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quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Análise: Novelas Gráficas da Disney


Novelas Gráficas da Disney, de Vários Autores

Se há coisas que sempre defendo é que (também) cabe aos leitores adultos de banda desenhada incutir o gosto pela 9ª arte nos mais novos. É óbvio que não deve ser uma coisa forçada ou vista com uma obrigação. Até porque, se olharmos para a questão dessa forma, o mais provável é que esse ato de estimular o gosto pela BD nos mais novos, seja pouco natural. Mas, lá está, se desejamos que a banda desenhada, incluindo os seus autores e editores, continue ativa, talvez também seja necessária uma contribuição da nossa parte. Mas não é uma obrigação, repito.

Começo este texto com esta introdução para afirmar que, de facto, tenho sentido, no último par de anos, um esforço maior de várias editoras portuguesas em apostar numa banda desenhada mais direcionada para os mais jovens. E é, quanto a mim, essa BD para crianças e jovens aquela que (mais) forma - ou tem o potencial de formar - leitores de banda desenhada para a vida. Portanto, é algo que acolho com satisfação.

E, não sei bem porquê, as versões para banda desenhada de alguns célebres filmes de animação da Disney, têm aparecido um pouco fora do radar daqueles que falam sobre banda desenhada. Não me refiro apenas a sites, refiro-me aos próprios fóruns e grupos das redes sociais onde se fala sobre BD. Parece que ninguém está a dar grande crédito a estas obras ou, mais grave - e aí já devemos questionar se a editora estará, ou não, a fazer um bom trabalho de divulgação - ninguém sabe que as mesmas existem, sequer.

No entanto, já são cinco as "novelas gráficas” - como algumas editoras adoram denominar - que a Dom Quixote, chancela do Grupo LeYa, lançou por cá, desde 2022. Começou por lançar, de uma só vez, em 2022, os livros Aladdin e Frozen II, e, no ano passado, lançou mais três bandas desenhadas: O Rei Leão, A Pequena Sereia e Encanto. Decidi fazer a leitura conjunta destes cinco livros e é disso que vos falo hoje.

Estes são livros que procuram ser fiéis aos filmes de animação da Disney, todos eles grandes blockbusters, e, em vez de adotarem o registo típico de “livro de ilustração”, como é fácil de encontrar milhentas versões em livrarias, utilizam a linguagem e forma da banda desenhada. É verdade que, especialmente em alguns casos, estes livros não vão além de uma mera transposição do filme para a banda desenhada, mas, não obstante, continuam a ser uma porta de entrada credível para a 9ª arte.

Há que dizer que estes cinco livros se podem dividir em dois grupos diferentes: o daqueles que parecem estar apenas a “cumprir calendário”, sendo um pouco mais "preguiçosos" na forma como passam para banda desenhada as histórias originais, e um segundo grupo, com livros que almejam algo mais e que, por isso mesmo, acabam por funcionar melhor enquanto banda desenhada.

Vamos ao primeiro grupo, onde insiro os livros Aladdin, A Pequena Sereia e O Rei Leão. Com alguma pena minha, uma vez que qualquer um destes três filmes de animação marcou - e muito - a minha infância, pois conheço-os de cor e salteado, são estes os três livros mais fracos deste grupo. E quando digo “fracos”, não pretendo dizer que, quando oferecidos a crianças, não cumpram bem a sua tarefa de contar a história, utilizando a boa escola de desenho da Disney e, ao mesmo tempo, servindo como uma introdução à banda desenhada. Se esse é o propósito desta coleção da Dom Quixote, até acho que a prova acaba por ser superada.

Todavia, são livros que se colam em demasia aos filmes, conseguindo ser apenas uma reprodução menos conseguida dos mesmos. Quase como se fossem meros storyboards dos próprios filmes. Assim, são vários os casos onde a colagem ao filme é tanta que até se introduziram partes do mesmo que eram descartáveis para uma adaptação para banda desenhada, com menos de 50 páginas. Um exemplo claro é a divertidíssima cena do filme A Pequena Sereia, entre o caranguejo Sebastião e o infame cozinheiro do palácio de Eric. Se, no filme, essa é uma cena fantástica, no livro não é especialmente divertida, não capta bem o ritmo do filme e, bem, não acrescenta nada à história. Ocupa páginas que poderiam ter sido melhor aproveitadas para outras partes da narrativa. Porque é que os autores decidiram mantê-la na “novela gráfica”? Bem, porque quiseram “cumprir calendário” e assegurar-se que nada do filme ficava de fora. Mas, ao fazê-lo, acabaram ofercer-nos algo feito “à pressão”. E atenção que dei este exemplo, mas podia dar outros. Também em termos de desenho, é óbvia a ligação aos filmes da Disney. O que é ótimo e uma garantia de qualidade. Mesmo assim, são desenhos que apenas cumprem de forma decente a sua missão.

Agora, falando no segundo grupo, onde estão inseridos os livros Frozen II e Encanto, a proposta que nos é dada é bastante superior em termos qualitativos. Especialmente, em Encanto que, curiosamente, é o único destes cinco livros que tem um formato mais pequeno que os outros. E tanto em Frozen II, como em Encanto, dois filmes bem mais recentes do que os outros três de que já falei, quer em termos de adaptação do argumento, quer, com mais veemência, nos desenhos que nos são dados, temos propostas que considerei bastante interessantes.

Em Frozen II, o estilo de ilustração é em remete-nos para a pintura, com um tipo de desenho rico, onde as cores são belíssimas. Há uma ligação clara às personagens do filme, mas, mesmo assim, o livro consegue ter uma linguagem gráfica própria. Coisa que me deixou bastante satisfeito. Fui ver Frozen II com a minha filha ao cinema e lembro-me que não fiquei especialmente satisfeito com o filme, na altura. Mas, em banda desenhada, até acho que consegui desfrutar mais da história.

