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sexta-feira, 28 de julho de 2023

O Vinheta 2020 vai de férias!

 


Durante as duas próximas semanas, o Vinheta 2020 estará de férias, em boa companhia, e a ler muita BD.


Não se prevêem novas entradas no blog durante este período.


De qualquer maneira, serão muitas as leituras de bd a fazer nestes dias portanto, o regresso deverá ser marcado por muitas análises e artigos.


Até lá.


Vinheta 2020

Análise: O Árabe do Futuro 5


O Árabe do Futuro 5 - Ser Jovem no Médio-Oriente (1992-1994), de Riad Sattouf

Depois de mais tempo do que o esperado, a Teorema (Grupo LeYa) retomou o lançamento da série O Árabe do Futuro, publicando o quinto e penúltimo volume desta fantástica série da autoria de Riad Sattouf.

Gosto especialmente de citar esta série como um claro exemplo de que não devemos julgar um livro pela sua capa. Nem pelo seu título, já agora. Contra mim falo já que, desde que apareceu o primeiro volume da série, que não senti qualquer apelo pela mesma. As capas não são minimamente apelativas e o próprio nome “O Árabe do Futuro”, não me parece nada cativante, embora reconheça a piada irónica inerente ao mesmo. Como tal, lembro-me que via os livros nas livrarias, tinha amigos que me recomendavam a série, via que alguns livros arrecadavam prémios, mas, enfim, não lhe dava hipótese. Era um preconceito parvo, sim.

Mas tudo mudou quando, em 2020, dei uma hipótese à série, começando por ler o quarto volume. A experiência foi tão boa que, rapidamente, fui à procura dos volumes anteriores. Fiquei fã de O Árabe do Futuro e com vontade de me autoflagelar devido a ter, durante tanto tempo, negado dar uma hipótese à série. Continuo a achar as capas sofríveis e pouco apelativas, e o título continua a parecer-me desinspirado e pouco cativante, mas como o que mais interessa é – ou devia ser – o que está no interior, devo dizer-vos que esta é uma série que recomendo totalmente.

O Árabe do Futuro
 é uma história biográfica do autor franco-sírio Riad Sattouf e leva-nos à infância do autor, oferecendo-nos uma perspetiva única sobre as vivências e experiências de um rapaz que era filho de pai sírio e de mãe francesa. Naturalmente, este mix numa França que, diga-se o que se disser, nunca superou/aceitou totalmente bem a presença de imigrantes no seio da sua sociedade, levou Riad a ter um conjunto de interações marcantes. Mais do que isso, esta dualidade, revela bem como se pode tornar difícil – embora, por vezes, cómica – a vida de um jovem que advém de origens tão diferentes. Por um lado, o seu pai tem uma mentalidade que não se coaduna com a forma de pensar francesa. Por outro lado, a sua mãe, não pode fugir ao facto de ter uma postura perante a vida e os valores da família muito mais ocidentais no seu âmago. E o resultado acaba por ser que Riad não se sinta um sírio "a sério", nem um francês "a sério".

Embora dê para começar a ler a série a partir de qualquer volume,  há um fio condutor entre os volumes, já que o autor nos vai contando a história da sua vida, desde os anos 70 até aos anos 2010. Portanto, sim, recomendo que leiam a série a partir do princípio. Mas repito que dá para entrar no universo de Riad Sattouf com qualquer livro. Pelo menos para mim, isso não foi problema. O "risco" maior que daí pode advir é que, depois de feita a leitura, queiram desenfreadamente encontrar todos os livros da coleção.

Neste quinto volume, e procurando não revelar nada que possa ser considerado como um spoiler, o jovem Riad já tem idade para andar no ensino secundário. O seu talento para o desenho já é uma constante e, como é natural na adolescência, está a descobrir a música, passando de bandas como os Nirvana para outras mais pesadas, do heavy metal, como os Slayer. Mas não é só isso que Riad está a descobrir. Também está a descobrir as raparigas e as paixões inerentes às mesmas. E Anaick parece ser o grande amor da sua vida. Caso ela olhasse para ele da mesma forma com que ele olha para ela, claro. A juntar a todos estes dramas próprios da juventude, em casa as coisas não estão famosas. O pai deixou a casa, tendo levado o irmão mais novo de Riad, Fadi, consigo para a Síria. O divórcio entre os seus pais parece iminente.

O desenho é simples e funcional, bem ao jeito do tipo de ilustração que, muitas vezes, vemos em álbuns de tiras humorísticas com cartoons. Se é parecido em termos visuais, não o será tanto em termos de narrativa visual, já que estamos perante uma novela gráfica, no sentido geral do termo. Normalmente, a paleta de cores utilizada por Riad é o azul, o preto e o branco, embora o vermelho seja bastante utilizado para ilustrar os pensamentos do protagonista. O resultado, quase sempre, nos faz sorrir.

Não há dúvidas de que os desenhos de O Árabe do Futuro capturam muito bem a essência das experiências vividas pelo autor, enquanto misturam com mestria humor, inteligência e momentos emocionantes para criar uma narrativa envolvente que explora, de forma eficaz e profunda, temas como a dinâmica familiar, o impacto das ideologias políticas e a luta de um jovem para encontrar o seu próprio lugar no mundo.

A edição da Teorema é em capa mole, com badanas, e apresenta bom papel baço e boa impressão e encadernação. Fiquei bastante feliz pelo facto de a editora não ter deixado cair esta série, já que o interregno entre o lançamento do quarto e do quinto volume foi quase de três anos. Como tal, e tendo em conta que a série já se encontra integralmente publicada em França, faço votos para que a editora portuguesa não perca muito mais tempo até ao lançamento do sexto e último volume.

