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sexta-feira, 25 de março de 2022

Entrevista a Ralph Meyer: "Um desenhador de banda desenhada é alguém que se mantém na sua mesa de trabalho o dia inteiro"


Ora aqui está uma entrevista que há muito queria publicar mas que, por várias razões, incluindo a organização dos VINHETAS D'OURO 2021, que me tomou muito tempo, não o pude fazer até agora.

Por alturas da Comic Con, em Lisboa, um dos autores de banda desenhada que marcou presença no certame foi Ralph Meyer, o ilustrador da série Undertaker que, em Portugal, é editada pela Ala dos Livros que há-de estar quase a publicar o terceiro tomo da série.

Agradeço à minha amiga Maria José Magalhães pela oportunidade que me foi dada para trocar uns dedos de conversa com este fantástico autor que, ainda por cima, é humilde e extremamente simpático.

Falámos sobre Undertaker e sobre outros projetos do autor, sobre os seus gostos de banda desenhada e muito mais.

Não deixem de ler!



Entrevista com Ralph Meyer



1. Esta é a tua primeira vez em Portugal?

Não, é a segunda vez. Estive no Festival de Banda Desenhada da Amadora, há 18 anos, pelo meu primeiro álbum que saiu em França que, nessa altura, tinha sido traduzido para português.


2. Qual é o nome do álbum?

É A Balada Assassina [publicado em Portugal pela Devir]. É uma história negra, que se passa em Nova Iorque. Houve três álbuns, mas apenas um foi traduzido para português.


3. Mas é a tua primeira vez na Comic Con. Como tem sido a experiência até agora? Sentes-te satisfeito?

Sim, está tudo fixe. E cada uma das pessoas da Organização tem sido muito amável comigo e com a minha filha. É um verdadeiro prazer estar aqui.


4. Como sabes, a editora Ala dos Livros tem estado a publicar a série Undertaker em Portugal. Por agora, já foram publicados por cá os dois primeiros tomos da série. Mas em França foi publicado recentemente o sexto volume da série. Como tem sido a reação da crítica e do público a esse álbum?

Tem sido verdadeiramente excelente! O sexto volume chegou às livrarias em Setembro e, pelo menos até agora, tem estado a ser um sucesso. A reação à obra por parte da crítica tem sido muito boa também. Eu acredito que aquilo que é interessante neste novo Undertaker é que a história e as personagens são mais profundas do que nos volumes anteriores. A história está forte e o público está feliz por ver que não é apenas “só mais um novo álbum”, compreendes?


5. Sim, como se houvesse mais coisas para trazer para “a mesa” de Undertaker, não?

Exato!



6. Na minha opinião, algo que Undertaker tem, e que é muito bom, é o facto de ser um western, mas bastante moderno, percebes? Eu estou a falar da história propriamente dita, mas também sobre as ilustrações e as cores e tudo o resto. É muito moderno. Acreditas que talvez seja esse o segredo por detrás do sucesso de Undertaker?

Talvez! Bem, em primeiro lugar, fico muito feliz por ouvir isso porque é muito importante para nós fazer um western que não seja apenas nostalgia. Não é esse o nosso objetivo. Portanto, sim, nós queremos criar um western moderno. Algumas das coisas que considero modernas em Undertaker é que as mulheres assumem um papel relevante na série. Elas são personagens com forte carácter e importância e não apenas mulheres bonitas. Por esse lado, é muito importante. E, por outro lado, as histórias têm algo a ver com aquilo que vivemos nos dias de hoje.


7. Como um espelho para a nossa sociedade atual?

Exatamente! As temáticas são verdadeiramente modernas. E penso que é diferente para outros westerns em bd, como Blueberry, que estão muito agarrados ao próprio período histórico dos Estados Unidos da América dessa época. Para nós, não é assim tão importante ter este lado histórico. Aquilo que é mais importante são os temas e as personagens.


8. Quanto tempo demoras a ilustrar um álbum inteiro? Um ano?

É um trabalho complexo. Nos primeiros álbuns, eu demorei um ano para cada um. E agora, com o sucesso que temos tido com a série, eu diria que demoro um ano e meio por álbum. O facto de ser um sucesso, dá-me responsabilidade para tomar o tempo que preciso para fazer o álbum que tenho pensado. Como a série tem tido sucesso, para mim é muito importante dar a melhor qualidade possível para o álbum seguinte. E isso demora tempo.


9. Sim, colocaste a fasquia alta nos primeiros álbuns e agora queres manter essa qualidade…

Sim, e não quero fazer apenas “fotocópias” dos álbuns anteriores, compreendes? Tento mudar alguns detalhes, de livro para livro, para ter um desenho ligeiramente diferente e fazer com que mesmo continue a evoluir.


10. Xavier Dorison é um autor que admiro bastante, pelo seu trabalho em Long John Silver, O Castelo dos Animais, O Terceiro Testamento e, claro, Undertaker. Ele trabalha com muitos ilustradores diferentes. Portanto, como é a vossa relação e como é que começou? Fala-me um pouco sobre isso.

A verdade é que nos conhecemos para fazer o álbum XIII Mystery [O Mangusto, publicado em Portugal, pela ASA], que foi o nosso primeiro livro. E vimos que tínhamos uma boa ligação em relação ao tipo de livros que queríamos fazer. Depois fizemos Asgard [díptico não editado em Portugal] e depois disso eu disse-lhe que gostaria de fazer um western e fizemos o Undertaker. Foi uma vontade minha. Ele achou a ideia divertida.


