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sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Análise: RIO (Série Completa)

RIO (Série Completa), de Louise Garcia e Corentin Rouge - ASA e Jornal Público


RIO (Série Completa), de Louise Garcia e Corentin Rouge - ASA e Jornal Público
RIO (Série Completa), de Louise Garcia e Corentin Rouge 

RIO é uma mini-série de banda desenhada, constituída por 4 volumes (1. Deus para Todos, 2. Os Olhos da Favela, 3. Carnaval Selvagem e 4. Salve-se Quem Puder), da autoria de Louise Garcia e Corentin Rouge, que foi lançada recentemente pela ASA, em parceria com o jornal Público. Este lançamento, que apanhou muita gente desprevenida foi, sem dúvida, o lançamento do ano, por parte da editora ASA. Mesmo tendo em conta obras relevantes, como os volumes 7 e 8 da série Airborne 44, Lucky Luke – Um Cowboy no Negócio do Algodão, ou uma Uma Aventura de Blake e Mortimer - O Último Faraó, a meu ver, a série RIO foi a melhor obra de banda desenhada que a ASA publicou em 2020. Bem, na verdade, apenas os primeiros dois tomos foram ainda publicados em 2020. O terceiro e quarto volumes saíram já no início de Janeiro de 2021. 

Com apenas 3 letras se escreve o título desta série mas a soma dos eventos, subnarrativas e momentos inesquecíveis contidos nestes 4 volumes, é enorme! 

RIO (Série Completa), de Louise Garcia e Corentin Rouge - ASA e Jornal Público
Esta é uma saga que nos coloca nas favelas do Rio de Janeiro e que nos demonstra de uma forma bastante realista - embora com uma boa (e positiva) dose de romance - aquilo que é a vida nas pequenas ruelas que compõem a favela Beija-Flor, da “Cidade Maravilhosa”. Ao longo da história acompanhamos a história de Rúben que, juntamente com a sua irmã, Nina, se vêem forçados a viver nas ruas, depois de Rúben testemunhar o assassinato da sua mãe, pelas mãos do polícia corrupto, Jonas. É nessa altura que conhecem Bakar, outra criança de rua, que as introduz a um grupo de crianças a que pertence. A partir daqui, acompanhamos as dificuldades que um grupo de crianças enfrenta para sobreviver. Desde logo, é uma história pesada, comovente e que toca o leitor. Através das peripécias que nos vão sendo demonstradas, ficamos com a clara ideia que é praticamente impossível para estas crianças – as quais simbolizarão as milhares de crianças faveladas brasileiras da vida real – ultrapassarem uma existência que parece previamente condenada a uma vida de pobreza e criminalidade. A menos que algo muito excecional altere em 180 graus a vida destas crianças como, por exemplo, a adoção por parte de uma família rica. E é especificamente isso que acontece a Rúben e a Nina. São adotados por um casal rico americano que os retira das ruas. 

Depois deste bom gesto por parte do casal americano, a vida dos dois irmãos muda drasticamente. E, passados dez anos, Nina parece ter-se adaptado muito bem à sua nova situação de vida. Mas Rúben, por sua vez, parece não se conseguir enquadrar nesta nova vida. É que o trauma com que ficou quando presenciou a morte da sua mãe, a vida nas ruas e a luta pela sobrevivência, dificultada pela perseguição gratuita policial e pela situação de impotência perante a corrupção existente na cidade, deixam marcas pesadas em Rúben. Se, por um lado, deixou de ser uma criança de rua, perdendo contactos e amizades que tinha com os seus semelhantes, por outro lado, na vida luxuosa que o seu pai lhe permite ter, também não encontra redenção nem respostas aos seus traumas. 