Em suma, o quinto volume de O Árabe do Futuro dá-nos mais do mesmo e que bom isso é, já que estamos perante uma série absolutamente obrigatória, cujo retrato atual e sincero de tantos franceses imigrantes duplamente apátridas, nos deixa alegres e tristes, enquanto nos faz refletir sobre a questão cultural na afirmação de um indivíduo. Não se deixem enganar pelas capas sofríveis, esta série é mesmo muito boa!


NOTA FINAL (1/10):
9.3


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
O Árabe do Futuro 5 - Ser Jovem no Médio-Oriente (1992-1994)
Autor: Riad Sattouf
Editora: Teorema (Grupo LeYa)
Páginas: 176, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 174 x 234 mm
Lançamento: Maio de 2023

Presença prepara-se para lançar nova série de BD!


O Grupo Presença prepara-se para lançar, já a partir do próximo dia 16 de agosto, uma nova série de banda desenhada!

Depois da editora apostar no mangá Solo Levelling, de Chugong, e de After: A Novela Gráfica, de Anna Todd e Pablo Andrés, é agora a vez de uma aposta na série A Menina que Veio do Outro Lado, do autor japonês Nagabe. 

Trata-se de uma obra que, para já, conta com 12 volumes lançados e que parece ser uma proposta algo diferente, em termos de mangás, em relação ao que temos tido lançado por cá, pelas demais editoras.

Razão pela qual, parece ser uma obra cativante. Pelo menos, ao nível do seu visual.

O livro já se encontra em pré-venda no site da editora.
Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais da versão francesa do livro.


A Menina Que Veio do Outro Lado: Siúil, a Rún - 1, de Nagabe

Era Uma Vez…

uma terra muito longínqua, na qual havia dois países: o país de fora, onde viviam criaturas que, rezava a história, amaldiçoavam pelo toque; e o país de dentro, onde habitavam os humanos. A menina e o Doutor, que nunca se deviam ter cruzado, conheceram-se, e assim começa esta história…

Este é um livro sobre dois seres - um, humano; o outro, não humano - e sobre as manhãs, as noites, a luz e as sombras em que se encontraram.

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Ficha técnica
A Menina Que Veio do Outro Lado: Siúil, a Rún - 1
Autor: Nagabe
Editora: Grupo Presença
Páginas: 184, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 135  x 193 mm
PVP: 11,90€

Análise: Bartleby, o Escriturário

Bartleby, o Escriturário - Uma História de Wall Street, de José-Luis Munuera - Arte de Autor

Bartleby, o Escriturário - Uma História de Wall Street, de José-Luis Munuera - Arte de Autor
Bartleby, o Escriturário, de José-Luis Munuera

Não sei bem como, nem porquê, mas este Bartleby, O Escriturário, de José-Luis Munuera, publicado pela Arte de Autor, tem passado despercebido a muitos. E isso deixa-me especialmente espantado, pois considero esta obra como uma das melhores bandas desenhadas do ano, publicadas até agora em Portugal!

Bartleby, o Escriturário resulta da adaptação da obra original de Herman Melville – autor amplamente conhecido pela obra Moby Dick – que nos conta a história de Bartleby e da sua forma indecorosa, embora educada, de dizer: “Preferiria não o fazer”.

Aliás, é sobre esta expressão e o que ela encerra – essa liberdade para se dizer que não a algo, mesmo quando esse algo é um pedido de uma chefia – que toda esta obra se apoia. Como se fosse um exercício de sociologia que, por mais simples que possa ser, tenha o potencial para abanar os alicerces de toda uma sociedade criada à semelhança do Homem. É um exercício verdadeiramente delicioso!

Bartleby, o Escriturário - Uma História de Wall Street, de José-Luis Munuera - Arte de Autor
A trama passa-se em Wall Street, Nova Iorque, o coração do capitalismo mundial, e é centrada em Bartleby, um misterioso e taciturno escriturário que é contratado por um advogado para trabalhar no seu escritório. Mas depressa se torna evidente que o comportamento do protagonista é enigmático e cheio de ambiguidade. Por um lado, parece um bom trabalhador e uma pessoa respeitosa. Mas, por outro lado, a partir do momento em que responde ao seu patrão com a já mencionada frase “Preferiria não o fazer”, tudo começa a tornar-se embaraçoso.

O mundo dos homens é um mundo de regras e de papéis sociais. Todos nós, de uma forma ou de outra, nos fazemos valer dessas regras. Quando um indivíduo tem uma atitude de contestar pacífica e educadamente o regime estabelecido, eis que surge um comportamento desviante. Mas, lá está, mesmo por ser uma contestação pacífica e educada, é que o problema se torna maior. É fácil reprimir e castigar os comportamentos oriundos de uma postura agressiva antissistema, mas reprimir um comportamento pacífico e simples como a negação educada a um pedido, é algo bem mais difícil. 

