segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Entrevista a Juanjo Guarnido "No segundo tomo de Blacksad é quando tudo vai confluir e as tramas se vão unificar."


Já por várias vezes tenho dito por aqui que o Vinheta 2020 conseguiu, em pouco tempo de vida, muitas coisas que eu, genuinamente, não esperaria alguma vez alcançar: uma boa base de seguidores que aqui vêm todos os dias, o apoio constante de todas as editoras portuguesas, o contacto direto com autores nacionais - e não só - de que sou admirador e até o apoio e respeito dos meus pares - os outros bloggers

Mas, se em 2019, quando ainda não havia Vinheta 2020 me dissessem que, num futuro bastante próximo, eu iria ter a oportunidade de entrevistar e falar durante quase uma hora com Juanjo Guarnido - o autor de Blacksad e de O Burlão nas Índias - eu provavelmente iria gargalhar e dizer: "NOT GONNA HAPPEN!" Mas a vida tem destas coisas e, de facto, eu tive a oportunidade de conversar com Juanjo Guarnido que, como sabem, esteve em Portugal, por ocasião do Amadora BD deste ano. 

Juanjo Guarnido é o meu ilustrador preferido da atualidade. O meu número 1. Portanto, conversar com ele - e até descobrir o quão simpático ele é - foi um grande privilégio. E, por isso, faço aqui o meu agradecimento público ao Ricardo Magalhães Pereira, editor da Ala dos Livros, que me convidou para uma entrevista com o autor no evento. Como, devido a constrangimentos, essa entrevista pública não foi possível de realizar, a minha querida Maria José Magalhães conseguiu, ainda assim, possibilitar-me uma longa conversa em privado com Juanjo Guarnido e com Alain Ayroles (ambos os autores receberam um prémio no Amadora BD, devido a O Burlão nas Índias).

Portanto, dessa longa conversa deu-se uma grande entrevista que divido, agora, em duas partes. Na primeira parte, só com Guarnido, conversámos sobre Blacksad e fiquei a conhecer inúmeras coisas que não sabia sobre a série e sobre o autor. Na segunda parte da entrevista, que será publicada nos próximos dias, Alain Ayroles também se juntou à conversa e falámos sobre O Burlão nas Índias e fiquei a saber de uma novidade que poucos ou nenhuns saberão e que vai, certamente, agitar o mundo de muitos leitores de banda desenhada!

Como se não bastasse, no final da entrevista, ter a sorte de ouvir o Guarnido a dizer-me: "Gostei muito da tua entrevista. Fazes questões diferentes da maioria dos entrevistadores que estão sempre a perguntar o mesmo" deixou-me com um sorriso de orelha a orelha.

Mas chega de mais conversa da minha parte.

Para já, deixo-vos com a primeira parte: a entrevista com Juanjo Guarnido. Acomodem-se numa cadeira confortável e fiquem a saber muito mais sobre este autor fantástico!


Entrevista

1. Esta é a tua primeira apresentação em Portugal. E logo numa altura em que Blacksad está em todas as lojas de todos os países, pois acaba de ser lançado. Enquanto grande fã do teu trabalho, é um prazer para mim, e de certeza para os leitores portugueses também, ter-te cá. Como está a ser o teu primeiro contacto com Portugal, com o público português e com o Amadora BD?
O meu primeiro contacto com Portugal foi quando eu tinha 13 anos. Vim numa viagem da escola, mas, claro, era pequeno e foi há tanto tempo que não me recordava de nada. Mas voltar a Portugal foi muito agradável. Eu tinha muita pena, mas quando os Blacksad saíam, eu via a Maria José [Magalhães] em quase todas os Festivais de Angoulême e ela dizia-me sempre: “Tens que ir à Amadora, tens que ir à Amadora, o público português gosta muito de ti.” Mas, devido às circunstâncias, em que num ano não podia, noutro ano tinha o meu filho, noutro ano tinha trabalho com o tomo seguinte de Blacksad, e tudo isto enquanto trabalhava na Disney… foi complicado. Durante muitos anos foi complicado. E a verdade é que, este ano, quando me falaram da Amadora, disse logo que sim. “Claro que sim! Por uma vez, o Amadora BD coincide com a saída do Blacksad. Perfeito! Vamos!”



