terça-feira, 16 de novembro de 2021

Análise: Giant

Giant, de Mikaël - Ala dos Livros

Giant, de Mikaël - Ala dos Livros
Giant, de Mikaël

Este era mais um daqueles livros que já tinha folheado inúmeras vezes na sua versão original e que sempre me tinha suscitado muito interesse e vontade de o ler. Felizmente, pude fazer a minha primeira leitura da obra na língua portuguesa, graças à aposta da editora Ala dos Livros. Estava à espera de um excelente livro e não fiquei desiludido. Quer argumento, quer arte ilustrativa, conjugam-se para nos darem mais um livro de qualidade superior neste que será, por ventura, o melhor ano de sempre no que à edição de banda desenhada de qualidade em Portugal diz respeito.

Esta é uma edição integral que reúne os dois volumes que correspondem à obra originalmente lançada em 2017 e em 2018. O volume 1 e 2, respetivamente. Acaba por ser uma boa opção da editora – e que, claramente, beneficia o leitor - em ter juntado os dois volumes num só livro.

Giant, de Mikaël - Ala dos Livros
Giant
conta-nos a história de Nova Iorque e de como a Terra dos Sonhos foi construída em cima desse ideal de sucesso e de fortuna - o "sonho americano" - que era falsamente vendido aos europeus que se aventuravam na América, em busca de uma vida melhor, no início do século XX. Estamos em 1930, os loucos anos 20 acabaram e o crash da bolsa de 1929 trouxe uma nova realidade aos habitantes da Grande Maçã, como é comummente chamada a cidade de Nova Iorque. Mas o capitalismo não parece dar tréguas e constroem-se inúmeros arranha-céus. O mais emblemático até ao momento – e, por ventura, para sempre, digo eu – é o Empire State Building. Mas, agora, prepara-se a construção de um enorme complexo de edifícios, que virá a ter o nome de Rockerfeller Center. E é na construção destes arranha-céus, de enorme envergadura, que assenta a acção deste livro da autoria do francês Mikaël.

Com uma forte base histórica, Mikaël, constrói, depois, uma boa trama, de cariz de romance clássico, que assenta na história de alguns irlandeses que – como tantos outros aventureiros de outras nacionalidades – se arriscavam em Nova Iorque, deixando as suas famílias e vivendo nas mais duras e miseráveis condições de vida, até conseguirem o "pé de meia" suficiente. Ou para regressar a casa. Ou para poderem fixar-se nos Estados Unidos com as suas famílias.

Giant, de Mikaël - Ala dos Livros
Acompanhamos a história de Giant, que dá nome ao livro, um irlandês enorme em dimensão, mas de parcas palavras que, tal como as outras personagens que o rodeiam, também trabalha na construção do Rockerfeller Center. O trabalho é pesado e Giant é rijo como uma rocha, também, não estando para perder tempo com palavras. Mas, gradualmente, vamos percebendo que o protagonista pode não ser o que parece. Em primeiro lugar, porque a personagem esconde um passado. Por isso, mais do que almejar uma melhor vida, Giant aparenta fugir apenas do passado que deixou algures. E quando lhe é pedido que envie os pertences e a pequena indemnização que um dos seus colegas irlandeses recebe, ao morrer na obra, Giant passa a corresponder-se com a viúva do colega, fazendo-se passar por ele. Tudo começa com um acaso e uma boa ação mas, quando o protagonista se dá conta, já a mentira se tornou demasiado grande. Como a sua estatura. E como a grandeza do sonho americano. Mais não conto para não estragar surpresas a nenhum leitor. Mas posso dizer que gostei bastante do argumento.

O cariz histórico da obra também é relevante já que, vamos recebendo inúmeros relatos dum locutor de rádio que, todos os dias, através do seu programa radiofónico, informa os habitantes das novidades que assolam o país. E isso é uma interessante “bengala narrativa” que Mikaël utiliza para conseguir passar-nos essa sensação histórica. Ou seja, educa o leitor de forma aparentemente involuntária.

Giant, de Mikaël - Ala dos Livros
Pareceu-me apenas que, como ponto menos positivo, os amigos irlandeses da obra, poderiam ser em menor número, já que os seus papeis não têm grande relevância na trama – exceptuando Dan Shackleton – e, de certa forma, acabam por adensar desnecessariamente o rol de personagens que, por vezes, até se confundem entre si. Mesmo assim, isto é uma pequena crítica. Está longe de estragar o prazer de leitura.

E se falamos em prazer, há que mencionar que esta é uma obra cujas ilustrações são vistosas, bonitas e carregadas de uma personalidade muito própria. Gostei muito desta versão de tons acastanhados – tão em linha com a art déco a que associamos Nova Iorque – com que Mikaël ilustra as ruas da Grande Maçã. Eu sou um confesso fã da cidade de Nova Iorque que, até ver, ainda é a minha cidade favorita de sempre e, nesse sentido, admito que só de olhar para a forma como o autor ilustra os arranha-céus, as ruas repletas de gente, os bairros pobres, a Brooklyn Bridge, o metro de superfície e tantas outras coisas emblemáticas da cidade, já era meio caminho andado para eu gostar da arte do autor.

Giant, de Mikaël - Ala dos Livros
Mas Mikaël acaba por ir bem mais além do que isso, oferecendo-nos um bonito e elegante traço que caracteriza tão bem as personagens, as suas emoções, os seus comportamentos. Os enquadramentos são vistosos e cinematográficos, a utilização da luz e das sombras é muito interessate e o próprio ritmo narrativo não desilude. E, paralelamente, gostei da forma como o autor sabe ilustrar os vários tipos de eventos na história: dos mais alegres, aos mais reflexivos ou mais dramáticos. Na verdade, Mikaël apresenta-se como um autor completo. Daqueles que sabe fabricar uma boa história, à boa maneira romântica, enquanto a ambienta de forma natural em eventos históricos e, em cima de tudo isto, desenha-a e aplica-lhe cores com mestria. Nada fica em falta.

Quanto à edição da Ala dos Livros, estamos perante um livro em capa dura, com papel brilhante de boa qualidade e boa encadernação e impressão. No final do livro há ainda 6 páginas dedicadas a esboços do autor e, no início, temos um interessante prefácio de Jean-Louis Tripp (autor de Armazém Central).

Em suma, este é mais outro dos grandes lançamentos do ano. Boa história, boa narrativa, bons desenhos, boas cores. Não há nada que não funcione particularmente bem em Giant. Resta-me esperar que o outro díptico do autor, intitulado Bootblack, ambientado na Segunda Guerra Mundial, venha a receber aposta da editora Ala dos Livros. Fiquei fã do autor e recomendo vivamente este magnífico Giant!


NOTA FINAL (1/10)
9.6


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Giant, de Mikaël - Ala dos Livros

Ficha técnica
Giant
Autor: Mikaël
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 128, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2021

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