Encanto, é um livro verdadeiramente belíssimo ao nível das ilustrações. Tanto, que talvez os leitores adultos até possam encontrar nesta proposta, um belo livro para si mesmos. É claro que qualquer um destes cinco livros, ao nível do argumento, nos dá uma história com uma solidez meramente aceitável, o que também se compreende por esta ser uma proposta mais direcionada para os mais jovens.

Mesmo assim, e especialmente em relação aos desenhos de Encanto, volto a dizer que fiquei bastante bem impressionado com a riqueza ao nível cénico, de personagens e de cores dos desenhos de Enrico Soave, o ilustrador deste livro. É um livro muito, muito bonito.

As edições destes livros são em capa dura brilhante, com um belo grafismo e onde se torna claro que houve uma preocupação em fazer capas muito bonitas e apelativas. No miolo, o papel é brilhante e a impressão e a encadernação têm boa qualidade. Antes de cada história começar, há sempre uma breve apresentação de cada uma das personagens de cada livro e, tendo em conta o público a que os livros (mais) se destinam, parece-me algo positivo. Conforme já referi, apenas Encanto apresenta um formato menor em relação aos outros livros.

Em suma, não sendo estes livros fantásticas obras de banda desenhada - embora dois deles até me tenham surpreendido positivamente - o ponto mais importante a reter é que esta é uma coleção que faz todo o sentido e que tem o potencial de aproveitar o sucesso dos filmes Disney para trazer para a banda desenhada os leitores mais jovens. Não tenho nada - mas mesmo nada! - contra os livros de ilustração de filmes da Disney… mas as bandas desenhadas dos mesmos filmes parecem-me propostas mais aliciantes por vários motivos. E, portanto, espero que esta coleção continue. Quanto aos leitores adultos que me leem, mesmo que não vão a correr para comprar estes livros para si mesmos, têm aqui boas propostas para presentes para as crianças e jovens que vos rodeiam. Já será um passo positivo para que a BD seja incrementada nos hábitos de leitura dos jovens portugueses.


NOTAS FINAIS (1/10):
Aladdin: 6.0
Frozen II: 7.5
A Pequena Sereia: 5.0
O Rei Leão: 6.5
Encanto: 7.8



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Fichas técnicas
Aladdin – Novela Gráfica
Autores: Xavier Vives Mateu, Jaime Diaz Studio e Andrea Cavallini
Editora: Dom Quixote
Páginas: 64, a cores
Encadernação: capa dura
Dimensões: 212 x 287 mm
Lançamento: Abril de 2022


Frozen II – Novela Gráfica
Autores: Alessandro Ferrari, Manny Mederos, Giulio Rincione
Editora: Dom Quixote
Páginas: 64, a cores
Encadernação: capa dura
Dimensões: 212 x 287 mm
Lançamento: Abril de 2022


O Rei Leão – Novela Gráfica
Autores: Bobbi JG Weiss, Pepe Nymi e Andrea Cavallini
Editora: Dom Quixote
Páginas: 64, a cores
Encadernação: capa dura
Dimensões: 212 x 287 mm
Lançamento: Março de 2023


A Pequena Sereia – Novela Gráfica
Autores: Tom Anderson, Pepe Nymi e Andrea Cavallini
Editora: Dom Quixote
Páginas: 64, a cores
Encadernação: capa dura
Dimensões: 212 x 287 mm
Lançamento: Março de 2023


Encanto – Novela Gráfica
Autores: Tea Orsi, Enrico Soave e Chris Dickey
Editora: Dom Quixote
Páginas: 64, a cores
Encadernação: capa dura
Dimensões: 169 x 242 mm
Lançamento: Maio de 2023

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Gradiva lança novo volume de Lonesome!



A Gradiva prepara-se para lançar, a partir do próximo dia 5 de Março, o quarto volume de Lonesome, de Yves Swolfs, intitulado O Território do Feiticeiro!

Por agora, o livro já se encontra em pré-venda no site da editora.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.


Lonesome #4 - O Território do Feiticeiro, de Yves Swolfs

Kansas, Janeiro de 1861.

O senador Dawson, responsável por boa parte das desgraças que aconteceram aos filhos, e culpado de inúmeras ações criminosas, refugiou-se na floresta, nas terras de Cromley, um temido satanista, com quem tinha ligações. 

Quis o destino que a família se reunisse. 

Razões diferentes levaram-nos ao mesmo local. 

Pela frente, um desafio verdadeiramente diabólico!



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Ficha técnica
Lonesome #4 - O Território do Feiticeiro
Autor: Yves Swolfs
Editora: Gradiva
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 23,30 x 31,30
PVP: 20,99€

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Análise: O Lobo

O Lobo, de Jean-Marc Rochette - Arte de Autor

O Lobo, de Jean-Marc Rochette - Arte de Autor
O Lobo, de Jean-Marc Rochette

Lançado pela Arte de Autor conjuntamente com A Universidade das Cabras, de Christian Lax, do qual também falarei nos próximos dias, este O Lobo, da autoria de Jean-Marc Rochette, é uma das novas apostas da editora portuguesa. Do mesmo Jean-Marc Rochette, relembro, já tínhamos visto publicado em Portugal O Expresso do Amanhã pela editora Levoir na sua sexta coleção de Novelas Gráficas.

O Lobo era um livro que eu já tinha debaixo de olho há alguns anos e, quando soube da aposta da Arte de Autor no mesmo, fiquei bastante empolgado. Era, de resto, uma das obras que mais expectativa me estava a causar para este ano de 2024. Depois de feita a leitura, posso dizer-vos que estamos perante um excelente livro. Daqueles que pode trazer mais ao leitor do que aquilo que, à primeira vista, pode parecer.

Esta é uma história verdadeiramente cinematográfica. Muito visual, com longos períodos sem fala, onde o leitor é convidado a uma certa dose de contemplação. Diria, até, que este é um daqueles livros de banda desenhada que, de tão cinematográfica ser a sua abordagem, parece pronto para filmar. Só falta arranjar o ator - e um Robert Redford seria, quanto a mim, uma boa escolha - e partir para uma qualquer região montanhosa árida e cheia de neve, para começar a filmar. E arranjar os animais, claro.

