis do passado, no período pós-Segunda Guerra Mundial. 

Entretanto, um dos super-heróis, o Comediante, é assassinado e é isso que acende o rastilho para a investigação por parte dos heróis atuais, embora os flashbacks até ao passado sejam recorrentes para que o autor nos desvende algumas pistas (ou por vezes, nos deixe ainda com mais dúvidas).

Watchmen retrata os super-heróis como indivíduos verossímeis, que enfrentam problemas éticos e psicológicos, lutando contra dúvidas internas e contra os seus próprios defeitos. A obra está carregada de simbolismo e toca em temas tão variados como filosofia, política, ética, moral, história, artes e ciência.

O resultado é uma grande teia de narrativas, inteligentemente interligadas por Alan Moore. No final de cada capítulo, há ainda espaço para textos em prosa que complementam a história dando (muita) mais informação ao leitor, acerca das personagens e dos vários eventos que se vão sucedendo.

E, por fim, no meio desta história que, temporalmente, anda para a frente e para trás, temos ainda uma "sub-sub-narrativa" que se baseia nuns livros de banda desenhada, denominados Contos do Cargueiro Negro, que um jovem vai lendo. O genial Alan Moore e a enorme legião de fãs de Watchmen que me perdoem mas tenho que afirmar que, na minha humilde opinião, Contos do Cargueiro Negro é apenas um filler que não acrescenta nada de verdadeiramente relevante a Watchmen. A meu ver, é uma tentativa de mergulhar ainda mais fundo, nas premissas da banda desenhada, qual exercicío estético, mas que, no final de contas, não é mais do que uma iniciativa pobre, um pouco sem lógica e quase presunçosa, que acaba por sair “ao lado”. Alguns poder-me-ão dizer: “ah mas o texto de os Contos do Cargueiro Negro encaixa que nem uma luva no que, fora dessa banda desenhada, está a acontecer na narrativa de Watchmen”. Discordo. É um texto demasiado abstracto, pouco inspirado até, que poderia ser “enfiado à força” em tantas outras bandas desenhadas, que encaixaria tão bem como em Watchmen. Faz-me lembrar os textos de horóscopo. É um tipo de texto feito para encaixar. Mas é tão artificialmente feito para tal, que acaba por ser vazio. E é por isso que quando leio o meu horóscopo, aquilo até pode fazer algum sentido. Mas se ler o horóscopo de qualquer outro dos restantes 11 signos, também fará sentido à minha pessoa. E a qualquer outra pessoa, claro.

Mas tirando esta irritação que Os Contos do Cargueiro Negro geram em mim, posso dizer que o que é fantástico em Watchmen é a sua natureza original, de uma profundidade muito bem tecida por Alan Moore. Impressionante na narrativa, merece mil vénias. Quanto à arte de Gibbons, diria que cumpre bem (sem ser inesquecível) e que não me merece qualquer tipo de comentário negativo. Mas lá está, a genialidade de Watchmen está no texto, e na teia intricada de tantas narrativas e tantas personagens marcantes, cada uma com a sua própria vivência, valências e fraquezas. Não dira que qualquer ilustrador poderia ter desenhado Watchmen (isso seria desrespeitar o bom legado de Dave Gibbons) mas diria que muitos ilustradores poderiam ter-se sentado nessa cadeira. Já quanto ao texto e história desta obra, já me parece mais claro que, se não houvesse Alan Moore, não haveria Watchmen.

Obrigatório de ler. Pelo menos, uma vez na vida.

NOTA FINAL (1/10):
9.0

-/-

Ficha Técnica
Watchmen
Autores: Alan Moore e Dave Gibbons
Editora: Levoir
Páginas: 432, a cores
Encadernação: Capa dura

Lançamento: Harley Quinn: Através do Espelho



Saiu há alguns dias mais um livro da Editora Levoir, dedicado a Harley Quinn. Da autora que nos deu o fantástico Finalmente o Verão, que já recebeu uma análise no Vinheta 2020, e de Steve Pugh (responsável pelos Flintstones), esta é mais uma boa opção para os dias de quarentena.

Fiquem com as imagens e nota de imprensa disponibilizados pela editora:

Harley Quinn: Através do Espelho, de Mariko Tamaki e Steve Pugh

Harley Quinn: Através do Espelho é a história da adolescente Harley Quinzel uma miúda esquisita de Gotham. A 20 de Março a Levoir lançou a história criada por Mariko Tamaki, vencedora de um prémio Eisner (Finalmente o Verão) e pelo artista Steve Pugh (The Flintstones).

Harley Quinn: Através do Espelho é ao mesmo tempo um conto para os leitores clássicos da Harley que a conhecem e amam, e é uma história sincera sobre as escolhas que os adolescentes fazem e como eles podem definir – ou destruir – as suas vidas. Este é o primeiro título da nova linha de romances gráficos da DC para jovens adultos.

