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quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Entrevista a Ayroles e Guarnido "Há um projeto novo (...) que é muito diferente do Burlão nas Índias. É um projeto maravilhoso. Simplesmente MA-RA-VI-LHO-SO!"


Conforme prometido, aqui está a segunda e última parte da conversa que tive com Juanjo Guarnido e Alain Ayroles, autores de O Burlão nas Índias, à margem da entrega de prémios do Amadora BD, em que a sua obra acabou premiada como o melhor livro estrangeiro.

Se na primeira entrevista a Juanjo Garnido a conversa se centrou em Blacksad, neste caso centrou-se em O Burlão nas Índias.

Agradeço, uma vez mais, a Ricardo Magalhães Pereira e a Maria José Magalhães pela oportunidade e deixo-vos com a conversa, mais abaixo.


Entrevista

1. Parabéns por este livro fantástico que eu adorei. Assim que soube da obra e li o nome de Guarnido pensei logo: “Isto é do Guarnido! Vou adorar!”. Mas, se a arte não foi uma surpresa, por eu já saber, de antemão, que iria gostar, a verdade é que também gostei muito do argumento. Porque acho que fazes uma coisa muito boa que é o seguinte: a personagem principal do Burlão também engana o leitor. Também me mente a mim, que estou a ler o livro. Foi difícil conseguires fazer isso?

Alain Ayroles: Essa era a ideia. É um personagem mentiroso. Que mente aos outros protagonistas da história. Mas também ao leitor. E, quiçá, até enganou-nos a nós, autores. Porque este personagem embora seja bastante mau (é ladrão e vigarista), à medida que íamos escrevendo a história, começámos a gostar cada vez mais dele.


2. Foi difícil para ti, enquanto escritor da história, pensar naquilo que o leitor estaria a pensar?

Alain Ayroles: O mais difícil quando escreves uma história com um twist no fim é surpreender o leitor. E quando tu conheces o mistério é muito difícil continuar a história sem desvendar a surpresa, pondo-te na cabeça do leitor. E dá muito trabalho e passa-se muito tempo a procurar as pequenas coisas e pequenos erros que possam atraiçoar a perceção do leitor.


3. Uma coisa que eu gostei muito foi que, por vezes, há vinhetas/desenhos que são quase iguais mas há pequenas mudanças entre si. E eu achei isso algo com audácia, com coragem… pois tiveste que desenhar quase a mesma coisa, mas com pequenos detalhes alterados. Deu-te prazer enquanto desenhador, fazer isto?

Juanjo Guarnido: Foi divertidíssimo! Muito difícil! Quando o livro já estava terminado, no dia anterior a ir para impressão, estávamos a terminar a maqueta para impressão, o título, o rótulo, etc. O Alain estava em Bordeaux e eu estava em Paris. Ele liga-me e diz: “Descobri um erro.” E eu: “Como?” E ele: “Há um erro. Nesta cena aqui, na realidade quando a personagem conta isto, não se passa nesse momento. Mas numa outra altura. Portanto há aí um erro.” E eu digo: “Não faz mal. Isso não tem importância! Alain, amanhã o livro vai ser impresso. Está tudo definido. Pronto para ser impresso”. E ele: “Não, temos que mudar isto!” E eu: “Ai meu Deus!”. Precisávamos, então, de mudar um balão fazendo-o desaparecer de um céu. Estava a trabalhar com um colega e pergunto-lhe “Podemos fazer isto?” E ele responde: “Vamos tentar fazê-lo com Photoshop”. Então, através duma ferramenta do programa, PING!, fizemos desaparecer o balão e o céu estava perfeito! Incrível! Isto foi no último dia!

Alain Ayroles: (risos) Sim era uma pequena mudança mas que poderia atraiçoar toda a encenação da personagem de Pablo.


4. Em termos de argumento, Alain, já tinhas quase tudo pensado ou o Juanjo contribuiu com algumas alterações? Falavam os dois sobre a história?

Alain Ayroles: Sim, o Juanjo contribuiu desde o princípio. A ideia da história foi pensada por nós os dois. E depois, durante o processo de escrita do texto, fomos alterando muitas coisas.

