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quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Análise: Os Mares do Sul

Os Mares do Sul, de Hernán Migoya e Bartolomé Seguí - Levoir

Os Mares do Sul, de Hernán Migoya e Bartolomé Seguí - Levoir
Os Mares do Sul, de Hernán Migoya e Bartolomé Seguí

Já vem sendo hábito que a Levoir seja a editora que, em Portugal, edita os álbuns do autor espanhol Bartolomé Seguí. Na verdade, este Os Mares do Sul, que hoje vos trago, já é o quinto álbum do autor editado em Portugal. Sempre nas coleções de novelas gráficas da Levoir. As Serpentes Cegas tiveram argumento de Felipe Cava Hernandez, enquanto que o fabuloso Histórias do Bairro teve argumento de Gabi Beltrán. Mas pensando nas adaptações dos romances policiais do célebre autor espanhol Manuel Vázquez Montalbán, que têm como protagonista o anti-herói detetive Pepe Carvalho, este já é o terceiro álbum de Bartolomé Seguí que, neste périplo, tem tido a companhia do autor Hernán Migoya no argumento, ao nível da adaptação para banda desenhada. Primeiro foram os livros Tatuagem e A Solidão do Executivo, e agora temos o mais recente álbum, intitulado, Os Mares do Sul que é, aliás, a história de Montalbán mais célebre dedicada a Pepe Carvalho.

Os Mares do Sul, de Hernán Migoya e Bartolomé Seguí - Levoir
Escrevendo de forma simples e direta: para os leitores que já gostaram dos anteriores livros desta dupla, certamente, ficarão agradados com este Os Mares do Sul. Por ventura, até é capaz de ser o melhor dos três livros. Continuam presentes as mesmas coisas boas e a coisa menos positiva que, para mim, é a densidade e complexidade da história que, quanto a mim, carece de alguma simplificação para ser melhor absorvida. Mas já lá irei.

A história passa-se em Barcelona, no ano de 1979, por altura das eleições municipais da cidade. Após a descoberta do cadáver esfaqueado de Carlos Stuat Pedrell, um homem de negócios importante que tinha desaparecido misteriosamente, Pepe Carvalho, o protagonista, é chamado pela viúva de Pedrell para investigar o caso. Stuart Pedrell era um homem difícil de ler para aqueles que o rodeavam. Sendo imensamente rico e influente em termos locais, nutria uma paixão pelo trabalho do pintor Gaugin e sonhava viajar para a Polinésia e para os seus “mares do sul”. E então, sem grande aviso, Pedrell desaparece, deixando todos a achar que este havia começado essa longa viagem pelos mares do sul. Mas, passado um ano, quando o seu cadáver é encontrado, as perguntas sucedem em catadupa. Talvez a viagem de Pedrell não tenha sido exatamente aquilo que parecia.

Os Mares do Sul, de Hernán Migoya e Bartolomé Seguí - Levoir
O que é mais interessante neste livro é que além de toda a trama que envolve este caso misterioso e da investigação adjacente ao mesmo, é-nos permitido um olhar à sociedade de então, do final dos anos 70, e às alterações que iam acontecendo, não só na cidade de Barcelona, como em toda a Espanha. A vinda de muitas pessoas para Barcelona em busca de uma vida melhor, enquanto trabalhavam na indústria que florescia na cidade, levou à criação de bairros-dormitório que, por sua vez, funcionavam como uma micro-cidade dentro de uma grande cidade. E isto, claro está, também foi causa-efeito para que surgissem muitos poderosos homens de negócios ligados à construção. Como Carlos Stuat Pedrell, em que se centra a investigação de Pepe Carvalho.

Onde a adaptação apresenta alguns problemas – como já apresentou em Tatuagem ou em A Solidão do Executivo é na densidade da trama que, por vezes, torna a leitura escusadamente complexa. Não tenho nada contra a complexidade de uma trama em banda desenhada. Normalmente, até é algo bem-vindo. Mas, lá está, essa complexidade só funciona como um plus, como algo que melhora a experiência de leitura, quando é doseada e bem explanada em termos narrativos. Porque, se formos desfolhando cada uma das camadas acessórias da história de Os Mares do Sul, a trama até não é assim tão complexa. Até é simples. E, das duas uma: ou a banda desenhada precisava de mais páginas para que essa complexidade do enredo fosse mais bem conseguida ou a história precisava de ter menos texto, de forma a não ficar tão enfiada à força na obra. É, pois, natural que se sinta um sobrepovoamento das pranchas de Seguí com demasiado texto. Não é que a obra perca o interesse e, seguramente, não é por isso que não aconselho a leitura deste belo livro. Mas é especialmente por este motivo que, quanto a mim, a própria obra não se permite a si mesma voos mais altos.

