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sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Há uma nova editora a lançar BD em Portugal!


E começa logo com o lançamento de duas adaptações de clássicas séries de animação que todos conhecemos e que são, curiosamente, e por sua vez, adaptações do clássico da literatura mundial Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas.

Falo de D' Artacão e os Três Moscãoteiros e de D'Artagnan e Os Três Mosqueteiros, duas séries televisivas de animação que marcaram várias gerações de crianças e jovens em Portugal. Eu não fui exceção.

Adorava as duas séries, mas a de D'Artagnan até teve mais importância para mim. Aquele plot twist com o Aramis (quem tiver visto a série saberá do que estou a falar) ainda continua na minha memória como o maior plot twist de todos os livros, séries e filmes com que me deparei na minha vida!

Ora, são duas obras direcionadas para um público mais juvenil - ou adulto, com nostalgia por uma infância feliz - que a Intelectual Editora edita por cá.

E há uma nota curiosa: o mangá D'Artagnan e Os Três Mosqueteiros não estará à venda para o público. Coisa algo inusitada, mas que tem uma razão: esse livro integra um projeto de responsabilidade social da editora, com o propósito de apoiar Bibliotecas Escolares, Municipais, e Associações. Portanto, o livro apenas deverá chegar às bibliotecas escolares e municipais. Se o o projeto me parece muito relevante, é de lamentar que a obra não possa chegar (também) a um público mais alargado.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse de ambas as obras e com algumas imagens promocionais.


D'Artacão e os Três Moscãoteiros, de Claudio Bien Boyd

Era uma vez os três, os famosos moscãoteiros, do pequeno D'Artacão, tão bons companheiros...

D’Artacão é um jovem corajoso e idealista que vive com os pais numa pequena aldeia da Gasconha. 

O seu o maior sonho é tornar-se um moscãoteiro do rei. 

Com o seu cavalo Rofty, D'Artacão parte numa aventura até Paris.


Lá, encontra Pom, um enérgico e divertido rato. Juntamente com os seus amigos moscãoteiros: Mordos, Dogos e Arãomis, D’Artacão descobrirá o valor da amizade e da justiça, numa luta interminável contra o maquiavélico cardeal Richelião e os seus cúmplices, o conde de Rocãoforte e a bela e perigosa gata, Milady, lutando contra o seu poder e as ameaças que pairam entre a França e a Inglaterra. 

Conseguirá D'Artacão tornar-se um moscãoteiro e conquistar o coração da sua amada Julieta?

Uma versão em banda desenhada do clássico televisivo dos anos 80, inspirada no famoso romance “Os Três Mosqueteiros” de Alexandre Dumas.

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Ficha técnica
D'Artacão e os Três Moscãoteiros
Autor: Claudio Biern Boyd
Editora: Intelectual Editora
Páginas: 90, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 21 x 26 cm
PVP: 12,90€




D'Artagnan e Os Três Mosqueteiros, de Koi Ishida

Neste emocionante mangá, inspirado no famoso clássico literário "Os Três Mosqueteiros", de Alexandre Dumas, viajamos até à França do século XVII.

D'Artagnan, um jovem com o coração cheio de coragem e sonhos, chega a Paris, onde conhece três amigos muito especiais: Athos, Porthos e Aramis. 

Juntos, vivem aventuras incríveis, enfrentam vilões malvados e protegem o reino das conspirações do cardeal de Richelieu e da sua espia, a bela e perigosa Milady. D’Artagnan vai também contar com a amizade de Jean, um menino que procura a sua mãe, e também com Constance, a simpática e jovem aia da rainha Ana.

Junta-te a d'Artagnan e aos seus amigos numa aventura divertida e emocionante, onde a amizade e a coragem estão sempre em primeiro lugar!

NOTA IMPORTANTE:

Este livro não está à venda. Integra o projeto de Responsabilidade Social da Intelectual Editora, criado para apoiar Bibliotecas Escolares, Municipais, e Associações. 

O objetivo é oferecer momentos de diversão e aprendizagem, incentivando nas crianças o gosto pela leitura, boas mensagens e valores sociais.