2. Esta é a primeira vez que Blacksad é dividido em dois tomos. Foi uma decisão que tomaste com o Juan Díaz Canales logo ao início, do género “vamos fazer uma história em dois tomos”, ou começaram a fazer a história e viram que a mesma se estava a desenvolver muito e que era possível, se calhar, fazer em dois livros e não num só livro?
Não. Foi uma ideia logo do princípio. Nem sequer recordo quem teve a ideia. Mas já há muito tempo que tinha ficado claro que iríamos fazer uma história em dois tomos. Uma história maior, um díptico, com um cliffhanger no meio. Para deixar o público com um “continua”, com um to be continued. O “continua” faz-nos sonhar tão alto! Relembro-me de, em jovem, quando via televisão, em programas semanais ou mensais, quando o final de um episódio terminava com um “continua”, isso fazia-nos exclamar “Ohhhhh!”. O que é claro! Porque faz-te sonhar e dá-te muita raiva, por um lado, mas, ao mesmo tempo, desperta a tua imaginação e deixa-te com uma emoção enorme. Muita gente, quando chega ao final deste cliffhanger do Blacksad diz-me: “Oh, isto é terrível! Não, não!”. Mas todos o dizem com um grande sorriso na cara. “É incrível! Deixaram a história assim! Não é possível! Têm que continuar a história rapidamente. Queremos ver a continuação. Queremos ver como a história continua!”. Então, desde o princípio, sabíamos que esta opção iria permitir fazer uma história mais completa e com mais personagens. Além de que o novo conjunto de personagens que há neste álbum foi um autêntico prazer de desenhar. E creio que o público já está muito encantado com as mesmas. O público gosta sempre de descobrir todas as diferentes novas personagens e quais são os animais novos, que ainda não tinham aparecido num álbum de Blacksad.



3. A meu ver, um díptico permite desenvolver também novas personagens, pois tens mais tempo e mais vinhetas para outras personagens secundárias…
É muito importante o que dizes porque a personagem de Weekly recebeu um papel mais relevante do que tinha noutros tomos. Creio que, nos tomos 2 e 4 [Arctic Nation e O Inferno, O Silêncio, ASA], Weekly teve muita importância, mas, neste tomo, ainda tem mais. E precisamente porque neste livro Weekly não acompanha John Blacksad na intriga. Weekly tem a sua própria história paralela e tem a sua reportagem sobre a personagem de Solomon e, claro, pela sua proximidade com Blacksad, queremos ver como se vai introduzir o detetive no problema de Weekly porque, por agora, Blacksad está a dar atenção a outra trama, outra intriga, outro caso, que é o seu trabalho como guarda-costas de Kenneth Clarke. Bem e depois verão o que sucede na história, mas no segundo tomo é quando tudo vai confluir e as tramas se vão unificar.




4. Já estás, imagino, a trabalhar no segundo álbum…
Já trabalhei um pouco. Fiz apenas o storyboard. Mas um pré-storyboard muito ligeiro. Ainda não comecei com o resto, mas deverá estar muito para breve.



5. Achas que os leitores podem esperar pelo próximo tomo já em 2022?
(risos) Não. É impossível porque o ano 2022 é já daqui a dois meses. (risos) Mas espero que possa ser para 2023. Dentro de um ano e meio. Um ano e meio é o tempo que necessito para fazer um álbum.



6. Era isso que te ia perguntar agora. Quanto tempo demoras, mais ou menos, para fazer um álbum…
Sim. É um ano e meio. Entre um ano e meio e dois anos.



7. A distância temporal que passou entre Blacksad – Amarillo (2013) e este novo Blacksad foi a maior na série. Foi algo pensado ou foi por teres muitos projetos – tu e o Juan Diaz Canales? Deixaram passar algum tempo de propósito?
Não. Nunca quisemos deixar Blacksad de lado. Nunca necessitámos de fazer uma pausa de Blacksad. Nunca. Pelo contrário, sempre quisemos fazer algo mais de Blacksad mas, bom, surgiram outros projetos, que eram possibilidades “agora ou nunca”, e que tinham que ser feitos naquele momento. Foi o timing certo para o projeto com os Freak Chicken e para o Burlão nas Índias. Tivemos a ideia do Burlão em 2009. 2009! Já faz 12 anos! Demorou 10 anos até estar acabado e demorou 7, 8 anos a pôr-se em marcha, realmente. Então, eu tive dois projetos muito ambiciosos que me tomaram muito tempo. O Juan Díaz Canales, por seu lado, tinha o Corto Maltese e teve um projeto importante em que fez o seu próprio álbum Como Viaja a Água [publicado em Portugal pela Arte de Autor]. Cada um de nós estava ocupado com outras coisas, mas em todo este tempo desejávamos voltar a Blacksad.