RIO (Série Completa), de Louise Garcia e Corentin Rouge - ASA e Jornal Público
Eventualmente, Nina acaba por ser raptada e isso leva a que Rúben, numa tentativa desesperada de encontrar a sua irmã, mergulhe nas profundezas da favela e encontre o líder da mesma, Mozar, bem como os seus antigos companheiros de rua, Bakar e Rato. E se Rato ainda mantém uma relação negativa com Rúben, Bakar parece manter a mesma amizade inicial que teve pelo protagonista desta história. A partir deste ponto, há acontecimentos que alteram o rumo da história de forma trágica e, para não estragar a história aos meus leitores, fico-me por aqui. A única coisa que posso, ainda assim, revelar, é que Rúben, ao longo dos quatro volumes, vai-se tornando cada vez mais importante na favela, passando a assumir o controlo da mesma. Para além da dicotomia, já mencionada, que habita a mente de Rúben, sempre preso aos traumas do passado (e do presente?), a história apresenta-nos ainda mais duas vertentes, que merecem ser lembradas: a primeira é a questão da má atuação da polícia brasileira na favela, em que assume mais um papel de “parte do problema” do que, propriamente, de “parte da solução”. E se isso seria o expetável, menos previsível seria a aura mística que envolve parte da história. Confesso que não foi uma parte que tivesse gostado tanto e acho que a mesma história poderia ter sido contada sem o recurso a este misticismo. No entanto, é uma questão de gosto pessoal. Também não é justo dizer que essa parte estraga a história. Não, longe disso! E também não é algo que esteja sempre presente. Diria que a maior parte da história até é muito terra-a-terra e verossímil e que apenas uma outra parte é mais fruto do metafísico. O que será, por ventura, uma homenagem ao culto do negro e do místico que (também) faz parte da cultura brasileira. Não gostei tanto, mas aceita-se sem problemas. Alguns leitores até poderão gostar muito dessa vertente. 

O que é importante referir sobre esta história é que está muito bem pensada e desenvolvida, deixando o leitor sempre ávido de virar a página seguinte e ver qual será o destino dos protagonistas da história. O ritmo de ação é rápido mas não é frenético, o que permite que haja tempo (e páginas) para um bom desenvolvimento das personagens e de algumas cenas marcantes. As personagens são carismáticas e a sua existência perdura na nossa mente, já bem depois de terminada a história. Se Rúben é uma personagem cheia de personalidade e marcante; e se Jonas, o polícia corrupto, também é uma personagem carismática (embora mais clichet); diria que duas das minhas personagens preferidas desta história foram Bakar e Rato onde a autora do argumento, Louise Garcia, soube construir duas “personagens universo” que simbolizam diferentes posturas para uma mesma caminhada de vida. É triste ver como Rato parece ter uma malícia em estado bruto, ainda mesmo quando é criança; mas também é bom ver como Bakar parece ter uma certa alegria de viver, mesmo em condições tão pesadas e negativas. Um representa uma causa perdida, outro representa uma luz ao fundo de túnel. 

RIO (Série Completa), de Louise Garcia e Corentin Rouge - ASA e Jornal Público
E sim, esta história é pesada e negativa. São muitos os momentos de violência física e/ou mental a que o leitor é posto em contacto, ao longo da narrativa. Não achei que fosse violento de uma forma gratuita mas sim de uma forma que procura ilustrar a vida, tal como ela é, numa favela: brutal, violenta, pobre, crua, onde a vida do semelhante vale pouco. O retrato é pois magnífico e impactante. Quem viu Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, encontrará muitos pontos em comum com este RIO. Também Tropa de Elite de Jose Padilha, o videojogo Max Payne 3 ou mesmo a banda desenhada Morro da Favela, de André Diniz, que já aqui foi analisado, são obras que me vieram à memória enquanto lia esta série. Confesso que gosto da temática e das histórias impregnadas de violência que as favelas brasileiras costumam trazer consigo. 

Mas, se a história é dinâmica, fluída e marcante, também a ilustração que o jovem autor Corentin Rouge oferece a esta banda desenhada, contribui em grande medida para que seja uma série tão boa. As ilustrações presentes nesta obra, da escola claramente franco-belga, ilustram de forma sublime as favelas, Copacabana, o Pão de Açúcar e o carnaval brasileiro. Os locais são fantásticos e magnificamente bem representados, permitindo-nos uma viagem ao Rio de Janeiro, sem sairmos do sofá. Mas os talentos deste autor não se ficam por uma boa representação cénica dos locais. 