Harley é uma jovem de 15 anos, franca, rebelde sem rodeios e excêntrica. Com a separação dos pais é mandada com 5 dólares no bolso, para casa da avó em Gotham, uma das cidades mais perigosas do mundo. Desconhecendo que a avó tinha morrido fica a viver num apartamento em ruínas por cima dum cabaré de karaoke, propriedade de “Mamã”, a melhor drag queen de Gotham, que a toma sob a sua protecção.

Harley parece ter encontrado um sítio para crescer e descobrir o seu verdadeiro eu no liceu de Gotham, com a sua melhor amiga Ivy.  Mas a sorte vai voltar a mudar quando o cabaret do “Mamã” se torna na nova vítima da onda de gentrificação que está a submergir a vizinhança. Agora, Harley está furiosa. Quer transformar essa fúria em acção, mas tem duas opções: juntar-se a Ivy e à sua campanha para tornar o bairro num sítio melhor; ou juntar-se ao Joker, que planeia deitar Gotham abaixo.

Esta é uma  história  de amadurecimento, justiça, progresso e de como  uma  miúda estranha da parte mais pobre da cidade de  Gotham  cresceu,  e  das  escolhas  e consequências  que  teve  de  fazer  e  aceitar  para definir o seu mundo.

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Ficha Técnica
Harley Quinn: Através do Espelho
Autores: Mariko Tamaki e Steve Pugh
Editora: Levoir
Páginas: 200, a cores
Encadernação: Capa dura
Preço: 19,90€

sábado, 28 de março de 2020

Lançamento: Watchmen: Todos Estamos Loucos Vol. 7



Mais um volume da coleção Watchmen/Doomsday Clock, chega às bancas. Desta vez trata-se do volume 7: Todos Estamos Loucos.

A Editora reitera que devido ao Estado de Emergência decretado pelo Governo para responder à propagação do coronavírus, o número de quiosques onde se pode comprar o jornal público e os livros da coleção foi reduzido. No entanto, ainda são mais de 4.000 postos abertos e que podem ser encontrados no seguinte link:

Aqui fica a nota de imprensa e as respetivas imagens: 

Watchmen: Todos Estamos Loucos Vol. 7

O volume 7, Todos Estamos Loucos, que reúne os episódios 2, 3 e 4 da série Doomsday Clock, uma criação de Geoff Johns e Gary Frank que põe em confronto o  universo  de Watchmen com o universo tradicional da DC que bem conhecemos.

Neste volume, Ozymandias, Rorschach, Marioneta e o Mímico conseguem atravessar a barreira trans-dimensional que separa os dois universos e aterrar em Gotham City. Para os ajudar na busca pelo Dr. Manhattan, Rorschach e Ozymandias, vão procurar os dois homens mais inteligentes deste mundo: Bruce Wayne e Lex Luthor, com o novo Rorschach a descobrir a entrada da Batcaverna, enquanto Ozymandias, no escritório de Lex Luthor é alvejado pelo Comediante, que aparentemente está vivo e nesta dimensão.

Tal como sucedia em Watchmen, Johns e Frank também utilizam os flashbacks para dar a conhecer a origem e as motivações dos personagens. É o que sucede com Marcos Maez e Erika Manson, o Mímico e a Marioneta, mas também com o novo Rorschach, cuja verdadeira identidade é desvendada e explicada, criando uma interessante ligação com a história original de Alan Moore e Dave Gibbons. 


Ficha Técnica
Watchmen: Todos Estamos Loucos Vol. 7
Autores: Geoff Johns e Gary Frank
Editora: Levoir
Páginas: 120, a cores
Encadernação: Capa dura
Preço: 9,90€

sexta-feira, 27 de março de 2020

Lançamento: Criminal: Livro Dois



Embora, o novo volume da fantástica série Criminal, de Ed Brubaker e Sean Phillips, já esteja disponível quer nas bancas, quer em algumas livrarias especializadas há alguns meses, só agora foi enviada a nota de imprensa pela G.Floy, que partilhamos abaixo. 

A G.Floy esclarece que Criminal: Livro Dois pode ser adquirido diretamente, através da editora.

Este é um livro que o Vinheta 2020 considera obrigatório e que já recebeu a minha análise

Aqui fica a nota de imprensa e respetivas imagens:

Criminal: Livro Dois
No segundo volume de Criminal, Brubaker e Phillips servem-nos um conjunto de histórias que exploram os limites do noir e da narração visual. Em Os Mortos e os Moribundos, uma mulher que sofreu na pele a crueldade do mundo que a rodeia, regressa à cidade com uma ideia em mente apenas: vingança. E os seus melhores amigos, o filho do mais poderoso senhor do crime da cidade, e um pugilista em ascensão, vão ser apanhados no fogo cruzado da sua raiva. Uma única tragédia, contada de três pontos de vista diferentes. Em Uma Noite Má, a mais estranha das histórias da série segue um autor de banda desenhada com insónias, Jacob, o criador da tira “Franz Kafka Detective Privado”, que vai ser apanhado num furacão auto-destrutivo de sexo, mentiras e violência. Duas vontades de vingança opostas vão colidir numa história com um desfecho surpreendente.