Bartleby, o Escriturário - Uma História de Wall Street, de José-Luis Munuera - Arte de Autor
Imaginem o que era fazermos um pedido num restaurante e o empregado dizer-nos: “Preferiria não o fazer”. Ou o árbitro de futebol apitar para que um jogador marcasse um penálti e o jogador dizer: “Preferiria não o fazer”. Ou um músico subir ao palco de um concerto para dizer, simplesmente: “Preferiria não o fazer”. Ou termos que pagar por uma despesa e dizermos ao nosso cobrador: “Preferiria não o fazer”. Ou que o nosso chefe nos pedisse algo, que estivesse relacionado com o nosso trabalho, e nós simplesmente disséssemos: “Preferiria não o fazer”. Enfim, a frase pode ser dita por qualquer pessoa, em qualquer circunstância. E abrir o precedente para acabar com o livre arbítrio em oposição à possibilidade de dizer que não de um individuo é a abrir a caixa de Pandora do papel social e da liberdade de escolha. Porque a verdade é esta: em sociedade, só somos livres até certo ponto. Somos livres dentro da enclausura de um conjunto finito de oportunidades de escolha. É uma premissa fabulosa e é nela que assenta toda a história deste Bartleby, o Escriturário.

Focando-me na adaptação de José-Luis Munuera, considero que a ideia foi muito bem explanada e, em 72 páginas, o autor consegue captar muito bem a ideia base da obra original de Melville. É certo que nunca li o texto original e não posso afirmar com exatidão se esta adaptação para BD perdeu – ou não – muitas coisas da obra original. Decerto, perdeu algumas. Porém, e de acordo com todas as sinopses e textos que li sobre o conto original de Melville, creio ser justo afirmar que esta adaptação para banda desenhada reflete bem a ideia e reflexão base da obra original.

Bartleby, o Escriturário - Uma História de Wall Street, de José-Luis Munuera - Arte de Autor
Do mesmo autor José-Luis Munuera, a Arte de Autor já tinha publicado o igualmente belo Um Conto de Natal, uma adaptação para banda desenhada do clássico de Charles Dickens. Nesse caso concreto, e talvez por - ao contrário do que se passa nesta situação - eu conhecer tão bem a obra original e as múltiplas adaptações da mesma, gostei muito, claro, mas não fiquei tão maravilhado como fiquei com este Bartleby que, de facto, ainda não tinha lido.

A história de Bartleby, o Escriturário é pertinente, inteligente e dá que pensar, sendo uma daquelas rábulas que todos devíamos ler uma vez na vida. Por sua vez, a banda desenhada, como um todo, funciona muitíssimo bem, com Munuera a revelar-se hábil na forma como combina a profundidade da história original com o dinamismo visual e emocional próprio da banda desenhada.

Pode-se, por isso, dizer que esta adaptação consegue manter fielmente a essência da história original, explorando temas profundos como a alienação, a busca de significado na vida e a própria natureza humana.

Bartleby, o Escriturário - Uma História de Wall Street, de José-Luis Munuera - Arte de Autor
Quanto aos desenhos de Munuera, temos algo semelhante, no tom e no ambiente, ao que o autor nos deu em O Conto de Natal. Mantêm-se dois registos visuais diferentes que confluem entre si: na parte das personagens, o estilo é bastante "cartoonesco", assumindo similaridades com o universo Disney, por um lado, e remetendo-nos, por outro, para o estilo da escola Spirou que, aliás, o autor conhece bem enquanto autor de alguns álbuns da série; na parte dos ambientes e dos cenários, temos um estilo bem mais realista onde os efeitos de luz e cor chegam a apresentar uma certa poesia visual. Pode parecer uma junção algo forçada, mas que, tenho que admitir, acaba por funcionar muito bem e ser bastante original.

A arte de Munuera é simplesmente deslumbrante. As próprias cores utilizadas (pelo autor Sedyas) conseguem transportar-nos para o universo sombrio e introspetivo de Bartleby. A representação dos ambientes do escritório, com tons cinzentos e composições cuidadosamente elaboradas, é especialmente notável, pois reflete a monotonia e a alienação da vida corporativa.

A edição da Arte de Autor é em capa dura, com alguns detalhes da mesma a receberem aplicação de verniz. No miolo, o papel é baço e de boa qualidade. A impressão e a encadernação também apresentam boa qualidade. O livro é complementado por um prefácio de Philippe Delerm e um posfácio de Álex Romero que muito acrescentam à edição, pois permitem uma imersão ainda maior na temática da obra.

Em suma, este é um dos belos lançamentos do ano que a Arte de Autor, em boa hora, faz chegar aos leitores portugueses. Munuera consegue honrar o legado de Herman Melville ao mesmo tempo que imprime a sua própria marca, tornando este trabalho uma leitura obrigatória para amantes de banda desenhada e de literatura clássica.


NOTA FINAL (1/10):
9.4


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Bartleby, o Escriturário - Uma História de Wall Street, de José-Luis Munuera - Arte de Autor

Ficha técnica
Bartleby, o Escriturário - Uma História de Wall Street
Autor: José-Luis Munuera
Editora: Arte de Autor
Páginas: 72, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 285 mm
Lançamento: Abril de 2023

quinta-feira, 27 de julho de 2023

Novas informações sobre o Amadora BD 2023!


A Organização partilhou as mais recentes novidades sobre aquela que será a 34ª edição do maior evento nacional dedicado à banda desenhada!

O Festival realiza-se entre os dias 19 e 29 de Outubro e, em termos de espaço, mantém a fórmula dos últimos dois anos: a exposição, mercado e apresentações acontecem no antigo Ski Skate Amadora Park e, para além disso, quer na Bedeteca da Cidade, quer na Galeria Municipal Artur Buar, realizam-se atividades e exposições paralelas.