Juanjo Guarnido: Sim, falámos constantemente. Sempre com muita comunicação. Nessa época, eu viajava muito até Bordeaux e tínhamos um atelier em comum. E foi muito intenso porque fazer o storyboard completo de todo o álbum demorou um ano inteiro. Um ano inteiro só para o storyboard! Mas conseguimos fazê-lo os dois. Nem eu sozinho, nem o Alain sozinho. Os dois. Totalmente trabalho de equipa. Eu sabia que precisava de fazer a primeira versão, a primeira ideia. Quando trabalho com o Juan Díaz Canales, ele deixa-me fazer o storyboard à vontade. Com o Alain foi diferente. Para nós, desenhadores, há sempre uma ideia na cabeça. Se eu tiver uma ideia e ele tiver outra como é que a vamos trabalhar então? Assim, eu fiz o primeiro esboço do storyboard e depois, com o Alain, trabalhámo-lo juntos. Mas o Alain não dizia: “Ah sim, está tudo muito bem.” Não, não. Em cada página havia que mudar algumas coisas. “Isto não pode ficar aqui” e lá discutíamos sobre cada uma dessas alterações. Ele era muito crítico e muito útil. E tudo melhorava. Cada ideia que ele tinha fazia o trabalho melhorar.

Alain Ayroles: Por exemplo, mudava a posição de um balão para poder melhorar a posição e tempo de leitura.


5. Relativamente à ideia de fazer a capa d’ O Burlão desta forma, já tinhas a ideia na cabeça desde o princípio?
Alain Ayroles: Ele já tinha a ideia e eu pensava que era boa. Mas quando recebemos o livro acabado e finalizado e o li todo, quando cheguei à última página, fechei o livro e senti que aquela capa fazia todo o sentido. Como se fechasse um ciclo. E preciso dizer que o original é uma obra de óleo sobre tela enorme, como uma verdadeira obra de um mestre.


6. Depois da segunda parte de Blacksad 6 estar finalizada, já tens algum projeto na cabeça? Se calhar até com o Sr. Ayroles? (risos) Just sayin…

Juanjo Guarnido: Há um projeto novo com o Sr. Ayroles, efetivamente! (risos) que é muito diferente do Burlão nas Índias. É um projeto maravilhoso. Simplesmente MA-RA-VI-LHO-SO!

Alain Ayroles: Mais louco!

Juanjo Guarnido: Sim, mais ambicioso.


7. O Burlão nas Índias já é muito ambicioso…

Juanjo Guarnido: Sim! Por isso me dá medo! Tenho medo! (risos)

Alain Ayroles: Tenho medo também! (risos)


8. Podem falar mais sobre este novo projeto? O tema, não?

Alain Ayroles: É muito cedo para falarmos disto por agora. Mas é muito ambicioso.

Juanjo Guarnido: Apenas quero dizer que se passa noutra época, mas é uma história muito diferente da de O Burlão nas Índias. Não tem nada a ver. Quando estávamos a fazer a tourné do Burlão por França, em que durante um mês inteiro andávamos de cá para lá, e de lá para cá, as pessoas perguntavam: “Vão fazer outro álbum? Há outro projeto?” E, no princípio, dizíamos: “Sim, talvez encontremos algo para fazer... porque não?”. E uma vez, numa viagem de comboio de duas ou três horas, eu disse ao Alain: “Então? Que fazemos? Duas horas de comboio... queres dormir, é?” Então ele começou-me a contar várias ideias e de repente diz-me: “Também tinha esta ideia que queria fazer com o fulano tal mas ele não quis porque não sei quê…” e depois começa a contar-me a ideia. E eu escutei-o, calado. Calado como uma puta. Falou durante uma hora, uma hora e meia, termina e diz: “que tal?” E eu digo: “onde é que eu assino? É maravilhoso!”. “Gostas, mesmo?” E eu respondi-lhe: “Parece-me incrível mas se o vamos fazer, vamos fazer de uma forma muito especial. Que vai tornar o proejto ainda mais ambicioso. (risos)

Alain Ayroles: É mais difícil de fazer do que dizer.

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Mal posso esperar! Muito obrigado!

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