“Se estão à procura de aventura, Criminal é o sítio perfeito para as encontrarem. E, pelo menos, vão sair desta leitura vivos, que é mais do que algumas personagens do livro podem esperar.”
Den of Geek

Criminal é uma das séries mais aclamadas da banda desenhada actual, uma meditação profunda sobre os clichés do policial e do noir, que se quer no entanto realista e credível, e é a obra maior de uma das maiores duplas de criadores de comics de sempre, Ed Brubaker e Sean Phillips.

Os leitores irão descobrindo com este volume os meandros das muitas histórias que Brubaker e Phillips vão contar neste mundo que vai tornar familiar à medida que nele avançamos. Personagens recorrentes vão surgir, vamos voltar ao passado e saltar de novo para o presente, e acompanhar este
turbilhão de acontecimentos, um verdadeiro ouroboros de violência e de traição. O Livro Dois estabelecerá mais alguns protagonistas, e explicará o passado de outros: como os Hyde ascenderam a reis do crime de Center City, e as complexas relações entre Teeg Lawless, Sebastian Hyde e Jake Brown; e a surreal história de Jacob, o criador da tira de BD ‘Frank Kafka Detective
Privado’.

Inclui material originalmente publicado sob a forma de revista como Criminal
(vol. 2) #1-7, os arcos de história THE DEAD AND THE DYING e BAD NIGHT.

Ficha Técnica
Criminal: Livro Dois
Autores: Ed Brubaker e Sean Phillips
Editora: G. Floy
Páginas: 224, a cores
Encadernação: Capa dura
PVP: 25,00€




terça-feira, 24 de março de 2020

10 ilustrações em homenagem a Uderzo

No dia em que nos despedimos de Uderzo, um dos criadores de Astérix - que foi, é e será, um ícone da banda desenhada em todo o mundo - partilho 10 ilustrações que foram hoje partilhadas pela internet, homenageando o autor.

Não serás esquecido, Uderzo.

Marko Renko




Juanjo Guarnido




Zep



N o b



Benjamin Lacombe



Riad Sattouf


Maliki



Lise Bouyjou



Liroy


Felix Meynet








domingo, 22 de março de 2020

Análise: Andrómeda ou O Longo Caminho para Casa



Andrómeda ou O Longo Caminho para Casa, de Zé Burnay

Há aquelas obras que parecem diferentes de tudo o que já lemos. Pelo desenho, pela narrativa, pelo mundo criado, pela orginalidade, por algo que a torne única. Andrómeda ou O Longo Caminho para Casa é uma dessas obras. Inquietante e maravilhosamente bela, é um regalo para a banda desenhada nacional. 

Esta é uma obra de arte no sentido literal da palavra, pois está carregada de uma arte maravilhosamente bem concebida, que não parece sequer ter sido feita para os outros. Ao invés, parece feita não só pelo mas também para o próprio autor Zé Burnay. E como uma boa obra de arte, aqui ficamos com a ideia que não há qualquer objetivo comercial por parte do autor, como se em vez de conceber um livro para ser lido pelos outros, Zé Burnay parecesse ter feito o livro para si mesmo e quiçá, partilhar com quem o quisesse ler (e ouvir). 

A capacidade de desenho com que Zé Burnay nos brinda, é majestosa. A meu ver, assume-se como um autêntico virtuoso do desenho em banda desenhada, tal como o Joe Satriani, o Steve Vai, o Eddie Van Halen ou o Yngwie Malmsteen o são, na guitarra-elétrica. A qualidade assombrosa da arte visual do autor é visível na sua capacidade para ilustrar expressões faciais ou na sua capacidade em transmitir emoções através da linguagem corporal das personagens. E também os animais, que abundam em número nesta obra, são desenhados de forma absolutamente linda, bem como as florestas e demais cenários que habitam esta obra. Basicamente, todas as ilustrações aqui presentes estão para lá de brilhantes. 

O seu traço a preto e branco é fino, extremamente detalhado e demonstra um perfecionismo impressionante. Calculo que cada pequeno desenho, devido ao pormenor que apresenta, tenha feito o autor perder muito tempo na sua concepção. Zé Burnay parece-me por isso comprometido com a sua arte como poucos o estão. “Impressionante” é a palavra que mais me ocorre para classificar os seus dotes de ilustrador.