Os Prémios de Banda Desenhada da Amadora estão de volta e as candidaturas para os mesmos já estão abertas, encerrando no dia 2 de Setembro.

O período compreendido para a publicação das obras a concurso deverá ser entre o dia 1 de Agosto de 2022 e o dia 1 de Agosto de 2023. Solicito, portanto, a todas as editoras que candidatem as suas obras a estes prémios, que são os mais importantes a nível nacional. Mais não seja, porque têm o maior prémio pecuniário - 5.000€ para a Melhor Obra de Banda Desenhada de Autor Português.

O júri da edição deste ano é novo. Sou eu que assumo a Presidência do Júri e, creio, estarei muito bem acompanhado pelos outros dois jurados que são o João Ramalho Santos, investigador e especialista em BD, e o Paulo Monteiro, Presidente do Clube Português de Banda Desenhada (CPBD) e organizador do Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja. 

É, de resto, uma honra assumir esta função e aproveito para agradecer publicamente à Organização pela confiança. Estou certo que este conjunto de jurados procurará melhorar os prémios em relação aos anos mais recentes.

Aproveito ainda para partilhar o link de acesso ao Regulamento dos PBDA: 

A Seita lança novo livro de Pedro Moura e João Sequeira!



Já está a chegar às livrarias o novo livro de Pedro Moura e João Sequeira, publicado pel' A Seita, que se chama Como Flutuam as Pedras

O livro foi originalmente apresentado e lançado no Festival Internacional de Bana Desenhada de Beja mas só agora se encontra facilmente disponível em livraria.

Ainda não o li, mas posso dizer que gostei bastante da apresentação, em Beja, e que a belíssima arte de João Sequeira tem tudo para funcionar melhor num livro em grande formato.

Estou bastante curioso, portanto.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.

Como Flutuam as Pedras, de Pedro Moura e João Sequeira

“Fomos esperados sobre a Terra” - Walter Benjamin

Uma terra apartada por um largo rio só é misterioso se não existirem pontes que a alcancem.

Mas ela pode encerrar muitas respostas. Será a viagem nocturna de Constança a solução desse enigma? Um romance gráfico em que o realismo mágico revela a necessidade de criarmos a maior comunidade humana possível.

Depois de algumas experiências com histórias curtas de banda desenhada, bem como outros projectos, este é o primeiro livro criado em conjunto por Pedro Moura e João Sequeira.

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Ficha técnica
Como Flutuam as Pedras
Autores: Pedro Moura e João Sequeira
Editora: A Seita
Páginas: 160, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 235 x 325 mm
PVP: 28,00€

Análise: O Acordo


O Acordo, de Carlos Páscoa

Depois de, em 2021, a Escorpião Azul ter lançado a obra Vazio, de Carlos Páscoa, que acabou por ser muito bem recebida - e tendo até vencido o VINHETA D’OURO para Obra Revelação desse ano -, eis que a editora portuguesa publicou mais uma nova obra do autor. Desta feira, a Escorpião Azul traz-nos O Acordo, que foi lançado no passado Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja.

Se Vazio e O Acordo são livros lançados com pouco espaçamento temporal entre si, contando até com as mesmas personagens como protagonistas, há que dizer que há algumas diferenças substanciais entre ambas as obras.

Começa logo pelo formato que, no caso de O Acordo, utiliza o formato horizontal (italiano). Mas também ao nível de narrativa, há várias diferenças entre as duas obras. Se Vazio tem intuitos quase poéticos que muito apreciei, é inegável que a narrativa de O Acordo está mais bem tecida, de forma global. É uma obra mais down to earth.

Em termos de história, continuamos a acompanhar as personagens de Eric e Melina não havendo, porém, nenhuma ligação direta óbvia aos eventos de Vazio. O que quer dizer que, quer um livro, quer outro, pode ser lido de forma isolada. O universo de fantasia mantém-se, mas, ao contrário de Vazio que mesmo tendo passagens muito bonitas parecia mais uma divagação poética, em O Acordo Carlos Páscoa oferece-nos uma história com uma estrutura mais clássica na forma. Um conto com princípio, meio e fim.

Tudo começa quando uma horda de criaturas desconhecidas e, aparentemente, famintas da raça humana, começa a chegar a uma localidade, destruindo tudo à sua passagem. O que faz com que as populações locais abandonem casas e tentem fugir desta carnificina, da melhor forma que conseguem. E é neste ponto de situação, que vemos um pai completamente desesperado a suplicar a uma deusa que lhe traga o seu filho desaparecido. Eventualmente, e depois de um plot twist divertido/chocante, acaba por ser Melina a guardiã da pequena criança. Isto é o mote para uma aventura que, a partir deste ponto, arranca com Eric e Melina a tentarem cuidar de um bebé que não é deles. Mas a vida de uma criança é sempre um motivo de esperança para uma mudança (para melhor?) no mundo. E, no caso concreto, o mundo parece estar perdido. Portanto, os dois protagonistas tudo farão para assegurar que o bebé está a salvo. Mesmo que tenham que colocar a sua própria existência em causa.

Depois de encontrarem abrigo, aparece uma personagem – um velho solitário – que, com o seu carisma especial, dá profundidade à trama e à narrativa. Posso dizer que achei uma personagem muito boa, daquelas que tendem a ficar na nossa memória já depois de terminada a leitura. Depois deste muito interessante encontro, Eric procura um meio e um fim para a criança que protege numa localidade próxima, mas, infelizmente, volta a encontrar as forças do mal.

