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quarta-feira, 14 de agosto de 2024

TOP 10 - A melhor "BD Muda" publicada em Portugal!


Tal como no cinema, em que há filmes mudos onde nenhuma fala é dita, também existem bandas desenhadas que optam por ser mudas, não tendo balões de fala ou outro tipo de legendas, e ficando a caber ao leitor a interpretação da história através da mera observação das ilustrações que compõem a obra.

Do ponto de vista dos autores, acho sempre um desafio difícil, pois é importante que a técnica de desenho e/ou capacidade de narrativa visual seja inequívoca ao ponto de se conseguir passar a mensagem/história pretendida sem a ajuda das palavras.

Mesmo assim, quando resulta, acho que o resultado é verdadeiramente edificante por permitir tornar uma mensagem ainda mais universal. Quase como se fosse mímica.

Em Portugal, e especialmente nos últimos anos, têm sido lançadas boas propostas ao nível da banda desenhada muda. Não só de autores estrangeiros, como de alguns bons autores nacionais. 

Falando das obras de autores estrangeiros que por cá são lançadas, não deixa de ser curioso que as editoras portuguesas apostem, de vez em quando, em bandas desenhadas mudas, uma vez que este tipo de obras, justamente por serem mudas, são facilmente perceptíveis e decifráveis por qualquer leitor e, consequentemente, as edições originais podem ser adquiridas facilmente através da internet. E, muitas vezes, a preços mais convidativos. Mesmo que seja uma banda desenhada de um autor húngaro, ou de uma outra língua qualquer... se se tratar de uma BD muda, não haverá problemas com a língua para o leitor português.

Não estou com isto a dizer que considere que as editoras portuguesas não devam lançar BD estrangeira muda. Nada disso! Até porque esta aposta das editoras nacionais também acaba por ser uma forma de fazer chegar essa obra a um público mais vasto, pois nem toda a gente compra BD estrangeira. Todavia, não deixa, quanto a mim, de ser curiosa esta aposta em BD muda estrangeira pelos motivos que apresentei.

Mas, enfim, o propósito de mais um TOP Vinheta 2020, neste caso dedicado à banda desenhada muda, é mesmo o de vos convidar a conhecer algumas destas obras que são, quanto a mim, muito interessantes.

E hoje trago-vos algumas dessas bandas desenhadas mudas que estão presentes - ou estiveram, pois algumas delas já são bastante difíceis de encontrar à venda - no nosso mercado e que são as minhas favoritas.

Portanto, sem mais demora, eis, mais abaixo, o meu TOP 10 da melhor BD Muda publicada em Portugal!


TOP 10 - Melhor BD Muda publicada em Portugal


10. A Little Girl
André Caetano
Edição de Autor


A Little Girl é uma história relativamente curta, com 32 páginas, que nos dá uma (re)interpretação do clássico O Capuchinho Vermelho, pelas mãos do autor português André Caetano. 

Os desenhos são absolutamente belos, com um domínio total cénico, num preto e branco puro - com espaço para a introdução da cor vermelha em alguns detalhes. 

Gosto especialmente deste livro por nos conseguir mergulhar num ambiente típico das histórias clássicas infantis (ou não tanto!) e de nos dar uma história especial, que consegue fazer-nos abstrair, por momentos, da nossa vida. 

Encontrem a minha análise completa a esta obra, aqui.


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9. Pássaro
Diogo Campos e Hugo Teixeira
Edição: Ala dos Livros


Pássaro é uma curiosa e impactante história que se inspira em obras de dois autores: Nankichi Niimi e Hans Christian Andersen. O primeiro – menos célebre – serviu de inspiração primária quando o argumentista Diogo Campos se deparou com um conto de Niimi ilustrado em aguarela que, imediatamente, o levou a fazer uma associação ao conto de Andersen, A Vendedora de Fósforos

A partir daí, o autor português desenvolveu uma trama que, por um lado, nos remete para a história que todos conhecemos do conto original de Andersen, mas que, ao mesmo tempo, nos permite uma reflexão quiçá diferente e mais abrangente. Mas igualmente comovente.

A par disto, ainda contamos com belas ilustrações de Hugo Teixeira que captam muito bem uma ambiência gélida que, apesar de tudo, e aliada à história, nos consegue aquecer o coração.

Encontrem a minha análise completa a esta obra, aqui.


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8.Pétalas
Gustavo Borges e Cris Peter
Edição: Kingpin Books


Pétalas é uma história carregada de subtileza, de ternura e simplicidade que consegue sensibilizar-nos com o tema que traz consigo. 