O Lobo, de Jean-Marc Rochette - Arte de Autor
E os animais têm neste O Lobo uma especial relevância, sendo personagens tão ou mais importantes que o protagonista, Gaspard. Mas, já lá irei.

A história passa-se nas montanhas do Vale de Vénéon, em França, onde, especialmente no inverno, a neve e as condições atmosféricas são por demais rígidas e austeras para a vida. Para a humana e para a vida animal. Mas, bem, não serão os homens meros animais? Depois de finda a leitura deste O Lobo, essa ideia torna-se inequívoca.

Gaspard é um pastor que vive apenas com a companhia do seu fiel cão pastor, Max, e do seu rebanho de ovelhas. Por opção pessoal, vive isolado do mundo, apenas deslocando-se à “civilização” para se abastecer e se preparar para os invernos frios que enfrenta. Mas, à semelhança de todos os outros pastores, também Gaspard tem de lidar com o problema dos lobos que andam sempre à espreita de um deslize para poder atacar essas belas e suculentas ovelhas.

E quando os caminhos de Gaspard e de um lobo branco se cruzam, desenvolve-se um conflito que causará perdas a ambos e que passa a sedimentar uma enorme rivalidade e sede de vingança mútua. Gaspard quer matar o lobo branco… e o lobo branco quer matar Gaspard. Gaspard alimenta os seus instintos de animal, enquanto o lobo desenvolve a sua sede de vingança, um sentimento que, normalmente, associamos à condição de se ser humano. 

O Lobo, de Jean-Marc Rochette - Arte de Autor
Não revelarei o porquê deste conflito, nem o desenlace do mesmo, sob pena de poder estragar o prazer de leitura aos meus leitores. Mas posso dizer-vos que a história assume depois, um cariz de fábula onde, recorrendo à ficção, Rochette nos traz relevantes e pertinentes reflexões para o mundo que temos. E para a forma como o condicionamos através da própria existência de nós, humanos, enquanto espécie. Ao longo dos séculos, temos vindo a utilizar o mundo e a natureza apenas para a satisfação dos nossos interesses humanos, sem ter em conta a vida de tantas outras espécies, de tantos outros animais. Não será tempo de o Homem repensar a sua forma de encarar o mundo enquanto uma coisa, enquanto um objrto, enquanto algo que é totalmente seu? Será o mundo que pertence ao homem ou será o homem que pertence ao mundo?

Até porque, lá está, aos olhos da natureza – se é que a mesma tem olhos -, o homem é apenas mais uma das suas criaturas. Mais outro animal. Mas se somos animais racionais, caber-nos-á pensar o mundo com mais e melhor racionalidade. Talvez venhamos, então, a verificar que a coexistência entre todas as espécies e formas de vida, com respeito mútuo, é possível. Não é uma fábula, é uma possibilidade. E mesmo que, neste caso concreto, os pastores se vejam forçados a proteger as suas vidas, bem como a dos animais que pastoreiam, as vidas dos animais selvagens também devem ser protegidas. Pelo menos em termos de ecossistema natural, todas as vidas têm o seu lugar e o seu valor.

O Lobo, de Jean-Marc Rochette - Arte de Autor
É verdade que a história até pode parecer simples e detentora de uma certa sensação de déjà vu. Relembra até muitos filmes e livros onde as condições climatéricas perversas parecem levar a melhor sobre os homens. Mas, não inventado a roda, é verdade que a história pensada por Rochette está bem contada e o desenlace final do argumento, acaba por trazer esta bela e importante mensagem que já referi. Não ficando logo empolgado nas primeiras páginas, confesso que gostei bastante da sensação final com que fiquei após a leitura da obra.

O desenho de Rochette assume um belo registo. O seu traço é grosso, sujo e confiante, sendo depois colorido por Isabelle Merlet com cores saturadas nos ambientes caseiros e cores frias nos ambientes gelados da montanha, que os embelezam. As bonitas e áridas paisagens das montagens carregadas de neve estão, pois, muito bem caracterizadas por Rochette. Se o pastor e os animais são personagens... a montanha também acaba por ser uma personagem omnipresente. E omnipotente. Em termos imagéticos, reconheço que até fui remetido para outras belas bandas desenhas como, por exemplo, Em Busca de Peter Pan, de Cosey, ou, especialmente, Acender Uma Fogueira, de Chabouté.

A edição da Arte de Autor é muito boa. O livro apresenta capa dura, de textura aveludada, com detalhes a verniz. O trabalho de encadernação, impressão e de escolha de papel também é muito bom e, no final, a edição é complementada por um posfácio de Baptiste Morizot, que desenvolve bem os temas levantados pela obra, enquanto o seu texto é adornado por alguns esboços de Rochette.

Em suma, O Lobo é (mais) uma excelente proposta da Arte de Autor. Leva-nos para esses ambientes inóspitos, violentos, mas incrivelmente belos, das montanhas geladas, enquanto também tem o dom e o sentido de oportunidade de deixar bem claro que é urgente que o homem consiga encontrar o seu lugar no planeta, sem colocar em causa o lugar de todas as outras formas de vida. Bela leitura!