E é então que, depois de confrontos agitados, Carlos Páscoa coloca de forma algo abrupta um final a esta história. Mais do que achar que seriam necessárias mais páginas para fechar melhor a narrativa, eu considero que a história é constituída por vários acontecimentos que parecem algo aleatórios entre si. É claro que há um fio condutor que encaixa as várias peças, mas parece que esse fio é demasiado ténue, deixando no ar a ideia de que Carlos Páscoa não tinha muito presente para onde queria levar a sua história e que se foi deixando levar ao “sabor da maré”. Se nada de mal há nessa postura, acredito que se a história tivesse sido melhor estruturada, poderia ser mais impactante.

Apesar do que acabo de escrever, este O Acordo representa uma melhoria em relação a Vazio, pois, mesmo não sendo perfeito, já tem uma história menos aleatória, composta por bons diálogos, com uma excelente personagem secundária e que nos faz torcer pela nossa dupla de heróis. É verdade que a narrativa começa um pouco aos solavancos, demorando a arrancar verdadeiramente e, também no seu fim, a obra parece algo apressada e insuficientemente explanada, mas é no meio que está o verdadeiro néctar deste breve conto. Há boas ideias, aqui e ali, que me levam a crer que o autor ainda tem potencial para fazer uma melhor obra no futuro, mesmo que este O Acordo já seja um livro bastante bem conseguido.

Quanto à ilustração, Carlos Páscoa volta a demonstrar que é um autor com grande capacidade, técnica e inspiração. O seu traço semi-caricatural, a preto e branco, sabe dotar a obra de desenhos onde as personagens são expressivas. Refira-se ainda que a maneira como o autor planifica a obra, é bastante audaz e dá uma ótima sensação de urgência à trama. Facto esse que parece ser ainda melhor explorado neste formato italiano.

No desenho das cenas de ação e da própria força maléfica, não considero que o autor tenha conseguido um trabalho tão aliciante, mas, reitero que não deixa de ser muito capaz, moderno e dinâmico aquilo que Carlos Páscoa consegue fazer em termos de ilustrações. E mesmo que não existam desenhos tão eloquentes como os de Vazio, com aquele fantástico mar revolto que me conquistou totalmente, O Acordo é uma obra bastante bela em termos visuais e onde me parece existir um maior equilíbrio.

Aprecio especialmente o domínio do autor na técnica a preto e branco e das potencialidades da mesma, ao nível da luz e do espaço negativo.

Quanto à edição, o livro tem, como já referi, formato horizontal. A capa é mole, o papel é de qualidade aceitável e a encadernação e impressão são bem executadas. Nota muito positiva para a capa da obra que está muito bem conseguida. Quer ao nível do desenho, como ao nível da organização da informação e do sentimento que a mesma faz transparecer. Fantástica capa!

Em suma, se Vazio já nos havia mostrado o potencial de Carlos Páscoa, O Acordo continua a reiterar que o autor tem boas cartas para se afirmar ainda mais no espectro da banda desenhada nacional. Quem ainda não deu uma hipótese a Carlos Páscoa, não deveria perder mais tempo.


NOTA FINAL (1/10):
8.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Ficha técnica
O Acordo
Autor: Carlos Páscoa
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 72, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 24 x 17 cm
Lançamento: Maio de 2023

quarta-feira, 26 de julho de 2023

Análise: O Nome da Rosa - Volume 1

O Nome da Rosa - Volume 1, de Milo Manara - Gradiva

O Nome da Rosa - Volume 1, de Milo Manara - Gradiva
O Nome da Rosa - Volume 1, de Milo Manara

Se A Bomba foi a grande surpresa editorial da Gradiva no ano passado, este O Nome da Rosa é a grande aposta em banda desenhada da editora portuguesa para este ano de 2023.

Até porque, à partida, esta parece ser uma obra destinada ao sucesso! Ou não reunisse dois nomes grandes da literatura e banda desenhada: Umberto Eco e Milo Manara. Se o primeiro é um dos escritores contemporâneos mais célebres, respeitados e bem sucedidos do mundo, Milo Manara é um dos grandes mestres da banda desenhada europeia, que é apreciado e celebrado em todo o mundo. Umberto já venderia bem, sem o nome de Manara, e Manara já venderia bem sem o nome de Eco. Imagine-se, por isso, o potencial desta obra!

O Nome da Rosa foi originalmente lançado em 1980 e, desde logo, se tornou num clássico da literatura. Foi depois adaptado para o cinema por Jean Jacques Annaud, com Sean Connery e Christian Slater nos papéis principais. Quer o livro, quer o filme, foram e são bastante marcantes. Trata-se de um romance histórico complexo e intrincado, que mistura elementos de investigação policial, teologia, filosofia e crítica social.

O Nome da Rosa - Volume 1, de Milo Manara - Gradiva
A história passa-se no século XIV e é-nos narrada pelo jovem franciscano Adso de Melk, que acompanha o seu mentor, Guilherme de Baskerville, um frade franciscano com experiência enquanto juiz do Tribunal de Inquisição, que – talvez por essa experiência - acaba por se revelar um fantástico detetive. E logo que Adso e Guilherme chegam a uma abadia beneditina, situada numa montanha do norte de Itália, deparam-se com uma série de misteriosos assassinatos que ocorrem sem razão aparente.