A história acompanha um nómada que faz uma viagem surreal, como se estivesse dentro de um sonho. Embora, diga-se, a certa altura, parecemos penetrar num outro sonho, dentro do sonho original. Tal como Christopher Nolan nos mostrou no seu filme Inception. A paisagem é pós-apocalíptica, com uma peculiar casa, cenários desérticos ou florestas luxuriantes a servirem de pano de fundo a esta história, fruto de um imaginário bastante profundo. Somos então mergulhados numa história carregada de simbolismo e terror. 

Sendo difícil de classificar o género desta obra, diria que “terror”, poderia ser uma classificação possível – embora redutora. O protagonista da história vê-se muitas vezes rodeado por animais e por criaturas monstruosas, dignas de um filme de terror que assombram a existência da personagem. E a nossa.

O livro contém 3 capítulos: Bugonía, Uma Casa no Horizonte e A Nossa Mãe, a Montanha. Esses três capítulos foram reunidos num só volume após uma campanha de crowdfunding bem sucedida na Indiegogo, e lançados em inglês, através de uma edição de autor. Em boa hora, e com perfeito sentido de oportunidade, é lançado em Portugal pela Editora A Seita. 

Algo digno de destaque é que Zé Burnay, não se limitando a ser um ilustador de excelência, ainda nos brinda com uma banda sonora, da sua autoria, e concebida de propósito para Andrómeda, que nos permite uma experiência de leitura mais imersiva. Na minha segunda leitura da obra, fui acompanhado pela banda sonora e devo admitir que a minha experiência beneficiou com isso. Desta forma, se for possível aos leitores, recomendo que a leitura seja feita ao som da banda sonora, para que a experiência ainda fique mais cinematográfica, por assim dizer. A banda sonora pode ser encontrada aqui: andromedamusic.bandcamp.com

Numa obra com uma arte visual de um fulgor tão majestoso, o único problema que a mesma eventualmente poderá apresentar é que, sendo tão onírica, tão metafísica, acabe por ser demasiado aberta e surreal para muitos. Talvez por isso, não seja uma obra para toda a gente. Não é um livro que considere “fácil de ler”. Muito embora tenha pouco texto, obriga-nos a uma leitura cuidada, se quisermos mergulhar bem na mensagem que Zé Burnay nos pretende passar. E mesmo megulhando bem – no meu caso, fiz duas cuidadas leituras da obra – a mensagem e a narrativa estão sempre sujeitas a interpretação pois a conslusão subjacente não é exatamente clara ou óbvia. Podemos ter uma ideia, mas não saberemos se foi isso que o autor pretendeu. Porque, afinal de contas, não nos são dadas muitas pistas. No final da leitura poderá portanto persistir a dúvida: “Aonde me levou esta obra? Que respostas (ou perguntas) me ofereceu?”. Caberá a cada um dizer se estas questões ficaram devidamente bem respondidas.

Sem pôr em causa a excelência desta obra magnífica admito que, no futuro, gostaria de ver uma história mais mundana - porque não um romance? - assente numa narrativa mais acessível e clássica, ilustrada pelos skills extraordinários de Zé Burnay. A sua arte é demasiado boa para se ficar apenas neste estilo mais surreal, atrevo-me a dizer.

A edição da Editora A Seita é de qualidade superior. Um bonito papel baço e de boa gramagem, é tudo aquilo que a arte do autor necessita e é isso que esta edição nos dá. É um livro bonito de se possuir. No final, há ainda espaço para um dossiê com esboços e ilustrações do autor, bem como ilustrações de outros artistas convidados, entre eles a superestrela dos comics, Mike Mignola que, aliás, é um fã de Andrómeda, e classifica este trabalho como “belo e perturbador”. 

Na lombada do livro houve um erro de ortografia, lendo-se a palavra “Andrómneda” em vez de “Andrómeda”. A editora prontamente corrigiu este lapso com a impressão de uma contracapa que acompanha a obra. Na versão que me chegou, o problema já se encontra resolvido. Toco neste assunto, porque li bastantes críticas a este erro nas redes sociais – e embora concorde que é uma situação aborrecida – também acho que se dá demasiada importância a estes erros. Errar é humano e quando a editora prontamente toma ação para retificar um erro, já tem a minha total compreensão. Grave seria não terem feito nada após o lapso. Como gosto de dizer: “foca-te na solução e não no problema”. A Editora focou-se na solução e resolveu o problema. Chega de “sururu” sobre este tema, caros amigos leitores. Foquem-se na qualidade do livro em si, que é o que mais interessa.