NOTA FINAL (1/10):
8.9



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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O Lobo, de Jean-Marc Rochette - Arte de Autor

Ficha técnica
O Lobo
Autor: Jean-Marc Rochette
Editora: Arte de Autor
Páginas: 112, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 202 x 285 mm
Lançamento: Janeiro de 2024

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Análise: Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas

Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton - Relógio D' Água

Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton - Relógio D' Água
Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton

Uma das coisas boas que a arte tem, é aquela que nos faz mudar. Que nos faz pensar. Que nos alarga os horizontes. Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton, editado pela Relógio D’Água, é uma dessas bandas desenhadas que lança luz para um tema que se tem mantido nas sombras. Melhor dizendo, o tema nem tem estado propriamente “nas sombras”, mas talvez não tenha recebido a "iluminação certa", por assim dizer. E uma coisa que acho interessante e curiosa é que, comercialmente falando, esta obra tenha sido apresentada como “um testemunho sobre as Areias Petrolíferas do Canadá”. Sim, é esse o enquadramento. Mas será o enquadramento básico e mais preguiçoso. Porque apresentar Patos apenas como isso, é deveras redutor. Isto porque, e voltando ao tema que considero não estar a ser devidamente “iluminado”, Patos é uma obra onde nos é revelado o quão desagradável e intrusiva pode ser a relação mundana e casual de uma mulher com homens. Especialmente, se for num local onde a maioria da população é do sexo masculino.

Muito se tem dito e escrito sobre o tema e é comum e natural que o mundo esteja, silenciosa e gradualmente a mudar. As mulheres são, nos dias de hoje, mais respeitadas do que eram há 10 anos, há 50 anos, há 100 anos. Ótimo! No entanto, quer parecer-me que o tema do assédio é parcamente explicado. Especialmente o “assédio leve”. Se é que podemos chamar “leve” a qualquer que seja o tipo de assédio. O que é o assédio, afinal de contas? Sei que é um tema que é amplo e que dá pano para mangas. E que, infelizmente, será sempre avaliado através de uma ótica de subjetividade. Por mais objetivos que, enquanto sociedade, tentemos ser. Mas o assédio não é apenas o toque ou o contacto sexual sem permissão do/a outro/a. E é sobre isso que Patos nos convida a refletir. Sempre nas entrelinhas.

Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton - Relógio D' Água
A história é-nos contada na primeira pessoa por Kate Beaton, autora canadiana, natural do Cabo Bretão, onde as oportunidades de acesso a uma vida mais condigna não são tão fáceis como o mundo ocidental gostaria de admitir. E, para complicar a situação, e à boa maneira da realidade norte-americana, Kate contrai um empréstimo para pagar os seus estudos universitários. E agora que os terminou, o seu primeiro objetivo é liquidar essa dívida. Para tal, a proposta mais ajustada parece ser o rumo ao oeste, em busca de um trabalho, que pague bem, nos campos de extração de petróleo de Alberta - as "areias petrolíferas”. Tal como o capitalismo norte-americano tem assumido, desde sempre, os trabalhos em indústrias rentáveis são bem pagos e aceitam o trabalho de qualquer um. Mas, claro, sempre a troco de um trabalho árduo e constante.

Convicta de que esta é a forma de amealhar rapidamente algum dinheiro, a jovem Kate, com apenas 22 anos, parte para as areias petrolíferas, mesmo que os seus pais tenham alguma dificuldade em aceitar a sua escolha. Mas é só quando chega ao oeste canadiano que Kate se depara com as condições duras de trabalho que ali se vivem. As habitações são precárias, o frio é muito e, mais importante que isso ainda, ali leva-se uma existência onde o isolamento é enorme e a solidão é uma constante. E muitos dos que ali trabalham optam pelo recurso às drogas recreativas para fazerem face ao seu duro e solitário quotidiano. Isto já seria um complexo conjunto de privações para ter de enfrentar e, sinceramente, achei que era “apenas” sobre isso que o livro tratava. Porém, e afinal de contas, o tema do assédio constante, gratuito e quase fisiológico por parte dos colegas de Kate é, por ventura, o tema mais premente e subjacente a todos os intentos artísticos da autora. Pelo menos, foi isso que mais me ficou na retina.

E o que achei especialmente curioso não é o tema que, como já referi, até tem sido bastante explorado em criações artísticas (não só em banda desenhada). Não. O que considerei curioso é a forma meramente ilustrativa e referencial que a autora utiliza para nos introduzir a esse tema e a essa experiência pessoal. Não vemos em Patos grandes cenas dramáticas que ilustrem o assédio constante que ali se vive (salvo duas marcantes e amarguradas exceções). Ao invés, o que observamos é um quotidiano onde o assédio, o piropo e a insinuação dos homens é uma constante na rotina diária laboral de Kate. E por dois motivos apenas: só porque ela é uma mulher e porque está num universo laboral onde há 50 homens por cada mulher.

Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton - Relógio D' Água
Poderão dizer-me - e eu confesso já o ter dito algumas vezes, noutras ocasiões - “Ah, mas um piropo é uma coisa assim tão má? Um piscar de olho é assim tão desconfortável? Perguntar a uma mulher se ela tem namorado é assim tão mau?”. Eu tinha uma resposta para estas questões, mas, depois de ler Patos, não tenho pudores em admitir que a minha resposta automática pode ter mudado. Talvez essas perguntas não sejam assim tão más, admito, mas, e é este o ponto que devemos reter: apenas e só quando são ditas de uma forma avulsa e rara. Não quando essas perguntas são ditas constantemente. A toda a hora. Em qualquer ocasião. E foi precisamente nesse ponto que Kate Beaton conseguiu fazer surgir uma mudança no meu entendimento da questão. E no entendimento de muitos outros homens e mulheres, espero.

Com efeito, são tantas e tantas as vezes que, durante as mais de 400 páginas desta obra, vemos este tipo de assédio, chamemos-lhe, com precaução, o “assédio leve”, que, às tantas, se torna enfadonho e chato. Dei comigo a pensar: “mas será que estes homens podem deixar a mulher em paz?”. Mas, imaginem, se ler um livro me fez ficar cansado pelo constante “assédio leve” de que as mulheres são alvo, imaginem o que é ser uma mulher a viver isto durante toda uma vida. É, portanto, nesse ponto que Patos consegue sobressair face às restantes obras que abordam temas semelhantes. Não sei se este exercício narrativo, repetitivo, foi meramente involuntário… mas lá que resultou, disso não há quaisquer dúvidas.