A história acompanha uma família de raposas que se vê confrontada com a chegada de um pássaro que, com o seu conhecimento, exemplo e forma de estar, vai conseguir melhorar em muito a vida de uma das raposas que se encontra doente. O estilo da história é muito simples, remetendo-nos para fábulas ao género de La Fontaine, e, por isso, pode ser lido facilmente por crianças, sendo que os adultos certamente retirarão significados maiores da obra. 

As ilustrações do autor brasileiro Gustavo Borges são belíssimas e apresentam belas cores - da autoria de Cris Peter - que são um deleite para os olhos.

Uma bela obra!



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7. A Mosca
Lewis Trondheim
Edição: Witloof


Se dúvidas houvesse que Lewis Trondheim é um autor de banda desenhada multifacetado e extremamente criativo, e que consegue "fazer muito do pouco", este A Mosca, publicado há já vários anos pela entretanto extinta editora Witloof, é um claro exemplo disso. Infelizmente, este é um livro cada vez mais difícil de encontrar à venda. 

A Mosca faz-nos acompanhar a vida de uma mosca, desde o seu nascimento até à sua morte, mostrando-nos de que forma a mesma ocupa o seu tempo, sempre tentando explorar o universo ao seu redor.

Com um desenho rápido e rabiscado, que faz um bom uso da componente cénica para melhor nos dar a entender como é que uma mosca vê o nosso mundo, de proporções gigantes face à sua dimensão, este é um livro bastante divertido e que nos deixa de bom humor! 

Em certa medida, lembra-me o episódio da mosca da própria série Breaking Bad, que ficou tão célebre para aqueles que acompanharam esta brilhante série televisiva. Mas, tendo em conta que este livro saiu primeiro do que a série, terá uma coisa inspirado a outra ou tratar-se-á de uma mera coincidência? Fica a dúvida no ar.



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6. O Idiota
André Diniz
Edição: Levoir


Eis um livro que me surpreendeu muitíssimo aquando o seu lançamento naquela que foi a terceira coleção de Novelas Gráficas da Levoir e do Público. Estávamos em 2017 e este livro, de capa dura, com mais de 400 páginas, embora a preto e branco, custava uns meros 9,99€! "Those were the days", como dizem os ingleses.

Mas, tirando esse aparte, André Diniz surpreendeu-me nesta banda desenhada pela ousadia e coragem de adaptar em banda desenhada uma obra tão complexa como O Idiota de Fiodor Dostoievski e, ainda por cima, sem o recurso a texto. Bem, para ser tecnicamente rigoroso, tenho que dizer que esta não é uma obra 100% muda, pois há alguns balões de fala, mas são muito poucos, com mais de 90% da mesma a ser em modo mudo, pelo que merece figurar nesta lista. 

É um grande trabalho de André Diniz que, sendo fiel ao seu estilo muito próprio de ilustração, conseguiu prestar a devida homenagem a uma das grandes obras da literatura mundial.


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5. O Diabo e Eu
Alcimar Frazão
Edição: Polvo


Considero que, lamentável e inexplicavelmente, Alcimar Frazão, outro autor brasileiro que a editora Polvo por cá tem editado, não merece o carinho, atenção e louvor suficientes por parte dos leitores portugueses. 

O seu estilo de ilustração - especialmente quando utilizado o seu registo a preto e branco puro - é verdadeiramente belo, diferenciado e magnífico! Daqueles tipos de desenho carregados de charme, drama e noção estética que, tudo somado, são um deleite para os olhos. 

Neste O Diabo e Eu, o autor dá-nos uma biografia/homenagem ao músico Robert Johnson, uma figura incontornável dos blues americanos. O livro consegue o feito de fazer o leitor refletir e, por ventura, reler o livro uma segunda vez para mais profundamente conseguir captar os intentos do seu autor, já que há várias mensagens subliminares a retirar daqui. Muito bom!


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4. Kong The King
Osvaldo Medina
Edição: Kingpin Books


Para mim, é fácil considerar Kong The King, de Osvaldo Medina, como o melhor livro de BD muda da banda desenhada nacional! 

Este é um livro onde o autor se debruça sobre a personagem de King Kong ou, com maior rigor, numa personagem que se inspira no protagonista de King Kong, que, levado da sua ilha para a civilização humana, acaba por sofrer na pele todo o peso do sucesso e da sobre-exploração mediática. 

Falo no Kong The King 1, mas também poderia falar no Kong The King 2, que o autor lançou mais recentemente e que não fica nada atrás do primeiro livro. Ambos são soberbos! 

Osvaldo Medina prova com estes dois livros a sua capacidade infinita para bem narrar visualmente uma história em banda desenhada, oferecendo-nos belíssimos desenhos num preto e branco onde os cinzas também contribuem para a beleza visual das ilustrações. 

