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segunda-feira, 4 de maio de 2020

Análise: Mattéo – Terceira Época (Agosto de 1936)



Mattéo – Terceira Época (Agosto de 1936), de Gibrat

Mesmo vivendo um período de constrangimento social e económico, causado pelo alastramento do coronavírus, a verdade é que as Editoras portuguesas têm estado imparáveis no lançamento de livros. Não tanto na quantidade, que efeticamente tem decrescido um pouco, mas antes, na qualidade, que se revela tão incrível com o lançamento de livros tão bons como Roughneck: Um Tipo Duro e Criminal: Livro Três, da G. Floy; Os Cavaleiros de Heliópolis: Rubedo e Citrinitas, da Arte de Autor, Dylan Dog: O Imenso Adeus ou O Homem que matou Lucky Luke, da Editora A Seita. Agora é a vez da Ala dos Livros se juntar a este conjunto de obras obrigatórias de 2020, com a publicação de Mattéo – Terceira Época (Agosto de 1936), de Gibrat.

Este é o terceiro livro da série, sendo que os dois primeiros foram publicados pela extinta Editora Vitamina BD há praticamente uma década, deixando os leitores portugueses sem a continuidade da história que, até ao momento atual, já completou 5 volumes. Sendo que se aguarda por um sexto livro. Li algumas polémicas em blogs e nas redes sociais sobre o “aparente” erro da editora portuguesa em publicar uma série a partir do volume 3 e que, “aparentemente” (sublinho, uma vez mais), poderia levar a um fracasso de vendas porque muitos potenciais leitores não irão comprar uma história que começa no volume 3, se não têm os volumes 1 e 2. Ora, não consigo vaticinar com tantas certezas se uma série terá ou não sucesso comercial. Há coisas que às vezes são feitas e que me levam, automaticamente a pensar que serão um fracasso de vendas. Mas não é o caso. Gibrat não é um desconhecido do público português. A sua obra já conseguiu consolidar um público no nosso país. Incluindo a minha pessoa. E também é verdade que os seus álbuns Pinóquia, O Voo do Corvo ou o Destino Adiado são livros lançados há bastantes anos em Portugal, sendo fáceis de encontrar em feiras dos livros ou em sites de vendas de usados. E o mesmo pode ser dito de Mattéo. Há uns anos comprei os dois primeiros tomos da série no site de vendas Olx. E não foi uma procura muito difícil. Portanto, parece-me que cai por terra o “grande” argumento das vozes críticas que sugerem que os leitores portugueses não conseguirão encontrar os dois primeiros volumes e que, por essa mesma razão, não comprarão o terceiro volume. Enquanto escrevo este artigo, fiz uma rápida pesquisa na web e encontrei cada um dos dois primeiros tomos de Mattéo com bastante facilidade em sites de usados e mesmo em livrarias. Nesse sentido, considero que não será portanto um grande problema que a Ala dos Livros tenha decidido começar a publicar a série a partir do 3º volume se, de facto, os dois primeiros volumes ainda são facilmente encontrados em português. Uma coisa é o que queremos, outra coisa é o que precisamos.

E de facto precisávamos de ter mais livros (inéditos) de Gibrat publicados em português. A qualidade do seu desenho é verdadeiramente impressionante, com uma elegância de traço poucas vezes encontrada em livros de banda desenhada. Aliás, se me pedissem para, por alguma razão do foro da ficção científica - fosse ela um ataque nuclear ou uma operação de raptos levada a cabo por aliens -, colocar num bunker aqueles que considero os melhores ilustradores de banda desenhada do mundo, fazendo com que o seu talento continuasse a viver junto de nós, é bastante provável que Gibrat figurasse nesse número ultra-exclusivo de ilustradores que eu colocaria no abrigo. A sua arte é ímpar, sofisticada e clássica ao mesmo tempo, e apresenta um estilo muito próprio. Às vezes diz-se: “goste-se ou não”. No caso de Gibrat, parece-me que a única expressão válida, em relação à sua arte é: “goste-se ou goste-se”. É possível não gostar de tamanha obra de arte da ilustração?

Quanto à história, continua a acompanhar o percurso do protagonista Mattéo que, depois dos acontecimentos vividos na frente da Primeira Guerra Mundial (no Tomo 1) e na Revolução Soviética (no Tomo 2), está de regresso a França para passar o verão de 1936, em Colliere, a terra onde viveu a sua juventude. E fá-lo acompanhado pelos seus amigos Paulin, Amélie e Augustin. Em Colliere, para além de reencontrar a sua casmurra e retorcida mãe, volta a estabelecer contacto com a sua antiga paixão Julliette. Este é um livro que permite à série - ao autor e aos leitores - respirarem, por ser menos pesado do que os anteriores. Quase como se fossem umas férias dos acontecimentos históricos que se viviam à época e que tantos milhões de pessoas condicionaram. No entanto, mesmo sendo uma período mais relaxado, as tensões vividas eram (já) muitas e a Europa preparava-se para aquele que foi, provavelmente, o seu período mais negro: o da Segunda Guerra Mundial. Portanto, mesmo sendo umas férias com banhos na praia, com piqueniques ou bailes e festas, também há uma tensão que é vivida entre as personagens, marcada pelas discussões políticas e extremamento de fações, com alguns aliados à direita e outros à esquerda.