RIO (Série Completa), de Louise Garcia e Corentin Rouge - ASA e Jornal Público
As personagens estão muito bem ilustradas e as suas expressões profundas e reais são uma forte ajuda para que o leitor rapidamente crie uma boa relação com as mesmas. Basta, aliás, olhar para a fantástica capa do primeiro livro para, através de uma mera ilustração, percebermos que Rúben é uma personagem dura e emocionalmente destruída; que Nina é ingénua e frágil; que Rato é mau e assustador; e que Bakar é louco mas fiel aos seus. E isso não é um feito para qualquer desenhador. O trabalho de Rouge agradou-me do princípio ao fim. A aplicação de cores também é muito bem conseguida mas é no traço incrível que considero difícil que o autor não impressione a maioria dos fãs de banda desenhada. A dinâmica e diversidade de planos de câmara e a criatividade para ilustrar de forma inteligente várias cenas ao longo dos quatro livros, também merece destaque. 

Fiquei mesmo fã da arte de Corentin Rouge! Se a história é boa... o desenho ainda é melhor! 

E julgo que a ASA acertou em cheio com esta série. Espero que a editora possa apostar em mais mini-séries de estilo franco-belga e com uma qualidade deste nível. Não sendo uma série muito grande em dimensão, lê-se muito bem. Rio foi publicada em parceria com o jornal Público numa periodicidade quinzenal. Coisa que é bastante rara em Portugal, onde este tipo de coleções lançadas com o Público, costumam ser publicadas semanalmente. A edição quinzenal em vez de semanal, não é uma preferência minha, pois desta forma o leitor tem que esperar mais tempo para poder terminar a história. Todavia, também é verdade que é uma aposta mais amigável para a carteira dos leitores, já que, desta forma, podem dividir o investimento num espaço de tempo maior. Seja como for, quinzenal ou semanalmente, o importante é que a ASA mantenha uma aposta nestes moldes. O preço de cada volume é bastante simpático. E tendo em conta a qualidade da série, é mesmo uma proposta irrecusável. 

Em conclusão, esta série merece um carimbo de RECOMENDADA devido ao bom equilíbrio que tem em todos os seus vetores: a história é marcante, as personagens são memoráveis, a arte ilustrativa é magnífica e a edição e a aposta da ASA merecem as minhas vénias. Uma das melhores surpresas da banda desenhada editada em Portugal, durante o ano 2020, que não deve falhar numa boa coleção de bd franco-belga. Recomendada, claro! 

NOTA FINAL (1/10): 
9.3 


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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RIO (Série Completa), de Louise Garcia e Corentin Rouge - ASA e Jornal Público

Fichas técnicas 
RIO - Tomo 1: Deus para Todos 
Autores: Louise Garcia e Corentin Rouge 
Editora: ASA 
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura 
Lançamento: Dezembro de 2020 

RIO (Série Completa), de Louise Garcia e Corentin Rouge - ASA e Jornal Público

RIO - Tomo 2: Os Olhos da Favela 
Autores: Louise Garcia e Corentin Rouge 
Editora: ASA 
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura 
Lançamento: Dezembro de 2020 

RIO (Série Completa), de Louise Garcia e Corentin Rouge - ASA e Jornal Público

RIO - Tomo 3: Carnaval Selvagem 
Autores: Louise Garcia e Corentin Rouge 
Editora: ASA 
Páginas: 80, a cores 
Encadernação: Capa dura 
Lançamento: Janeiro de 2021 

RIO (Série Completa), de Louise Garcia e Corentin Rouge - ASA e Jornal Público

RIO - Tomo 4: Salve-se Quem Puder 
Autores: Louise Garcia e Corentin Rouge 
Editora: ASA 
Páginas: 80, a cores 
Encadernação: Capa dura 
Lançamento: Janeiro de 2021

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