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Ficha técnica
D'Artagnan e Os Três Mosqueteiros
Autor: Koi Ishida
Editora: Intelectual Editora
Páginas: 196, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 14 x 21 cm
PVP: 0,00€

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Análise: Em Redes

Em Redes, de Audrey Caillat e Xico Santos - Escorpião Azul

Em Redes, de Audrey Caillat e Xico Santos - Escorpião Azul
Em Redes, de Audrey Caillat e Xico Santos

Não sabia bem o que esperar desta nova aposta da editora Escorpião Azul, denominada Em Redes, um álbum do autor português Xico Santos que se faz acompanhar, no argumento, pela francesa Audrey Caillat, e posso dizer-vos que fiquei rendido à relevância, maturidade, ambiente e ritmo deste novo livro. Passou a ser, quanto a mim, um dos melhores livros do catálogo da editora portuguesa.

De Xico Santos apenas conhecia o livro Vil – A Tragédia de Diogo Alves, com argumento de André Oliveira, publicado pela editora Kingpin Books. Sinceramente, e apesar de alguns bons atributos desse trabalho, esse até não foi um livro que me tenha convencido muito. Quer no argumento, quer na ilustração. E, também por isso, lá está, este novo livro que vos trago hoje, me surpreendeu bastante. E pela positiva.

O trabalho de ilustração de Xico Santos neste Em Redes parece ter evoluído bastante, apresentando várias vinhetas de belíssima inspiração e execução, numa história que tem muito de evocativa e que nos faz pensar. Se de Xico Santos eu não conhecia muito, da autora francesa Audrey Caillat eu não sabia absolutamente nada.

Lendo a nota introdutória deste livro, percebemos que Audrey Caillat não assumiu, sozinha, os desígnios deste argumento mas que, ao invés, colaborou na escrita do mesmo com Xico Santos, sendo, portanto, co-autora do argumento. 

Em Redes, de Audrey Caillat e Xico Santos - Escorpião Azul
Xico Santos afirma na mesma nota que é natural da zona onde decorre a ação para este Em Redes: a zona da Ria Formosa, no Algarve. Mais concretamente, a Ilha da Culatra onde, a partir da Primeira Guerra Mundial, esta pequena ilha funcionou como um centro de aviação naval destinado à luta antissubmarinos, onde aterravam hidroaviões, já que as condições naturais da região eram perfeitas para que os franceses pudessem aterrar os seus hidroaviões que serviam de apoio à luta submarina.

Com base neste facto da história portuguesa, poucas vezes comentado ou conhecido, Xico Santos e Audrey Caillat oferecem-nos uma história que se passa em dois períodos diferentes: os anos 40 e os anos 80. Durante essas duas épocas, acompanhamos a história de duas personagens: Rafael, um solitário pescador local, e Jean, um cativante piloto francês que, já depois da Segunda Guerra Mundial terminar, nos anos 40, continua na ilha. Eventualmente, acaba por nela assentar bases e construir família com uma portuguesa dali.

E Jean não era o único a proceder de tal forma. Já antes dele, as gentes locais, quase todos pescadores ou familiares dos mesmos, tinham-se fixado na ilha recorrendo à construção de casas de madeira ilegais. E isso acaba por servir como pano de fundo para que, na segunda parte da história, que se passa nos anos oitenta, acompanhemos a reação da população local ao anúncio de demolição daquelas casas por parte do Governo português. Confrontada com esta opção governamental, a população residente nesta ilha da Culatra não teve outra opção que, mesmo protestando, ver as suas antigas casas deitadas abaixo. Tudo isto é factual e pertence à nossa história. 

É esta a contextualização histórica, bem explanada, da obra, mas Em Redes é muito mais do que um livro com o propósito único de ser informativo ou histórico. Este é um livro de profunda reflexão, de profunda contemplação e de profundo amadurecimento.