Em conclusão, posso afirmar que a arte visual de Andrómeda ou O Longo Caminho para Casa é absurda, de tão boa que é. Uma obra que parece uma mulher perfeita na sua beleza, embora carregada de indefinições ou de mistérios. Zé Burnay é um virtuoso do desenho que nos deixa de boca aberta, da primeira à última página. E a ideia de saber que este livro é fruto de um autor português, faz-me sorrir e manter a esperança que todos saibamos valorizar a qualidade da banda desenhada nacional, que já vai sendo tão boa.

NOTA FINAL (1/10):
9.0

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Ficha Técnica
Andrómeda ou o Longo Caminho para Casa
Autor: Zé Burnay
Editora: A Seita
Páginas: 128, a preto e branco
Encadernação: Capa dura

sábado, 21 de março de 2020

Lançamento: Watchmen: Doomsday Clock - O Início Vol. 6


A Levoir vai continuando a lançar a sua coleção de Watchmen, que chega hoje ao número 6. 

Em resposta a alguns comentários que circularam e que afirmavam que, devido aos constrangimentos colocados pelo Governo Português em resposta ao surto de Covid-19,  esta coleção deixaria de ser distribuída pelo Jornal Público, a Editora portuguesa desmentiu essa afirmação, esclarecendo que a coleção continua a ser distribuída em banca e que, naturalmente, também pode ser encomendada contactando diretamente a Levoir.

Fiquem com a nota de imprensa e imagens promocionais:

Watchmen: Doomsday Clock - O Início Vol. 6

A colecção Watchmen/Doomsday Clock entra num momento de viragem com a publicação do sexto volume. Doomsday Clock será um crossover entre o universo DC e o universo de Watchmen.

Doomsday Clock: O Início, a história marcará o fim da fase Renascimento e trará um embate filosófico entre o Super-Homem e o Doutor Manhattan. Doomsday Clock evoca o famoso Relógio do Apocalipse.

Para além da conclusão de The Button (uma história de 4 partes, cujos 2 últimos capítulos estão incluídos neste volume), em que Batman e Flash têm de unir forças contra os seus duplos maléficos de outra dimensão, este volume traz também a primeira parte de Doomsday Clock. Naquele lugar aniquilado, em que o novo Rorschach, a mando de Adrian Veidt, o Ozymandias, invade uma prisão de alta-segurança, para libertar Erika Manson, a Marioneta, uma supervilã que os pode ajudar a encontrar o Dr. Manhattan, cujo contributo é indispensável para evitar mais uma vez que o Relógio do Apocalipse chegue à meia-noite.

O destino do universo de Watchmen vai jogar-se, naquilo que talvez seja um novo começo.

Doomsday Clock é uma homenagem à história da DC Comics.

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Ficha Técnica
Watchmen: Doomsday Clock - O Início Vol. 6
Autores: Vários
Editora: Levoir
Páginas: 96, a cores
Encadernação: Capa dura
Preço: 9,90€

sexta-feira, 20 de março de 2020

Análise: Darwin 1 e 2



Darwin (1. A Bordo do Beagle e 2. A Origem das Espécies), de Christian Clot e Fabio Bono

Durante o ano de 2019, a Editora Gradiva surpreendeu todos os leitores de banda desenhada, demonstando ser muito ativa e produtiva no lançamento de muitos livros, se compararmos com aquilo que a editora costumava lançar, ao nível da banda desenhada, no passado. É notável e digno de vénias, e lembro-me que na minha análise ao melhor de 2019, até acabei por considerar a Gradiva como uma das melhores editoras do ano. Para além dos vários lançamentos avulso da editora, estão as séries "Descobridores", "Sabedoria dos Mitos" ou "Eles fizeram História". Todas elas muito apetecíveis e relevantes. Estes lançamentos de personagens históricas representam um franja de mercado na banda desenhada que, até agora, nenhuma editora portuguesa estava a aproveitar. A Gradiva merece pois o meu aplauso, pelo seu sentido de oportunidade. 

Relativamente a Darwin, que nos foi entregue nos dois volumes A Bordo do Beagle e A Origem das Espécies, com um espaçamento editorial de poucos meses entre si, esta é uma obra que nos conta a história do célebre cientista que revolucionou, para sempre, a maneira como a sociedade via a criação do mundo e da própria ciência. 

O primeiro tomo, A Bordo do Beagle, relata-nos os primeiros anos da vida adulta de Charles Darwin, que estava destinado a uma carreira religiosa mas que, quando confrontado com a possibilidade de embarcar a bordo do HMS Beagle, decide agarrar esta oportunidade única. O segundo tomo, A Origem das Espécies, apresenta-nos algumas das conclusões a que Darwin parece estar a chegar e como as mesmas o começam a atormentar e aos que o rodeiam, pois eram conclusões demasiado à frente do seu tempo – que uns achavam ridículas – e que punham em causa a ordem natural do mundo que, nesta altura, ainda assentava as suas explicações oficiais naquelas que eram concedidas através dos textos sagrados da Bíblia. 