O tema do assédio não se fica por aqui. Kate Beaton vai mais longe, ao chamado “assédio pesado”, e retrata-nos duas violações de que é vítima por parte de colegas. Estava embriagada, sim. Mas, na hora da verdade, a sua mente e o seu corpo disseram-lhe que não queria envolver-se sexualmente com aquelas pessoas. E referiu que não queria avançar no ato. Mas os homens com quem estava naqueles momentos não quiseram saber disso. Aqui o relato torna-se, expetavelmente, mais chocante, deixando o leitor com um nó na garganta. E o trabalho narrativo-visual da autora nestes dois momentos é muito bem conseguido, procurando não ser gráfico, mas sim deixar nas entrelinhas, naquilo que não é dito nem é desenhado, o drama vivido. Além de que não é todos os dias que vemos um autor a contar na primeira pessoa um trauma semelhante a este. Tiro o chapéu à forma corajosa com que a autora se expõe em Patos.

Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton - Relógio D' Água
De resto, e falando da história, vão-nos sendo dados vários momentos do dia-a-dia da autora. Em termos de narrativa, não gostei muito que a história avançasse, de vez em quando, em saltos temporais, sem mais nem menos. Pareceu-me algo abrupto. Não é grave, mas esses saltos temporais poderiam ser dados de forma mais orgânica.

Falando nos desenhos, o trabalho de Kate Beaton não me deixou especialmente cativado, embora tenhamos que admitir que as ilustrações que nos são dadas têm a eficiência necessária para contar a história. Contudo, devo admitir que como são várias as personagens com quem Kate se vai cruzando ao longo da sua estadia de mais de dois anos nas areias petrolíferas, por vezes torna-se difícil para o leitor perceber que personagem é aquela, dado que todas elas são tão semelhantes, talvez pelo facto de a autora não dispor da capacidade de, visualmente falando, conseguir diferenciar suficientemente bem as várias personagens com o seu desenho simples, “cartoonesco” e linear. Talvez até seja por isso que, no início de cada capítulo, a autora nos presenteia com uma página com uma legenda de “quem é quem” no capítulo que se segue.

Mesmo assim, com uns desenhos que não são propriamente belos, a autora conseguiu dois pontos que considero bastante positivos: por um lado, a opção por uma bicromia, com uma paleta em tons de azul, foi uma boa escolha, dando unidade visual à obra e conseguindo aquele efeito gelado que nos remete bem para o frio experienciado pelas personagens; por outro lado, na parte das ilustrações dos cenários, a autora conseguiu revelar um bom talento técnico, sendo capaz de transpor para os seus desenhos a grandeza, solitude e aridez das areias petrolíferas, bem como a sensação de pequenez do homem - ou, neste caso, da mulher - face à maquinaria industrial de proporções gigantescas com que estas empresas de extração de petróleo operam.

Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton - Relógio D' Água
A edição da Relógio D’Água é em capa mole, com badanas, e com um belo papel que aumenta a espessura e robustez da obra. A impressão e a encadernação são boas, embora eu recomende que os leitores tenham cuidado a manusear o livro quando o lerem. Como é um livro muito espesso e em capa mole, se, durante a leitura, o abrirem muito, ficarão com a lombada carregada de vincos. Tive muito cuidado com o meu exemplar e, mesmo assim, não pude evitar que o mesmo não ficasse com alguns vincos. A edição desta obra é ainda complementada com a introdução de um posfácio por parte da autora.

Permitam-me que vos deixe com a nota de que as imagens promocionais partilhadas pelo site da editora para este livro, que eu trambém partilhei aqui no Vinheta 2020 há uns dias, não correspondem à impressão do trabalho. Por alguma razão, essas páginas promocionais não apresentavam os contornos nos desenhos mas, felizmente, isso não acontece na impressão do livro, que é boa. Como tal, permitam-me sossegar-vos quanto a isso. Podem comprar o livro à confiança, sem medo desta questão.

Esta é, pois, uma obra bastante completa em todos os pressupostos que traz consigo. Por um lado, é um livro sobre o “assédio leve” dos homens perante as mulheres, que dura uma vida e com o qual as mulheres têm de viver. Por outro lado, a obra oferece-nos outro tipo de reflexões relevantes. Sendo que uma delas é a constatação que, mesmo num país tão desenvolvido como o Canadá, que é porta de entrada para uma multiplicidade de etnias e onde todos são bem-vindos e bem acolhidos, atualmente ainda são dadas condições de trabalho muito precárias aos cidadãos e continua-se a apostar em indústrias com uma pegada ambiental tão grande e tão devastadora. Portanto, quer queiramos, quer não, acaba por ser o capitalismo o grande ditador do modus vivendi do país.

Em suma, é um livro que acabou por me encher as medidas. Não fiquei logo tocado ou impressionado com aquilo que Kate Beaton parecia ter para nos oferecer, mas, à medida que ia progredindo nas mais de 400 páginas deste colosso, acabei por me render à evidência que este será um dos grandes livros (no sentido qualitativo) de banda desenhada, lançados em Portugal, em 2024. Dou os parabéns à Relógio D’Água pela proposta. Este passou a ser o melhor livro de banda desenhada do catálogo da editora.


NOTA FINAL (1/10):
9.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton - Relógio D' Água

Ficha técnica
Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas
Autora: Kate Beaton
Editora: Relógio D'Água
Páginas: 440, a cores (em tons de azul)
Encadernação: Capa mole
Formato: 17,15 x 22,86 cm
Lançamento: Fevereiro de 2024

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Análise: Farsa de Inês Pereira

Farsa de Inês Pereira, de André Morgado e Jefferson Costa - Levoir - RTP

Farsa de Inês Pereira, de André Morgado e Jefferson Costa - Levoir - RTP
Farsa de Inês Pereira, de André Morgado e Jefferson Costa

A adaptação para banda desenhada da peça de teatro Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente, corresponde ao segundo livro da coleção Clássicos da Literatura Portuguesa, que a editora Levoir tem vindo a lançar conjuntamente com a RTP.