É na história destas duas personagens, Jean e Rafael, aparentemente desconexas uma da outra, que reside toda a beleza deste livro. Ambas as personagens são completamente díspares mas, de algum modo, encontram pontos em comum de um modo bastante incomum. Jean é o tipo de homem que cativa todas as mulheres locais e que, eventualmente, até acaba por se casar com uma delas. Já o pescador Rafael, é daquelas pessoas lunáticas, totalmente solitárias, que até é alvo de um certo gozo e desdém por parte daqueles com quem se cruza. Mas a vida tem caminhos insondáveis. E as emoções também.

Em Redes, de Audrey Caillat e Xico Santos - Escorpião Azul
E acaba por haver (?) uma relação amorosa não resolvida entre os dois homens. Nada que seja muito denunciado, panfletário ou que tente sequer politizar o tema da homossexualidade. Nada disso. Muito mais puro, honesto e subtil que tudo isso. Tal como no ato da pesca, apenas as redes são lançadas, cabendo ao leitor a sua própria reflexão sobre o tema. A sua própria "pesca".

O tempo era outro e se calhar nem passou pela cabeça dos dois homens envolverem-se para um relação amorosa assumida que, nos dias atuais, seria algo aceitável e relativamente normal. Mas os sentimentos são coisas difíceis de contrariar e fica muito bem presente, mas sempre com a maturidade e a classe que o tema também merece, que houve algo especial entre aquelas duas personagens.

A abordagem ao tema por parte dos dois autores, através de bons diálogos que deixam certas ideias no ar sem nunca as materializar ou através de belíssimos e inspirados desenhos, que tanto evocam, de Xico Santos, tornam a obra uma verdadeira beleza. Diria até que esta história daria um ótimo filme que, mantendo o mesmo tom, poderia ser um verdadeiro sucesso.

Como se o tema, as personagens e a relação platónica vivida não fosse algo já suficientemente bom de ver e evocar, a história liga bem os pontos ao encontrar, através da questão da demolição das casas, o evento certo para uma certa resolução, uma certa conquista, um certo "silver lining" para a relação entre ambas as personagens, já com o peso da idade, mostrando que um amor ou uma admiração entre duas pessoas pode existir durante toda uma vida, mesmo quando não existe uma relação física entre ambas. Bela mensagem.

Quanto às ilustrações de Xico Santos, devo dizer que a forma como o autor representa os ambientes locais, o mar, as embarcações e as personagens, através de um traço a preto e branco, com escala de cinzentos, bem mais confiante do que em Vil – A tragédia de Diogo Alves, tal como o modo como as suas ilustrações "respiram" calmamente, com uma boa gestão de silêncios ou da cadência do tempo, me pareceram muito convincentes e em total harmonia com aquilo que a história nos procura dar.

Relativamente à edição, também é bom ver que a Escorpião Azul tem vindo a estabilizar a qualidade e homogeneidade dos seus lançamentos: o livro apresenta capa mole, com badanas, e bom papel no interior, com boa encadernação e impressão. No final, há um caderno de extras, com oito páginas, em que nos são dados muitos esboços e estudos de personagem. Como elemento diferenciador, as páginas têm na sua extremidade um tratamento a cor azul - que simboliza a cor do mar, sempre presente na história - e que, mais uma vez, oferece beleza ao objeto-livro.

Em suma, Em Redes é uma bela, subtil e madura obra. Confesso-vos: o livro tinha despertado o meu interesse, mas honestamente não esperava que fosse tão bom. Dentro das bandas desenhadas nacionais lançadas até agora, em 2024, Em Redes está claramente entre as minhas preferências!


NOTA FINAL (1/10):
9.2



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Em Redes, de Audrey Caillat e Xico Santos - Escorpião Azul

Ficha técnica
Em Redes
Autores: Xico Santos e Audrey Caillat
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 120, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
Lançamento: Setembro de 2024

A Seita lança novo álbum de André Diniz!




A Seita lançou recentemente, ainda no Amadora BD, o novo livro de André Diniz que dá pelo nome de Muzinga.

Este autor brasileiro - que, entretanto, também já adquiriu a nacionalidade portuguesa - está de regresso ao lançamento de banda desenhada por cá, depois de já ter lançado várias obras pela editora Polvo.