É uma obra especial por vários motivos. Por um lado, é de uma riqueza histórica grande pois retrata, de forma notável, o período medieval que, como sabemos, não é um tema tão comum assim. Por outro lado, é uma obra repleta de simbolismos, de questões teológicas e filosóficas, que nos fazem pensar e que colocam certos temas, como os dogmas da igreja, em cima da mesa. Finalmente, para além das componentes de reflexão e histórica, O Nome da Rosa é uma obra que consegue tornar-se aliciante de ler, por ter características de romance policial e de thriller, que poderiam figurar num qualquer romance de Agatha Christie. Esta é, afinal de contas, uma história onde se procura achar o assassino.

E não esqueçamos que a prosa de Eco é rica e elaborada, com a presença de inúmeros vocábulos em latim.

Portanto, e face a tudo isto, veja-se como é uma obra difícil de adaptar para banda desenhada. Mas, lá está, Milo Manara é um verdadeiro Mestre da banda desenhada e faz uma adaptação condigna à obra original. O Nome da Rosa não é apenas a banda desenhada do ano para a Gradiva, é também um dos grandes livros do ano em Portugal! Pelo menos, analisando a primeira de duas partes.

É verdade que a adaptação de Manara é difícil de ler em alguns casos. Com tantas expressões em latim e com diálogos intrincados em termos de linguagem, é frequente que tenhamos que voltar atrás no balão que acabámos de ler. Por falar em balão, também há um excesso de balonagem em alguns casos. Não sei até que ponto alguns diálogos poderiam - ou não – ter sido adaptados e/ou simplificados sem que isso, claro está, pusesse em causa a fidelidade em relação à obra original de Umberto Eco. Seja como for, esta característica será, por ventura, a menos positiva da obra. Sem que, reitero, seja necessariamente uma coisa objetivamente negativa. Se for algo negativo, é algo subjetivamente negativo.

O Nome da Rosa - Volume 1, de Milo Manara - Gradiva
Quanto ao desenho, Manara prova mais uma vez – como se isso fosse necessário – que é único e um dos grandes Mestres da banda desenhada mundial. Acaba por ser curioso que esta seja uma história onde praticamente só apareçam homens. Só mesmo já quase no final do livro é que aparece uma sensual mulher, bem na linha daquilo que poderíamos esperar do autor.

Mas, talvez mesmo por esse motivo da ausência de mulheres neste livro, é que o trabalho do autor se torna ainda mais admirável. Até porque apresenta um estilo de desenho muito diferente quando opta por recorrer à prática da gravura para nos dar a conhecer eventos históricos que antecedem ou justificam algumas das ações das personagens. A par deste fabuloso desenho no estilo da gravura/iluminura, o autor oferece-nos um desenho que relembra o seu trabalho recente em Caravaggio, em que o traço é realista e as cores nos remetem para um estilo clássico, já pouco utilizado na banda desenhada atual.

Falando na temática das cores, é verdade que este O Nome da Rosa apresenta cores um pouco pálidas e tristes, que tornam a estética do livro em algo que pode parecer pouco apelativo em termos visuais. No entanto, parece-me honestamente que foi algo propositado por Manara. Isto porque, quando penso no ambiente visual, quer do livro, quer do filme de Jean Jacques Annaud, também sou remetido para um ambiente algo sensaborão, sóbrio e sério. Afinal de contas, a ação decorre numa fria e séria abadia onde o próprio riso é critivável. Há, portanto, uma sensação de pertença que Manara parece captar na perfeição. Portanto, em matéria de cores, podem não ser as cores que mais aprecio num livro, mas são, quanto a mim, as cores certas e ajustadas para O Nome da Rosa.

O Nome da Rosa - Volume 1, de Milo Manara - Gradiva
Em termos de conceção de anatomia humana e das expressões das personagens, Manara é exímio na forma como as ilustra. E um detalhe curioso é que o autor se tenha inspirado – sem vergonha, tal não é parecença – em alguns atores famosos como Marlon Brando, na personagem de Guilherme de Baskerville, ou Geoffrey Rush, na personagem do Abade Abbone. Com efeito, são tantas as personagens masculinas presentes nesta história, que Manara também tem mérito na forma como as conseguiu diferenciar entre si. Mais depressa confundi os nomes das diferentes personagens, do que confundi as suas caras. Também os cenários são muito belos na forma como são ilustrados. Logo no início, quando acompanhamos a viagem de Adso e Guilherme até que estes cheguem à abadia, parece que estamos mesmo lá ao lado deles, num ambiente tão árido, frio e hostil.

Nota positiva, ainda, para a enorme panóplia de soluções gráficas que o autor utiliza neste livro. Desde desenhos mais surreais, desde cenas mais chocantes, desde pequenas e grandes ilustrações, o autor revela muitas opções, que tornam a leitura mais dinâmica.

O Nome da Rosa - Volume 1, de Milo Manara - Gradiva
Se O Nome da Rosa é tão apetecível, o único desgosto mais forte com que ficamos após findarmos a leitura, é mesmo o facto de esta ser a primeira parte da obra. Há que esperar pela segunda parte que, expetavelmente, deverá chegar-nos no próximo ano. Compreendo o apelo comercial para se lançar dois livros em vez de um. Mas, pondo-me do lado do leitor, como sempre tento fazer, penso que seria mais benéfico só lermos o livro de forma inteira e corrida, quando o mesmo estivesse pronto/acabado. Sublinho que esta crítica não é destinada à Gradiva, que se limitou a publicar aquilo que havia para publicar, mas sim ao editor original de Manara. Mas, lá está, compreendendo os meandros do mundo editorial, percebo que se opte por dois volumes. Simplesmente, isso não beneficia em nada os leitores.