Os autores responsáveis pela adaptação para BD deste clássico escrito em 1523 pelo mais famoso dramaturgo português, são o português André Morgado e o brasileiro Jefferson Costa. E digo-vos, desde já, que esta parceria intercontinental parece ter resultado em pleno, pois o resultado desta adaptação agradou-me bastante. Se, em Mensagem, referi que a junção de Pedro Vieira de Moura e Susa Monteiro tinha sido uma boa ideia, neste caso também tenho de admitir que André Morgado consegue, por um lado, recuperar o humor, pleno de sátira, de Gil Vicente, enquanto que Jefferson Costa, com o seu traço (aparentemente) tosco, mas belo, dá vida às personagens de forma orgânica e convincente.

Farsa de Inês Pereira, de André Morgado e Jefferson Costa - Levoir - RTP
Escrita no período do Renascimento, a Farsa de Inês Pereira - bem como qualquer outro trabalho de Gil Vicente - é um retrato, nu e cru, da sociedade renascentista portuguesa, funcionando como se de um frame congelado no tempo se tratasse. Um fóssil histórico-social, portanto. E o mais saboroso e demais lusitano, diria, é que os traços que caracterizavam os nossos antepassados portugueses há mais de 500 anos, continuam bem presentes na sociedade portuguesa nos dias de hoje.

A história gira em torno de Inês Pereira, uma mulher preguiçosa e vaidosa que, sentindo tédio por estar em casa, sonha em casar-se para almejar uma vida melhor. E, por vida melhor, Inês não deseja propriamente um casamento com um homem rico, mas sim com alguém que seja sedutor… que seja sofisticado, que lhe faça as vontades. Recusando o interesse de um rapaz de natureza simples e rude, Inês acaba por se casar com um homem galã, de aparentes boas maneiras e de palavras caras. Parece ser o “match” perfeito para a protagonista!

E, a partir daí, são várias as situações cómicas e divertidas que vão desfilando perante nós. Gil Vicente era um génio na forma como conseguia veicular as suas ideias impregnadas dos valores e moral certos - pelo menos, à época - através de personagens estereotipadas. Por ventura, e à luz dos dias de hoje, estereotipadas de uma forma demasiado unidimensional, temos que admitir. No entanto, estes textos foram escritos há 500 anos, e, mesmo passado tanto tempo, ainda fazem sentido nos dias da atualidade. 

Farsa de Inês Pereira, de André Morgado e Jefferson Costa - Levoir - RTP
Inês Pereira é o claro e clássico exemplo da mulher preguiçosa e ingénua, que é facilmente enganada pela promessa de uma vida fácil. O seu marido é um perfeito “brutamontes” que exerce toda a sua força machista e viril sobre a sua esposa que, para ele, não é mais do que um objeto de posse; enquanto que o primeiro pretendente de Inês é aquilo a que, na gíria, chamamos de bom e velho “banana”. Passaram-se séculos e até me atrevo a dizer-vos, numa nota pessoal, que, quando olho à minha volta, vejo que esta última estirpe dos “bananas” se tem solidificado nos tempos atuais. De qualquer maneira, é preferível que haja mais "bananas" do que "brutamontes". Disso, não haja a menor dúvida. Mas avancemos.

A peça também apresenta críticas sociais e morais, destacando a importância do trabalho diligente e honesto, em contraste com a ociosidade e a busca por riqueza fácil. Gil Vicente usa o humor e a sátira para explorar temas como a vaidade, a ganância e as ilusões da sociedade da sua época.

Ao contrário daquilo que João Miguel Lameiras fez na sua adaptação de outra conhecida obra de Gil Vicente, Auto da Barca do Inferno - que, com desenhos de Joana Afonso, também recebeu uma adaptação para banda desenhada - em que o texto original da peça foi mantido, neste Farsa de Inês Pereira, André Morgado optou por adaptar a linguagem aos tempos atuais. A meu ver, ambas as opções são válidas. Por um lado, considero que manter o texto original é uma decisão que joga mais pelo seguro. Mas também é verdade que o resultado final desta opção corre o risco de apresentar um texto demasiado arcaico para o público atual – e, no caso da obra de Gil Vicente, com um português já tão afastado do português que hoje em dia utilizamos, isso é mais premente. Por outro lado, e tendo em conta que se trata de uma obra de sobeja relevância, também há o risco de, adaptando o texto para o português atual, se “estragar” a obra, desvirtuando-a e arruinando os seus intentos.

Farsa de Inês Pereira, de André Morgado e Jefferson Costa - Levoir - RTP
Mas - e, lá está, como em tudo na vida - há sempre o lado bom e mau para qualquer coisa e, com efeito, adaptando o texto original para um texto mais atual, funcionando bem, pode ser uma lufada de ar fresco e um novo modo de modernizar a obra, levando-a, com mais facilidade, a um público que, de outra forma, poderia não pegar na mesma. Felizmente, parece-me que foi isto que André Morgado fez. Arriscou e saiu-se bem nessa empreitada. Os diálogos parecem-me bem pensados, os momentos mais relevantes da obra original são mantidos e há um ritmo narrativo que funciona bem em banda desenhada.

É verdade que, dirão os puristas, esta hipótese deixa que caia por terra a riqueza histórica e tradicional da parte linguística da obra original. Mas, em oposição a isso, também fica mais “digerível” para os jovens que pegarão neste livro como complemento à leitura da obra original. Nesta questão mantenho-me, portanto, neutro. Há vantagens e desvantagens. E o que mais interessa, pelo menos na minha opinião, é que, de uma forma ou de outra, o livro acabe por funcionar bem. Como é o caso deste Farsa de Inês Pereira.