Os Mares do Sul, de Hernán Migoya e Bartolomé Seguí - Levoir
Quanto ao trabalho de Seguí, volta a ser muito bem conseguido. A atmosfera captada pelo ilustrador da cidade de Barcelona é verdadeiramente brilhante. Ao invés de uma opção pelos ícones arquitetónicos mais célebres da cidade, da autoria de Gaudí, o autor parece dar mais atenção às ruas sujas e sombrias da cidade, bem como às artérias mais movimentadas pelas multidões urbanas. Porque, sim, o enfoque é sempre nas pessoas. E, por essa mesma razão, há muitas cenas que são passadas de portas para dentro, seja em ambientes da alta sociedade, seja em locais pobres e degradados. 

Os desenhos do autor apresentam também um ambiente que nos remete automaticamente para os anos 70/80. De facto, se não soubéssemos a data de lançamento desta banda desenhada, quase que poderíamos apostar que a mesma tinha sido criada há 40 ou 50 anos, tal não é realista a forma como Seguí ilustra e dá cor aos desenhos. Com efeito, para isso também contribuem as belas cores que encaixam muito bem nos desenhos muito característicos de Bartolomé Seguí.

Recuperando as minhas próprias palavras na análise que aqui fiz ao livro A Solidão do Executivo, “há uma continuidade no desenho e no estilo, que é mantida nesta nova aventura da personagem Pepe Carvalho. (…) O trabalho de cores é, possivelmente, a arma secreta de Seguí que lhe permite ter uma aura tão histórica nos desenhos que nos apresenta nesta história. O resultado é fantástico! E mesmo sendo verdade que o traço do autor é fino, há também uma presença de carvão a sombrear as ilustrações, que dá o tal toque original ao trabalho de Seguí, que o distingue dos restantes autores. Em termos de desenho, apresenta uma vertente semi-realista que funciona muito bem. A planificação das páginas é interessante, apresentado uma boa variedade e dinâmica, e os “planos de câmara” também são bem conseguidos por parte de Seguí. Diria que, em termos gráficos, é uma obra cheia de qualidade. Pode-se gostar ou não do estilo de ilustração do autor. Mas acho que é facilmente aceitável por todos que, em termos de ilustração, este é um álbum muito interessante.

Os Mares do Sul, de Hernán Migoya e Bartolomé Seguí - Levoir
Quanto à edição, e à boa maneira da coleção de Novelas Gráficas da editora Levoir, o livro apresenta capa dura baça, com bom papel baço no miolo. A impressão tem os tons um pouco escuros em demasia, tenho que referir, mas a encadernação é bem executada. O prefácio é da autoria de João Ramalho-Santos.

Ainda sobre a edição, devo dizer que li alguns comentários bastante negativos a propósito da editora ter reduzido o formato original da obra. Fui então investigar e verifiquei que, sim, a Levoir reduziu o formato da obra. Meio centímetro na largura e 1,5 cms na altura. Meus caros, parece-me que as reações tão arreliadas com a edição da Levoir foram exageradas. Mesmo admitindo que em termos de mancha de impressão, o livro até acabe por ficar mais reduzido do que o 1,5 cm, não me parece que seja motivo para tantas "birras". Sou o primeiro a afirmar que prefiro sempre que as edições portuguesas tenham a mesma dimensão (ou maior, se possível) das edições originais. Mas, caramba, se estamos a falar de um livro que sai com um preço de amigo (cerca de 25% mais barato do que a edição da Norma Editorial) acho que também podemos dar lugar a algum tipo de cedências, não? A mim, aborrecem-me mais erros de tradução, de revisão e de legendagem. Coisa que neste Os Mares do Sul, se existe, não me saltou à vista.

Concluindo, Os Mares do Sul mantém a continuidade em termos qualitativos que a dupla formada por Migoya e Seguí já nos tinha dado nas anteriores adaptações para banda desenhada que fez da obra de Manuel Vázquez Montalbán. Trata-se, acima de tudo, de um romance policial protagonizado por Pepe Carvalho, uma personagem carismática, dura e perspicaz, bem à semelhança de Nestor Burma, de Leo Malet. Não sendo isento de fraquezas, é uma bela aposta da Levoir que se recomenda!


NOTA FINAL (1/10):
8.5



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Os Mares do Sul, de Hernán Migoya e Bartolomé Seguí - Levoir

Ficha técnica
Os Mares do Sul
Autores: Hernán Migoya e Bartolomé Seguí
Editora: Levoir
Páginas: 88, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 215 x 280 mm
Lançamento: Setembro de 2023

2 comentários:

  1. Viva Hugo. Na altura da distribuição desta obra tive a oportunidade de comentar neste forúm o péssimo trabalho de impressão feito pela empresa contratada pela Levoir e, por extensão, pela quase ausência de acompanhamento na produção do mesmo. Perdoe-me a "birra" mas a obra está ser vendida em livraria, acima dos 20 euros. Julgo que haveria margem para apresentar um produto com qualidade um pouco superior...Agora que o ano está a finalizar desejaria que esta situação se alterasse significativamente - irá acontecer? Tudo indica que não. Boas Festas para si!

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    1. Um abraço, António! E obrigado pela presença assídua e comentários sempre fundamentados! Boas festas.

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