Ao longo de ambos os livros, a personagem de Charles Darwin vai-se desenvolvendo de forma gradual. Primeiro interroga, depois tenta encontrar uma resposta. E através dessa resposta encontrada, começa a pôr em causa – mesmo sendo de forma completamente cordial, porque os tempos eram outros – os textos bíblicos e as teorias de que a Terra só teria 4.000 anos desde o dia em que fora criada por Deus. Por conseguinte, a relação de respeito/desacordo de Darwin e do Capitão do HMS Beagle, Fitz Roy, que era um homem devoto à religião, tem altos e baixos, e é muito bem explorada em ambos os livros.

Embora falar das teorias de Darwin pressuponha falar de ciência, devo dizer que Christian Clot, que além de argumentista de bd também é membro da Societé des Explorateurs Français, faz aqui um trabalho exemplar. E fê-lo também em Magalhães – Até ao Fim do Mundo e em Tenzing – No Teto do Mundo com Edmund Hillary, ambos da mesma coleção e co-argumento de Clot. Nunca somos bombardeados com demasiados factos históricos, com demasiada ciência ou com linguagem técnica em demasia, que afastaria muitos leitores, certamente. Mas também, a informação nunca nos é dada como se fôssemos crianças ou pessoas desprovidas de inteligência. Nem demasiado complexa, nem demasiado básica. No equilíbrio certo.

E mesmo tendo em conta de que se trata de uma aula de história, a mesma é-nos dada como se fosse um trabalho ficcional. Lembro-me que tive um professor de história no ensino secundário que nos falava dos eventos históricos de uma forma que captava o nosso interesse, como se nos tivesse a contar uma história de ficção e não a despejar factos, acontecimentos e datas. É isso que Clot faz de forma demais competente.

Quanto à arte, temos aqui um trabalho muito interessante por parte de Fabio Bono. Se o desenho das caras das personagens e, especialmente, das suas expressões, por vezes me parece algo vago e pouco detalhado ou diferenciador entre as várias personagens, tenho que realçar que a concepção dos locais, dos animais, dos navios, dos interiores das casas ou do navio, das paisagens é muito bem conseguida, com algumas vinhetas majestosas. Por vezes, algumas delas ocupam uma página inteira e são um mimo para os olhos. Também em termos de cor e luz, estamos perante um trabalho clássico fe bd franco-belga e muito competente.

Cada um dos dois livros contém ainda um dossiê histórico preparado pelo autor Christian Clot que nos oferece muitas informações que complementam a história principal com detalhes relevantes. Uma ótima adição, portanto.

Faço apenas uma nota em relação ao lançamento da obra em dois volumes. Tendo em conta que Darwin foi originalmente lançado pela Glénat em 2016 e que, por esse motivo, ambos os volumes já estariam disponíveis no mercado, não tendo a Gradiva e os leitores que esperar pela publicação do segundo tomo, como por vezes acontece, admito que teria ficado mais satisfeito se a Gradiva tivesse lançado estas duas histórias num só volume integral. Algo como a Arte de Autor tem vindo a fazer nos seus lançamentos. Não sei até que ponto as Editoras têm isto em conta mas a verdade é que o próprio espaço físico que um livro ocupa, começa já a ser uma coisa a ter em conta pelos leitores na altura da compra – especialmente aqueles que compram muita bd, que naturalmente serão sempre um público-alvo privilegiado pelas Editoras. Portanto, posso dizer que falo por mim e pelos meus pares, com quem discuto bd, que vale mais um livro mais grosso e mais completo (mesmo que seja relativamente mais caro) do que dois volumes.  Reconheço a lógica comercial da Editora Gradiva pois, afinal de contas, se cada um destes livros custa cerca de 17€, isso significa que para se ter a história completa de Darwin, os leitores terão que investir 34€, aproximadamente. Se a editora colocasse no mercado um álbum duplo por 34€, talvez isso "assustasse" alguns leitores por ser um avultado valor. No entanto, algo como outras editoras têm feito de vender estes álbuns duplos a rondar os 25€, seria bastante agradável para todos. A Editora não faria tanto lucro, é verdade. Mas não esqueçamos que muitos leitores poderão não comprar o segundo volume (ou não comprarem nenhum, mesmo pela razão da história estar dividida por dois liros), o que também acarreta riscos e me remete para a clássica frase: “vale mais um pássaro na mão do que dois a voar”. Fica a minha nota sobre esta questão.

Voltando ao tema principal, Darwin é uma aposta ganha da Gradiva. Tal como é a coleção “Descobridores”, que contém livros que vou querer manter na minha biblioteca. São uma forma light – mas coerente e cheia de conteúdo – de mergulhar nas histórias reais destes pensadores vanguardistas para a sua época. Quer seja para jovens, quer seja para adultos, são excelentes livros.