Para mim é um clara obra prima da banda desenhada nacional. Saibamos nós o que é uma obra-prima.  

Encontrem a minha análise completa aos volumes 1 e 2, respetivamente, aqui e aqui.

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3. Emigrantes
Shaun Tan
Edição: Kalandraka


Eis um livro que dificilmente deixa alguém indiferente. 

Originalmente lançado há mais de uma década pela editora Kalandraka, este é um livro que se encontra esgotado há bastante tempo. 

Conta-nos a história de vários emigrantes, como refugiados políticos ou fugitivos de guerra que procuram um futuro melhor. Algo que, infelizmente, continua a ser uma realidade no tempo atual, já depois de terem passado largos anos desde o lançamento original da obra. O que será também, digo eu, sintoma de como nós, humanos, simplesmente não aprendemos a ser empáticos com os demais. Passe o tempo que passar.

Shaun Tan dá-nos em Emigrantes desenhos absolutamente incríveis e extremamente detalhados, em tons de sépia, que nos obrigam a deter o nosso olhar neles durante bastante tempo. 

É um daqueles casos em que as imagens falam por si numa obra que recomendo a toda a gente!



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2. O Número 73304-23-4153-6-96-8
Thomas Ott
Edição: Levoir


Eis uma das propostas mais audazes e interessantes que a Coleção de Novelas Gráficas da Levoir e do Público já nos deu no total de oito coleções e, portanto, em quase 100 livros! 

Esta obra de Thomas Ott, com o título pouco convidativo O Número 73304-23-4153-6-96-8, é maravilhosa a vários níveis! 

Se não, vejamos: o conceito da história que anda todo à volta de um papel com o referido e misterioso número é extramente criativo; a técnica de ilustração, no chamado scratchboard - que consiste em remover/riscar a tinta preta de uma superfície de forma a obter-se um desenho - é maravilhosa; a própria planificação da obra, sempre em quatro painéis, é arrojada e original; e, claro, todo o relato que nos é dado não faz recurso de balões ou falas. 

Parece, pois, que Thomas Ott se propôs subverter todas as regras e cânones da própria banda desenhada. Mas fê-lo com nota alta em cada uma destas vertentes que refiro. 

É um livro fantástico e extremamente criativo! Das melhores bandas desenhadas mudas que já li!


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1. As Férias de Donald
Frédéric Brrémaud e Federico Bertolucci
Edição: Panini


Bem, antes que me venham aqui corrigir por esta escolha, deixem que eu próprio o faça. Este As Férias de Donald, dos autores Frédéric Brrémaud e Federico Bertolucci, não foi tecnicamente publicado em Portugal. Nem por uma editora portuguesa. No entanto, a obra originalmente editada pela francesa Glénat, foi publicada em português pela editora brasileira Panini e, como é relativamente fácil adquirir este livro na Casa da BD, uma livraria portuguesa de Lisboa com um grande catálogo de BD de editoras brasileiras, permitam-me a inclusão desta obra nesta lista. Não foi editada por editoras portuguesas, mas foi editada em português e pode ser comprada em Portugal, vá.

Obra essa que é, tenho que dizer, e mesmo tendo sido apenas originalmente lançada em 2021, o meu livro favorito de banda desenhada muda. Isto porque faz uma clara e emotiva homenagem aos primeiros filmes de animação da Disney que, embora tivessem música de fundo, eram mudos, com as personagens a envolverem-se em peripécias num estilo de comédia física, sem que houvesse lugar a falas. 

Este As Férias de Donald é uma obra magnífica, uma autêntica masterclass de como perceber a arte sequencial - e até mesmo os filmes de animação, diria. 

A história é simples e tem como protagonista a personagem de Donald que, como sabemos, "ferve em pouca água" sempre que os seus planos são destruídos. Tudo o que o Donald quer, é passar umas agradáveis e solitárias férias, mas parece que o universo congemina os seus próprios planos para arruinar os intentos do pato mais irritável de sempre. 

A história é muito simples, claro, mas abre espaço a um desenho de Bertolucci que é simplesmente genial, não só nas ilustrações propriamente ditas, que são lindas, como nas cores que são majestosas ou na forma como a narração é feita de quadro para quadro. Acho até que é um livro obrigatório para quem quiser estudar a arte sequencial com o intuito de se tornar autor de banda desenhada.

É uma homenagem ao Donald, à Disney, à animação clássica e à banda desenhada. Verdadeiramente lindo!  

2 comentários:

  1. Li também vindo do Brasil "Um oceano de amor" de Lupano/Panaccione. Muito bom

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    1. Já li maravilhas sobre esse livro, mas ainda não tive oportunidade de o ler. Espero fazê-lo brevemente! Obrigado pela partilha, Ricardo!

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