8. Há uma coisa que te quero dizer enquanto fã. Acho que a tua arte é muito especial. Porque, para mim, há dois tipos de ilustradores de banda desenhada. Os ilustradores mais comerciais e os ilustradores mais artísticos. Mas eu acho que tu tens as duas características. O melhor dos dois mundos. Consegues ser comercial e artístico. A minha filha tem seis anos. Ela vê os teus desenhos (não, os mais violentos!) e diz: “Uau, tão lindo!” E tão ao estilo da Disney. Mas, ao mesmo tempo, um adulto que acompanha banda desenhada também diz: “Uau, que aguarelas, que trabalho espetacular, que detalhe”. Portanto, eu acho que essa mistura é perfeita. É esse o teu segredo?
Muitíssimo obrigado! Gosto muito do que disseste! É um enorme cumprimento! Muito obrigado.



9. Em Blacksad cada personagem é representada por um animal. Eu sei, porque já li entrevistas tuas, que é o Juan quem decide que animal será cada personagem. Mas o que eu acho engraçado é que o comportamento que podemos esperar daquela personagem está sempre muito bem ajustado ao animal. Achas que é difícil para o Juan pensar nisto? Ou é fácil e óbvio?
Depende da personagem. Algumas personagens são muito óbvias. Quando tens que fazer uma personagem muito má é mais óbvio pensar numa escolha de animal. Noutras vezes, é mais complexo. Os motivos da seleção de cada animal são sempre diferentes, mas são sempre justificáveis. Às vezes é pelo sentido contrário. Por exemplo, o Koala. O Koala [de Amarillo, Arcádia] é uma das melhores personagens da série. Um Koala é um animal tão bonito que toda a gente pensa que é um ursinho de peluche. E, ao princípio, ele é assim. Faz o número do palhaço. Tão bonito. Tão terno. Mas a verdade é que ele é mau e sem escrúpulos para salvar o circo. Então, nesse caso, a razão para a escolha desse animal é o factor-surpresa. Todos os animais apresentam possibilidades muito ricas. É um mundo muito rico ao nível da imagem e da mensagem que pode transmitir. De todo esse arquétipo de se ver o animal e poder antecipar que papel vai desempenhar.



10. E já houve alguma personagem em que o Juan estava a pensar num animal e tiveste alguma dificuldade do ponto de vista visual? Ou foi sempre fácil?
Em 80% das vezes, o Juan dá logo uma boa ideia. O animal perfeito para o papel. Noutras vezes, não é que o animal não me pareça bem, mas tenho outra ideia de um outro animal que, por outra razão, pode ser interessante. Por exemplo, no tomo 3 [Alma Vermelha, Asa] o personagem Otero, o médico espanhol que venceu um prémio Nobel da medicina e que fugiu do franquismo, era inicialmente uma cabra. Não sei porquê, mas realmente era uma cabra. Bem, talvez por ser um personagem que poderia parecer especialmente espanhol. Mas logo pensei que ao dizer-se ao assassino que teria que matar o mocho com chapéu de pena, poderia jogar-se com a confusão da coruja ser um outro "tipo de mocho". E, nesse caso, o Juan disse-me: “mas é claro que sim, perfeito!” Avançámos assim. Este é o tipo de caso em que pode ser divertido ter uma ideia diferente sobre o personagem. O personagem de Leeman no tomo 4 [O Inferno, O Silêncio, ASA] deveria ser, inicialmente, uma lontra. Mas como queríamos um personagem obeso, escolhemos um hipopótamo. Mas teria que ser uma personagem que fosse suficientemente interessante para a história e que tivesse personalidade. E eu adoro a personagem. Para mim, é uma das melhores personagens da série.



11. Tu gostas de outras histórias onde há este zoomorfismo?
Sim! A minha preferida, claro, é De Cape Et de Crocs [de Alain Ayroles e Jean-Luc Masbou] (risos) A sério! Dei conta que em De cape et de crocs, Alain consegue um resultado final de uma grande poesia. É uma bd maravilhosa que faz sonhar. Além disso, em pequeno, lia muitos livros da Disney e sempre gostei muito disso.

[Segunda Parte da Entrevista... TO BE CONTINUED...]

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