Farsa de Inês Pereira, de André Morgado e Jefferson Costa - Levoir - RTP
Quanto ao trabalho de Jefferson Costa, que eu só conhecia dos trabalhos feitos para as Graphic MSP, para a personagem da Turma da Mónica, Jeremias, devo dizer que corresponde muito bem àquilo que Farsa de Inês Pereira pedia. O autor apresenta um traço rápido e sujo, que transpira segurança e que, mesmo sendo um estilo de desenho “cartoonesco”, que aparenta ser urgente e genuíno na forma e no output final, consegue criar personagens memoráveis e ter um dinamismo muito interessante. Em certa medida, e sempre com as devidas distâncias, lembrou-me do trabalho do autor português Jorge Miguel no seu O Fado Ilustrado.

A edição da Levoir mantém-se em linha com o expetável: capa dura baça, boa encadernação, boa impressão e bom papel no miolo. Temos, novamente, um bom dossier de extras sobre a vida e obra de Gil Vicente, aumentando o cariz didático da proposta editorial.

Em suma, esta nova coleção da Levoir parece navegar para bom porto, já que este Farsa de Inês Pereira consegue ser uma boa proposta de leitura e, em somatório, uma possível porta de entrada na banda desenhada por parte de um público menos habituado às lides da 9ª arte.


NOTA FINAL (1/10):
8.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Farsa de Inês Pereira, de André Morgado e Jefferson Costa - Levoir - RTP

Ficha técnica
Farsa de Inês Pereira
Autores: André Morgado e Jefferson Costa
Adaptação a partir da obra original de: Gil Vicente
Editora: Levoir
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 285 mm
Lançamento: Fevereiro de 2024

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Já há novidades sobre o 2º LouriBD!



A Organização do LouriBD apresenta imagem e algumas novidades para a segunda edição deste evento de Banda Desenhada, que começa no próximo dia 18 de Março. Sensivelmente daqui a um mês. E, para além da presença de vários autores nacionais, a Organização anuncia a vinda de um autor internacional!

É ele o italiano Andrea Ferraris, autor de Churubusco ou Cicatriz.

De resto, o evento, que este ano ocorre durante um só fim de semana, conta com exposições, lançamentos de livros, sessões de autógrafos, worshops, feira do livro, concertos ilustrados e a projeção de um filme de animação português.

Mais abaixo, deixo-vos com a nova imagem do evento, bem como com a nota de imprensa da Organização do LouriBD.




2º LOURIBD – Festival de Banda Desenhada da Lourinhã

LouriBD traz os monstros à Lourinhã

Entre os dias 18 e 24 de março de 2024 realiza-se a segunda edição do LouriBD - Festival de Banda Desenhada da Lourinhã, uma parceria entre o Município da Lourinhã e a editora local Escorpião Azul, com o apoio da Antena 1.

Esta festa da banda desenhada contará com conversas, workshops, lançamento de livros, sessões de autógrafos, feira do livro de BD e fanzines, concerto ilustrado, exposições de peças de arte, bem como pranchas originais de banda desenhada. Conta com a presença de inúmeros autores portugueses - foco central deste festival - e nesta edição com um convidado internacional, o autor italiano Andrea Ferraris.

Este ano o LouriBD aposta no tema dos monstros, que podem surgir de vários ambientes diferentes – como o da arte popular, o das lendas e mitologias, o da imaginação ou os da investigação científica de fauna e flora, entre vários outros universos. Nesta ótica, será exibida a primeira longa-metragem de animação portuguesa, feita em stop-motion, Os Demónios do Meu Avô, contando com uma conversa com o realizador Nuno Beato.

A banda desenhada será abordada através da aventura, do suspense, do terror, do mistério e da ficção científica, bem como da celebração dos cinquenta anos do 25 de Abril, através do lançamento e respetiva exposição do livro E Depois do Abril, dos autores Filipe Duarte e André Mateus.

Pretende tornar acessível e aproximar todas as pessoas, independentemente das idades, à 9ª arte, afirmando este género literário como único e dotado de um enorme potencial artístico e cultural.

A entrada é livre e a programação é acolhida no Centro Cultural da Lourinhã e Biblioteca Municipal da Lourinhã.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Análise: Dylan Dog - Picada Mortal

Dylan Dog - Picada Mortal, de Alberto Ostini e Francesco Ripoli - A Seita

Dylan Dog - Picada Mortal, de Alberto Ostini e Francesco Ripoli - A Seita
Dylan Dog - Picada Mortal, de Alberto Ostini e Francesco Ripoli

Depois de um ano sem editar qualquer livro de Dylan Dog, a editora A Seita começou 2024 com o lançamento de mais um número para a sua coleção Aleph - dedicada à publicação de fumettis da Bonelli - que já conta com mais de uma dezena de livros publicados. Todos eles - ou quase todos – são dedicados a essa personagem carismática que dá pelo nome de Dylan Dog.

Dylan Dog é, aliás, uma série de culto. Nem toda a gente gosta de Dylan Dog… mas quem gosta, gosta muito. Daí apelidar-se de “série de culto”. E sim, considero-me como pertencente ao culto!

Conhecido como o Detetive do Pesadelo, Dylan Dog é um investigador do paranormal e as suas aventuras levam-nos a cenários, premissas e ideias bastante amplas. Havendo elementos em comum em todas as histórias, como o charme natural de Dylan, as tiradas hilariantes do seu assistente, Groucho, eventos do fantástico e belas mulheres, não deixa de ser verdade que cada história tem a sua própria singularidade. É uma daquelas séries em que é perfeitamente natural que se adore uma história e se odeie outra história.

Dylan Dog - Picada Mortal, de Alberto Ostini e Francesco Ripoli - A Seita
Neste Picada Mortal, da autoria de Alberto Ostini e Francesco Ripoli, o conceito da história toca temas como a adição e a prostituição, enquanto assenta numa história de paixão, vivida a dois tempos: o tempo presente e os dias da adolescência de Dylan Dog.