E Darwin é uma obra muito competente e com relevância, que vale a pena adquirir.

NOTA FINAL (1/10):
8.5

-/-

Ficha técnica
Darwin 1: A Bordo do Beagle e Darwin 2: A Origem das Espécies
Autores: Christian Clot e Fabio Bono
Editora: Gradiva
Páginas: 56, a cores (cada livro)
Encadernação: capa dura

quarta-feira, 18 de março de 2020

Análise: O Homem que matou Lucky Luke


O Homem que matou Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme


O Homem que matou Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme
O Homem que matou Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme

Há livros cuja capa, de tão espetacular que é, já conta uma história ou já faz com que fiquemos interessados num livro, quando passeamos numa livraria. O Homem que Matou Lucky Luke é um desses casos. Considero a capa - a original - como uma das melhores capas que já vi em livros de banda desenhada. Está séria, bem desenhada, soberbamente bem colorida com os seus tons a azul e uma luz e sombras magníficas mas, talvez ainda mais importante que isso, está dramática e cinematográfica. 

Como se não bastasse, este livro ainda tem um título que não deixa ninguém indiferente. Chamar a um livro comemorativo dos 70 anos de Lucky Luke, "O Homem que Matou Lucky Luke" é audaz, provocador e corajoso. Afinal, será que o autor se propõe assasinar o cowboy mais célebre do mundo, aquele que dispara mais rápido do que a própria sombra?

O Homem que matou Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme
Mas antes de avançar, permitam-me a partilha do meu background de leitor. Como escrevi há uns dias, aquando da minha análise a Comanche Integral Volume 3, da Ala dos Livros, parece que, desde sempre, o público infanto-juvenil da banda desenhada em Portugal, se dividia por 3 grandes heróis incontornáveis da bd franco-belga: uns eram fãs de Astérix, outros eram fãs de Tintim e outros eram fãs de Lucky Luke. É óbvio que existiam aqueles que eram fãs dos três personagens e/ou de outras personagens da banda desenhada – como eu! – mas não é exagero dizer que a, grosso modo, escolhia-se ser fã de um destes personagens quase como, permitam-me a comparação futebolística,  se escolhia ser fã do Benfica, do Sporting ou do Porto. Dentro destas três personagens, embora, repito, eu gostasse das três, era de Lucky Luke de quem eu mais gostava. Aquele herói destemido e cheio de carisma, algo reservado mas totalmente assertivo, que disparava mais rápido do que a própria sombra, foi meu companheiro durante horas e horas de leitura. Na minha infância, na minha adolescência e já na minha idade adulta. O Daily Star ainda é um dos melhores livros de toda a banda desenhada franco-belga na humilde opinião deste que vos escreve. E eu não era só fã de Lucky Luke. Também adorava – e adoro – os irmãos Dalton, especialmente o inocente Averell e o facilmente irritável Joe. E não posso deixar de dizer que Rantanplan continua para mim, como sendo a personagem canina mais estúpida, divertida e amorosa de sempre. O Milu, o Ideafix, o Pluto, o Bidu e muitos outros animais de estimação que acompanham célebres personagens da banda desenhada podem ser amorosos e engraçados também, mas o Rantanplan é o meu cão favorito de toda a banda desenhada. Não devo ser caso único pois este cão teve direito à sua própria série de bd.

O Homem que matou Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme
Mas, voltando a Lucky Luke e relembrando então que este universo tão inteligentemente criado por Morris (com a ajuda de Goscinny) me era tão querido, foi com alegria que soube que, a propósito das celebrações dos 70 anos de Lucky Luke, a Lucky Comics decidiu dar a oportunidade a outros autores para recriarem a mítica personagem.

Por vezes estas iniciativas acarretam alguns riscos para a editora: se os novos livros forem demasiado próximos da série original, podem ficar aquém do espectável pelos fãs, devido a faltar-lhe personalidade própria. Do género: “é igual mas não é a mesma coisa”. Por outro lado, se o autor se afastar muito da obra original, quer em termos narrativos, quer em temos de arte, também há o risco de não agradar aos fãs da série, por ser demasiado diferente. Ora, Bonhomme não fez nem uma coisa, nem outra. Não desenhou Lucky Luke da mesma forma, bastante caricatural, de Morris. Mas também não o desenhou de forma disruptiva, fazendo com que ficasse completamente diferente. Desenhou-o à sua maneira. Com um aspeto mais realista, é certo, mas, ainda assim, fazendo uma justa ponte e uma clara homenagem ao Luke de Morris. Quanto à história, penso que aquela que O Homem que Matou Lucky Luke nos oferece, poderia muito bem ter constado num álbum assinado por Morris. Certamente, teria mais gags e teria um tom menos sério mas, ainda assim, penso que a narrativa aqui presente poderia ter sido de um livro concebido pelo autor original.