Uma coisa que muito aprecio em Gibrat é a maturidade das suas narrativas. Acredito que um leitor jovem que goste de ler livros de super-heróis me diga que, “pouco ou nada acontece nos livros de Gibrat”. Mas, lá está, Gibrat não é para adolescentes... é para adultos. O ritmo é mais compassado, há tempo para reflexão e para contemplação. E, especialmente neste terceiro livro, o que parece ser mais explorado não são tanto os acontecimentos históricos mas as personagens em si. Como se relacionam entre si - e com elas mesmas - e com os acontecimentos à sua volta. Este livro serve pois para aprofundar personagens, bem como os acontecimentos históricos aqui presentes servem mais para contextualizar as personagens num período político da Europa e do mundo.

O desenho de Gibrat continua igual a si próprio. Magnífico na concepção. A beleza das personagens, especialmente femininas, é majestosa. As personagens têm carisma também. É verdade que, por vezes, algumas das personagens femininas se parecem um pouco entre si mas não a um ponto que nos faça perder o fio condutor da narrativa. Parece-me óbvio que Gibrat adora as mulheres que desenha – tal como todo o seu público também as adora – e que é mais essa a razão pela qual as personagens têm traços comuns entre si do que por incapacidades ilustrativas do autor.

A própria capa deste livro é de uma beleza ímpar ao nível da ilustração, das cores e da caracterização das personagens. Diria até, que sintetiza de forma perfeita a própria história do livro. Candidata a melhor capa do ano, a meu ver.

Há, no entanto, duas coisas que arrisco dizer que poderiam ser melhores na generalidade dos livros de Gibrat e neste Mattéo 3, em particular.
E a primeira delas é a legendagem. Se, na análise a Assembleia das Mulheres, referi que a legendagem, mesmo sendo muito dinâmica e moderna, funcionava muito bem; nos livros de Gibrat a legendagem, nem sequer é muito dinâmica ou moderna (pois normalmente são utilizados balões retangulares clássicos) mas torna-se, não raras vezes, confusa de acompanhar. E deixa o leitor a ter que reler cada vinheta, o que o faz despertar da sua imersão na história. Numa obra tão rica em texto e em ilustração, isto pode parecer uma coisa pequena. E de facto, admito que não altera a qualidade da obra no seu todo. Simplesmente, faz com que não seja perfeita. O que é uma pena. Gibrat bem anda lá perto.

Outra coisa que também me merece reparo é que o passar do tempo no desenrolar da história (e relembro que entre o Tomo 2 e este Tomo 3 se passam 18 anos) parece não ter envelhecido em nada as personagens. Mattéo, o protagonista, aparenta estar um pouco mais envelhecido mas Juliette está praticamente igual. No entanto, o que mais me custou a aceitar é a caracterização física de Louis, o filho de Juliette que tem 18 anos e parece ser (muito!) mais velho do que a sua mãe! Incomprenssível como isto escapou ao mestre Gibrat e a todos aqueles que, suspeito, podiam ter-lhe dito isto aquando a feitura da obra. Não pode ser só a mim que isto me faz confusão.

Tirando estas pequenas imperfeições, Mattéo – Terceira Época (Agosto de 1936) é quase perfeito e uma aposta ganha e totalmente recomendável.

Por isso, é com muita alegria e de braços abertos que eu - e todos os admiradores da banda desenhada franco-belga, estou certo - recebo este novo volume de Mattéo, obra maior de Gibrat, um dos autores mais impresssionantes de banda desenhada que, imperdoavelmente, tinha deixado de ser editado em Portugal, há cerca de uma década. Agora que a Ala dos Livros, inteligentemente, pegou nesta série, imperdoável mesmo, é não adquirir este livro de qualidade superior.


NOTA FINAL (1/10):
9.2

Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020 

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Ficha técnica
Mattéo - Terceira Época (Agosto de 1936)
Autor: Jean-Pierre Gibrat
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 80, a cores
Encadernação: Capa dura

6 comentários:

  1. Em que livrarias encontras o tomo 1? é que no OLX não achei nada no coisas também nao e em algumas livrarias que procurei também nao. Só consigo arranjar para compra o tomo 2

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  2. Caro António Silvestre, obrigado pelo seu comentário. Desculpe só responder agora mas não tinha dado pelo seu comentário até hoje. O Tomo 1 está a ser vendido por um utilizador no Olx (https://www.olx.pt/anuncio/banda-desenhada-de-jean-gibrat-novos-IDAPfcd.html#05af0bb5f4). E aquando a minha review, também se encontrava no marketplace da FNAC. Espero ajudá-lo a encontrar estes fantásticos livros. Cumprimentos e boas leituras.

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  3. Então diz-me lá onde eu posso comprar facilmente o O Voo do Corvo Volume 2?
    Desde já te agradeço muito essa informação, ando atrás desse Corvo vao para mais de 5 anos :D

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    1. Caro Nuno! Desculpa mas só agora vi esta tua mensagem. O Voo do Corvo Volume 2 comprei-o há uns 2 ou 3 anos na Feira do Livro. Naquela tenda onde costumam estar os pequenos editores, estás a ver? Normalmente encontram-se aí raridades - e a bons preços.

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  4. Relativamente à informação do volume 1 do Matteo (o link no OLX) é um abuso... 50€
    Vai-se encontrando muito mais barato (entre os 8 e os 15). Aquele senhor é apenas doido ou não percebe nada do assunto

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