Quanto à edição da Gradiva, o livro apresenta capa dura brilhante, bom papel brilhante e um bom trabalho a nível da impressão e encadernação. Devo dizer que, em termos de legendagem, quer o tipo de letra, quer o espaçamento entre linhas e entre palavras, deixam um pouco a desejar. Não pude comparar com a versão original, mas espanta-me se a mesma também tiver uma apresentação semelhante à da edição portuguesa, que me distraiu um pouco aquando a leitura. Nota positiva para um dossier de extras com seis páginas, nas quais nos são dados lindos esboços de Manara. A Gradiva está especialmente de parabéns por ter lançado a versão portuguesa muito próxima da edição original italiana, em termos temporais,  antecipando-se mesmo à edição da obra em francês.

Em suma, este é um livro com selo de qualidade. Manara prova que, apesar da sua idade, continua dono de um estilo único de desenho, que influenciou, influencia e continuará a influenciar gerações de leitores de banda desenhada. Resta-nos esperar pelo próximo livro para a conclusão devida de uma obra que, na primeira de duas partes, já faz muito e muito bem.


NOTA FINAL (1/10):
9.3



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O Nome da Rosa - Volume 1, de Milo Manara - Gradiva

Ficha técnica
O Nome da Rosa - Volume 1
Autor: Milo Manara
Adaptado a partir da obra original de: Umberto Eco
Editora: Gradiva
Páginas: 80, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 21,50 x 30,00 cm
Lançamento: Maio de 2023

terça-feira, 25 de julho de 2023

Análise: Black Crow (Coleção Completa)

Black Crow (Coleção Completa), de Jean-Yves Delitte - ASA

Black Crow (Coleção Completa), de Jean-Yves Delitte - ASA
Black Crow (Coleção Completa), de Jean-Yves Delitte

Black Crow foi a primeira – e, para já, única – série de banda desenhada que a ASA lançou com o jornal Público neste ano de 2023. A editora portuguesa voltou a apostar no autor Jean-Yves Delitte, de quem já havia editado, no ano passado, a série U-Boot.

De resto, bem o sabemos, de há uns anos para cá, a ASA tem vindo a apostar no lançamento de mini-séries de BD franco-belga com o jornal Público, sendo já várias as séries de excelente qualidade que a editora tem lançado recentemente. Entre elas, destaco Peter Pan (de Loisel), Rio (de Garcia e Rouge), O Grão-Duque (de Yann e Hugault) e Long John Silver (de Dorison e Lauffray). Esta última, Long John Silver, versa sobre piratas tal como esta Black Crow, de Jean-Yves Delitte. Mas, meus caros, há um oceano qualitativo de diferença entre Black Crow e Long John Silver.

Black Crow (Coleção Completa), de Jean-Yves Delitte - ASA
Black Crow
é uma obra que, sendo competente, também parece andar meio à deriva entre a BD educativa e a BD de aventura. Satisfaz minimamente em cada uma das vertentes, mas está longe de ser fantástica. 

Sendo composta por seis volumes, pode-se dizer que há um ténue fio condutor entre os seis tomos. Contudo, acho que é mais certo dizer que a série é composta por 3 ciclos, ou 3 sub-narrativas. Enquanto que o primeiro volume tem uma história isolada, os volumes 2 e 3 completam uma história entre si. E embora se considere que os volumes 4, 5 e 6 complementam a mesma história, quer parecer-me que o último tomo, O Eldorado, pode ser tido como um volume único e auto-conclusivo. Seja como for, o que importa realçar é que, mesmo que haja algumas referências a volumes passados, Black Crow não apresenta uma história, mas sim, três histórias diferentes. 

A ASA volta a apostar numa obra de Jean-Yves Delitte já depois de ter lançado U-Boot e da Gradiva ter lançado, já neste ano, a obra As Grandes Batalhas Navais - Jutlândia. Parece-me óbvio que talvez tenha havido uma boa adesão do público português, que justifique a aposta de já duas editoras na obra do autor que, há pouco mais de um ano, não tinha nenhum álbum publicado em Portugal e que, neste momento, já conta com 11 livros. Não tirando o valor à obra de JEan-Yves Delitte, parece-me que haveria um enorme conjunto de obras mais relevantes em que apostar. Mas posso ser eu que estou errado.

Black Crow (Coleção Completa), de Jean-Yves Delitte - ASA
Black Crow
é ambientada no universo dos piratas, durante o século XVIII, e segue as aventuras do capitão Black Crow e da sua tripulação. O protagonista é um mestiço ameríndio que, trabalhando em prol do Reino de Inglaterra na Guerra da Independência dos Estados Unidos, acaba por ser traído, vendo-se forçado a conjeturar uma vingança. Mas não ficamos por aí, com Black Crow viajamos até à Flandres, a África, ao Brasil e à Austrália, fazendo, portanto, uma volta ao mundo. Até que se mete pelo meio essa demanda pelo Eldorado, por esse tesouro infindável. Um lugar comum neste tipo de aventuras, diga-se.

Um dos pontos fortes desta história é que fica claro que há um cuidado do autor na tentativa de recriar uma atmosfera verosímil em relação ao referido período histórico. Isso atribui autenticidade ao intuito do autor. Porém, como o autor procura dar-nos uma série de aventuras, com um personagem com um carisma interessante, a obra acaba por ser demasiado insonsa nesses dois trâmites.