A história leva-nos até Frog Town, onde o bando dos irmãos Bones dominam a cidade por completo e começam a sentir-se ameaçados com a chegada de Lucky Luke, que desata a fazer demasiadas perguntas, que põem em causa a idoneidade do bando. Este Lucky Luke é mais humanizado do que o de Morris e, talvez por isso, apresenta mais sensações – e até fraquezas – do que o original. Não obstante, mantém-se fiel a si mesmo e acaba por demonstrar, através da sua audácia e valores, porque é que é um herói que tantos leitores apreciam.

O Homem que matou Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme
Bonhomme além de nos dar um bom livro de Lucky Luke, dá-nos também um bom livro do género western. Mesmo se existirem(!) fãs do estilo de banda desenhada western que não gostem de Lucky Luke, é bem possível que gostem desta obra. Vê-se que Bonhomme se sente à vontade para desenhar histórias de cowboys, tendo até já desenhado a série Texas Cowboys. Além disso, as referências cinematográficas, particularmente aos filmes do género western spaghetti, de Sergio Leone, são também várias, especialmente se tivermos em conta todo o dramatismo e suspense que é dado à cena do duelo. Soberbo trabalho!

Em O Homem que Matou Lucky Luke também é abordada a razão pela qual Lucky Luke deixa de fumar. Torna-se curioso e divertido que Bonhomme tenha tocado tantas vezes neste assunto, construindo quase uma subnarrativa sobre este tema, à volta da trama principal, se nos lembrarmos que a única exigência que a Lucky Comics fez ao autor foi que este não mostrasse nunca a personagem de Lucky Luke com um cigarro na boca.

O Homem que matou Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme
O único reparo que faço a esta obra, e trata-se de uma questão meramente de gosto pessoal, reconheço – é que, por vezes, o autor recorre à aplicação de manchas monocromáticas em vinhetas inteiras. Percebo que o resultado desta opção é criar páginas mais dinâmicas e ter um aspecto, por ventura, mais contemporâneo e moderno. No entanto, por vezes não gostei desta opção pois pareceu-me tornar algumas páginas quase num estilo popart que não me parece tão adequado para um livro de Lucky Luke. Atenção que isto não chega a melindrar ou a estragar a fantástica obra que nos é dada mas, a meu ver, retira-lhe a quase perfeição a que poderia almejar, caso a cor fosse aplicada de forma mais clássica. Como é feito em muitas outras vinhetas, diga-se.

E o que é verdade é que O Homem que Matou Lucky Luke consegue fazer uma proeza que não é, de todo, fácil. Consegue ser simulatenamente para míudos (para crianças e jovens) mas também para graúdos, tendo em conta toda a história mais madura que apela a uma certa maturidade de quem a lê. Contudo, também não é um livro demasiado pesado, cuja leitura seja difícil. É acessível a todos, o que faz dele uma obra muito bem equilibrada.

Parabéns Matthieu Bonhomme, acredito que Morris estaria orgulhoso deste comeback do cowboy mais famoso de todos os tempos.

O Homem que matou Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme
Quanto à nova Editora A Seita, que se estreia com esta obra no mercado da banda desenhada franco-belga, só posso dar os meus parabéns e declarar que, quase aposto, os fãs deste tipo de banda desenhada estão felizes com este lançamento e ávidos por aquilo que a Editora possa colocar no nosso mercado, que seja do estilo franco-belga. No final do livro encontramos um pequeno dossier de estudos de personagem de Bonhomme, que são acompanhados por um interessante texto de João Miguel Lameiras. Destaque ainda para o facto de O Homem que Matou Lucky Luke ter duas capas diferentes: a original e uma exclusiva para a rede de lojas FNAC. Assinalo que, para o meu gosto, a capa da FNAC está a anos luz da espectacular capa original – que considero ser a melhor capa de sempre de qualquer livro de Lucky Luke - mas é bom que haja a liberdade de escolha para que cada um opte pela capa que mais gosta. Ou então, também é uma boa forma para que se adquira os dois livros, por razões colecionistas, motivadas pela raridade da capa da FNAC.

Regojizem-se amantes da banda desenhada franco-belga! Lucky Luke está de volta! E a Editora A Seita promete dar cartas no mercado da banda desenhada nacional.

Estou certo que se O Homem que Matou Lucky Luke não for unanimemente considerado como o melhor livro de banda desenhada do ano estará, pelo menos, entre os melhores álbuns de 2020. Obrigatório!


NOTA FINAL (1/10):
8.8

-/-

Ficha técnica
O Homem que Matou Lucky Luke
Autor: Matthieu Bonhomme
Editora: A Seita
Páginas: 72, a cores
Encadernação: capa dura