11. Portanto a primeira ideia de Undertaker como personagem, foi tua?

Sim. Foi uma ideia divertida porque considero que a personagem é bastante icónica por causa da forma como ele se veste, também. Então foi muito interessante para mim desenvolvê-lo. Depois disso, Xavier trabalhou muito para transformar uma ideia engraçada num conceito verdadeiramente forte. Para a série e para o personagem principal. Aconteceu desta forma e depois também há a Caroline Delabie – a colorista – que passou a estar presente connosco enquanto falávamos sobre o argumento e sobre que temáticas iríamos abordar. Portanto, na verdade, atualmente somos três cabeças a pensar na série e como a mesma vai evoluir.


12. Para este último álbum, tiveste que trabalhar durante o período de Covid-19? E como foi trabalhar com os teus parceiros? Foi difícil?

Não vivemos na mesma cidade. O Xavier vive em Paris e eu vivo em Barcelona, portanto sabemos como trabalhar juntos à distância.


13. E nos outros álbuns também trabalharam à distância, portanto o covid-19 não foi algo assim tão difícil para o vosso trabalho?

Não. E quanto à Caroline Delabie, ela é a minha esposa. É muito simples trabalharmos juntos!


14. Oh, eu não sabia disso! (risos)

(Risos) Portanto, o período de Covid-19 não mudou nada na nossa forma de trabalhar. Um desenhador de banda desenhada é alguém que se mantém na sua mesa de trabalho o dia inteiro, portanto o Covid-19 não altera em nada isso.


15. Quantos livros podemos esperar para série de Undertaker? Será algo que estará relacionado com o sucesso da série ou já têm em mente o número de volumes?

Bem, quando começámos a série, tínhamos a ideia de fazermos imensos livros. Porque adorámos a personagem e porque sabíamos que há um grande conjunto de temáticas que poderíamos desenvolver para esta série. Portanto, inicialmente já estávamos a pensar desta forma. Mas foi perfeito que a série tenha obtido sucesso, o que nos fez manter ainda mais a vontade de fazer muitos livros com este personagem.


16. Boas notícias para os fãs da série, acredita!

Sim. (risos)


17. Em França a série está a ser publicada em volumes a preto e branco, também. E, recentemente, a Ala dos Livros publicou em Portugal a série completa de Comanche a preto e branco. Acreditas que possa ser possível que tenhamos, igualmente em Portugal o Undertaker a preto e branco? Já sei que vais dizer que não sabes, mas seria algo bom, não? (risos)

(risos) Sim, para mim iria ser um prazer. Gosto do facto das versões da série a preto e branco existirem em livro, simplesmente, percebes? Mas claro, são os editores que fazem este tipo de escolhas.


18. Estás a trabalhar noutros livros ou noutras ideias neste momento?

Bem, por agora, o Undertaker é o meu projeto principal. Mas irei fazer um livro ilustrado para um cantor francês muito famoso, o Eddy Mitchell. Ele convidou-me a ilustrar uma história curta. Já tinha feito duas capas de disco para este cantor. Portanto, este é o segundo projeto que tenho neste momento. Tenho outras ideias, mas ainda não sei quando terei tempo para elas porque, como já disse, Undertaker exige muito tempo.


19. Já estás a trabalhar num novo álbum de Undertaker ou por agora é tempo de pausa?

O argumento já está finalizado e irei começar a fazer os storyboards a partir de Janeiro [de 2022, um mês após esta entrevista ter acontecido].


20. Quais são as tuas leituras favoritas em banda desenhada?

Não sei dizer… são tantas! (risos)


21. Nomeia umas cinco! (risos) E, já agora, gostas de ler westerns em bd? Séries como Blueberry, Comanche e outras do mesmo género, foram importantes na tua infância?

Sim, Lucky Luke também. Lucky Luke foi muito importante para mim. Há uma história engraçada em relação aos westerns. O cantor para o qual eu fiz a ilustração, Eddy Mitchell, fez também um programa de televisão, quando eu era criança, que se chamava La Dernière Séance, e era sobre cinema. Ele estava num velho cinema em Paris e apresentava velhos filmes de cinema – muitos westerns – e, portanto, o meu primeiro contacto com os westerns foi com ele. Portanto, para mim é uma história muito engraçada.


22. Sim, como um “full circle”…

Exato! Há uma relação muito forte com ele, por isso!


23. Mathieu Bonhomme é um dos autores que fez um álbum para a série Lucky Luke visto por. Gostarias de fazer algo como ele fez para o Lucky Luke? Se a oportunidade surgisse, claro?

Bem, acho que poderia ser muito divertido fazer isso. Mas, na verdade, hoje em dia, eu tenho 50 anos e quero focar-me num projeto que seja muito importante. E fazer um livro demora muito tempo.


24. Sim, e se queres fazer algo bom é necessário investir muito tempo…

Sim, e eu quero focar-me num projeto forte e importante como o Undertaker.


25. Mas, desculpa, eu interrompi-te quando estavas a falar das séries de bd de que gostas…

Blueberry, claro. Comanche. Mas, também, Jonathan, de Cosey, que teve um impacto profundo em mim, porque foi a primeira vez que me apercebi que poderíamos ter histórias um pouco diferentes do habitual. Com menos ação, mas com personagens mais profundos. Claro que todo o trabalho de Moebius, também, que é uma loucura e que foi tão importante na história da banda desenhada.


26. Bem acho que do meu lado é tudo. É sempre muito interessante falar com um autor que admiro tanto. Obrigado!

Obrigado, eu!

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