Black Crow (Coleção Completa), de Jean-Yves Delitte - ASA
Enquanto “série educativa” – chamemos-lhe assim – não consegue ter esse pendor muito vincado; mas, como “série de aventura”, também não consegue ser tão aventureira assim, ou ter aquele ritmo de ação, alicerçado num enredo cativante, que seria desejável. Comparando, aliás, com Jutlândia e com a própria mini-série U-Boot, acho que Black Crow consegue ficar uns furos abaixo. Jutlândia está focada em ser uma obra didática e U-Boot está focada em ser uma obra mais preocupada com o enredo, em detrimento da componente informativa. Sendo que nenhuma dessas duas obras me encantou, acho que ambas alcançaram melhor os seus intentos do que Black Crow.

Se o primeiro volume A Colina de Sangue me trouxe uma experiência de leitura agradável, com um protagonista que tinha potencial, devo dizer que a magia da proposta se foi desvanecendo logo a partir do segundo volume. Não é uma série que não se leia bem – porque é – mas é inquestionável que poderia ser melhor em todos os quadrantes. Até mesmo ao nível do desenho.

Porque, nesse cômputo, o trabalho de Delitte apresenta duas vertentes bastante distantes. Em termos de desenho de embarcações, é praticamente perfeito. Os navios são desenhados com um detalhe impressionante e algumas batalhas navais são muito belas na sua conceção. Não admira, portanto, que Jean-Yves Delitte seja o Pintor Oficial da Marinha Belga.

Black Crow (Coleção Completa), de Jean-Yves Delitte - ASA
Todavia, dificilmente os desenhos para uma banda desenhada poderiam ser apenas assegurados com belas ilustrações de embarcações. Há, pois, toda uma panóplia de personagens – e de diálogos entre as mesmas - e de momentos de ação, que dão vivacidade e profundidade à banda desenhada. E é aí, com pena minha, que o trabalho de Delitte está longe de ombrear com os seus belos desenhos de barcos. É que as personagens apresentam muitas semelhanças entre si, dificultando a fluidez da compreensão narrativa, e, além disso, envergam expressões faciais não muito bem conseguidas. Até mesmo a própria anatomia e linguagem corporal das personagens deixa algo a desejar, em variadas vezes.

Vê-se que François Boucq será uma influência nos desenhos do autor, mas, ao contrário desse autor consagrado, Delitte não consegue ter a mesma consistência ao longo dos seus livros. Algumas coisas são desenhadas de forma eloquente e bela, outras coisas são desenhadas de forma bruta e algo arcaica. Acaba, pois, por ser inglório que, em alguns momentos, como nas ilustrações de dupla face, em que vemos belas paisagens ou navios em alto mar, o trabalho do autor se transcenda e, depois, em pequenos segmentos visuais da restante obra, como um simples passeio das personagens pela savana africana, o trabalho do autor não passe do aceitável. Há um desequilíbrio, portanto que leva a que o desenho da obra não atinja o patamar desejável. Ou potencial, se partimos da qualidade do autor no desenho dos navios.

A edição da ASA obedece aos padrões a que a editora já nos habituou nestas coleções que lança com o jornal Público: capa dura brilhante, bom papel brilhante, boa encadernação e boa impressão. Julgo que seria mais adequado se o conjunto das seis lombadas formasse um desenho conjunto, nem que fosse o logótipo da série. Acho que isso aumenta a vontade de se completar a coleção. E já foi feito, por exemplo, na série Long John Silver, que também foi lançada pela ASA e pelo jornal Público. Mas é apenas uma opinião minha.

Em suma, devo dizer que Black Crow é uma série que, podendo agradar a alguns adeptos do franco-belga clássico de aventuras, deixa a desejar quer no argumento, quer nas ilustrações e que, por esse motivo, me faz questionar se a ASA não poderia ter apostado numa série do mesmo cômputo, mas de maior qualidade. Não faltariam opções.


NOTA FINAL (1/10):
6.7



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020 


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Black Crow (Coleção Completa), de Jean-Yves Delitte - ASA

Fichas técnicas
Black Crow #1: A Colina do Sangue
Autor: Jean-Yves Delitte
Editora: ASA
Páginas: 46, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 24 x 32 cm
Lançamento: Abril de 2023

Black Crow (Coleção Completa), de Jean-Yves Delitte - ASA

Black Crow #2: O Tesouro Maldito
Autor: Jean-Yves Delitte
Editora: ASA
Páginas: 46, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 24 x 32 cm
Lançamento: Abril de 2023

Black Crow (Coleção Completa), de Jean-Yves Delitte - ASA

Black Crow #3: A Árvore dos Holandeses
Autor: Jean-Yves Delitte
Editora: ASA
Páginas: 46, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 24 x 32 cm
Lançamento: Maio de 2023

Black Crow (Coleção Completa), de Jean-Yves Delitte - ASA

Black Crow #4: A Conspiração de Satã
Autor: Jean-Yves Delitte
Editora: ASA
Páginas: 46, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 24 x 32 cm
Lançamento: Maio de 2023

Black Crow (Coleção Completa), de Jean-Yves Delitte - ASA

Black Crow #5: Vingança
Autor: Jean-Yves Delitte
Editora: ASA
Páginas: 46, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 24 x 32 cm
Lançamento: Maio de 2023

Black Crow (Coleção Completa), de Jean-Yves Delitte - ASA

Black Crow #6: O Eldorado
Autor: Jean-Yves Delitte
Editora: ASA
Páginas: 46, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 24 x 32 cm
Lançamento: Maio de 2023