A história arranca quando Dylan Dog, procurando um livro na sua biblioteca pessoal, acaba por dar de caras com uma noz que o remete para o passado. Aquela noz tem um significado especial, pois foi-lhe oferecida por Tiffany, uma bela rapariga com quem Dylan viveu um amor de verão na sua adolescência. Uma daquelas histórias que, sendo efémeras, com um princípio e um fim muito fechados em si mesmo, acabam por sempre nos deixar um sorriso na cara quando para elas somos remetidos através da memória. Mesmo que se passem anos ou décadas. E não acontece apenas com Dylan Dog, acontece com todos nós.

Depois de encontrar a tal noz entre os livros, e de um modo algo brusco - e aqui acho que o argumentista Ostini poderia ter imaginado uma forma mais orgânica e/ou credível - Dylan parte para Southeaven, uma pequena província onde conheceu Tiffany. Quando chega à cidade, encontra algo que, certamente, não estava à espera: não só Tiffany passou a ser uma prostituta, como a localidade se tornou num cenário para a prática de crimes hediondos. O assassino é conhecido como “River Man”, pois mata as suas vítimas, todas prostitutas, no rio que passa na localidade.

A presença de Dylan naquela terra faz com que o protagonista mergulhe nas suas memórias ali criadas com Tiffany, levando-nos também a nós, leitores, a esse passado doce, onde o romance era fácil e os planos eram complexos.

Mas, pelo menos pela parte de Tiffany, o passado sempre foi algo triste e pesado em demasia para carregar sozinha. A sua mãe era toxicodependente e prostituía-se com o único intento de amealhar algum dinheiro para a próxima dose. E, com um pano de fundo tão funesto como este, o aparecimento de Dylan Dog, com toda a sua doçura, cavalheirismo e bom trato, foi a lufada de ar fresco que a juventude de Tiffany precisava. Mas, como a vida é feita de encontros e desencontros, no final desse doce verão, Dylan Dog deixou aquela cidade para rumar a Londres. E isso acabou por levar Tiffany a percorrer as pisadas da sua mãe. Tornou-se prostituta e viciada em drogas.

Uma outra coisa interessante do ponto de vista narrativo, é que a história nos vai sendo contada pelo fantasma da própria Tiffany, o que deixa o leitor mais embrenhado em procurar os “porquês” e os “comos” daquilo que há de acontecer na história de Tiffany. Sabemos que a história vai acabar mal, mas não sabemos bem como. Mas será que acaba mesmo mal? Terão que ler o livro para o saber.

Dylan Dog - Picada Mortal, de Alberto Ostini e Francesco Ripoli - A Seita
Esta é uma bela obra onde o passado e o presente de Dylan Dog e Tiffany são bem explorados, dando-nos uma versão agridoce da sua relação amorosa e uma clara reflexão de como, por vezes, é difícil contrariar o futuro que, teimosamente, a vida parece ter reservado para nós. É mais uma bela história que, quanto a mim, ganharia mais se certos elementos da narrativa fossem menos bruscos. Isto é, aliás, uma crítica que faço a muitos fumetti que já pude ler: as ideias e conceitos narrativos são bons, mas, por vezes, parece-me que, em vez de “bons”, seriam “excelentes” com um pouco de mais aprumo na conceção das histórias. Um exemplo claro disto, é a ida de Dylan Dog de Londres para Southeaven, que já referi acima, mas também poderia dizer que o próprio desenvolvimento da ação e desenlace final, pediam menos brusquidão e mais páginas. Fico sempre com a ideia que, com mais páginas, muitos fumetti seriam (muito) melhores. E Picada Mortal é mais um desses exemplos. A apoteose narrativa sabe a pouco.

Mas não me entendam mal: este é, ainda assim, um bom livro e mais uma boa escolha por parte d’ A Seita. Digo apenas, com pesar, que, por pouco, não é excelente.

Dylan Dog - Picada Mortal, de Alberto Ostini e Francesco Ripoli - A Seita
Quanto às ilustrações de Ripoli, devo dizer que estamos perante um belo trabalho que faz jus à série. Com um eficaz traço a preto e branco, o autor sabe bem como nos mergulhar na imagética que associamos ao universo de Dylan Dog. Gostei especialmente do aspeto de Tiffany que é muito bela, mas sem ter aquela beleza esperada e já algo forçada da típica “loiraça boazona”. É bom variar, de vez em quando. E a personagem Tiffany é bonita, mas parece, ao mesmo tempo, muito real. Aquela mulher bonita que, de vez em quando, encontramos aqui e ali.

O autor muda o estilo de desenho e a forma das vinhetas quando nos oferece os flashbacks da juventude de Dylan e Tiffany. Algo semelhante ao que Carlo Ambrosini faz no magnífico O Imenso Adeus, que A Seita também já publicou. Aliás, agora que falo nisso, é bastante percetível a tentativa deste Picada Mortal em aproximar-se, quer em termos de ilustrações, quer em termos de argumento, de O Imenso Adeus. Mesmo assim, sendo este Picada Mortal um bom livro, não consegue ser tão bom como O Imenso Adeus, quanto a mim.

Relativamente à edição d’ A Seita, temos um bom trabalho. O livro apresenta capa dura baça, papel decente baço e boa encadernação e impressão. Nota positiva para o facto de, no final, o livro trazer um breve dossier de extras com 4 páginas com esboços e estudos para este livro.

Em suma, é bom verificar que a aposta d’A Seita na série Dylan Dog se mantém ativa. Picada Mortal é mais um bom pretexto para nos encontrarmos com essa personagem carismática, charmosa e romântica que dá pelo nome de Dylan Dog.


NOTA FINAL (1/10):
8.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Dylan Dog - Picada Mortal, de Alberto Ostini e Francesco Ripoli - A Seita

Ficha técnica
Dylan Dog - Picada Mortal
Autores: Alberto Ostini e Francesco Ripoli
Editora: A Seita
Páginas: 104, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 16,5 x 24 cm
Lançamento: Janeiro de 2024