Agora chega-nos pelas mãos d' A Seita numa bela edição, que já tive a oportunidade de folhear, e que traz como extra algumas páginas sobre o processo criativo do autor e duas pranchas da série antiga de Muzinga, a personagem mais icónica do autor.

Mais abaixo, deixo-vos com a nota de imprensa sobre a obra e com algumas imagens promocionais da mesma.

Muzinga, de André Diniz

Muzinga, que personagem! Brasileiro, algo irrequieto, implicativo, e cheio de conhecimentos naquela cabeça de barba mal amanhada, até dizem que fala mais de cem línguas! Pudera, também dizem que tem quase duzentos anos. Duzentos anos a calcorrear o mundo todo e a viver aventuras surreais, em busca de dialectos extintos, e de segredos que o tempo se esforçou por apagar... Venham conhecê-las também.

André Diniz é um dos mais premiados e aclamados autores brasileiros de banda desenhada, e MUZINGA é uma das suas mais brilhantes criações, que assina aqui como argumentista e desenhador, num estilo gráfico que é uma lição de narrativa visual.
Criado por André Diniz há já mais de dez anos, no âmbito de um projecto de BD digital bem ambicioso, que resultou num site com o nome do protagonista e em mais de uma dúzia de histórias curtas que apresentaram esta figura imperdível dos quadrinhos brasileiros ao público, Muzinga é uma das personagens mais icónicas do autor. 

Este volume reúne duas histórias longas, inéditas, que em conjunto configuram um romance gráfico complexo, a meio caminho entre o realismo fantástico e o humor surreal, em que o aventureiro bicentenário vai enfrentar desafios audaciosos, numa jornada repleta de enigmas, culturas antigas e misteriosas, e descobertas que prometem surpreender até os leitores mais curiosos. 

Muzinga, o homem bicentenário. Aventureiro, linguista, caçador de tesouros e malandro!
Neste volume, acreditamos que a arte extraordinária de André Diniz atinge o seu ponto máximo, depois de evoluir ao longo dos anos em direcção a um estilo que mistura algo de cartunesco, com um sentido muito apurado da planificação gráfica de cada página de BD, extremamente fluida, em que as cenas se seguem de maneira escorreita num enquadramento muito livre. Nas duas histórias deste livro, Muzinga lança-se pelo mundo em busca de aprender tudo o que puder sobre as mais estranhas culturas, e particularmente aquelas que estão em risco de ser esquecidas e de desaparecer, procurando também aprender as suas línguas. Irá encontrar as mais diversas e estranhas personagens, bizarros totems falantes, que ora julgam, ora protegem, ditadores e polícias secretas que procuram eliminar culturas inteiras, avós que são as últimas a falar uma língua (extraordinariamente complexa)... claramente, este não é o nosso mundo, mas sim um mundo saído da cabeça de um dos grandes argumentistas de BD (HQ no Brasil!) actuais, em que a personagem vai viver uma mistura de acção, aventura, fantasia e humor.
Como diz Dango Yoshio, “A escrita é a forma mais poderosa de vencer o tempo! E Muzinga é uma leitura muito divertida, com reflexões sobre a ancestralidade, a memória e a morte.” Ou, como diria o próprio Muzinga, “Duzentos anos a fazer merda pelo mundo fora, é surreal!”

Não é necessário conhecer a personagem para ler este livro. A edição d’A Seita inclui extras sobre o processo criativo do autor, bem como duas pranchas icónicas (e algo mistificantes!) da série antiga de Muzinga.

A edição portuguesa optou por mudar os diálogos do livro para um português com acentuação de Portugal, com excepção de Muzinga, claro, que fala com a sua pronúncia nativa do Brasil!

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Ficha técnica
Muzinga
Autor: André Diniz
Editora: A Seita
Páginas: 200, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 20 x 27 cm
PVP: 25,00€

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Análise: O Abismo do Esquecimento

O Abismo do Esquecimento, de Paco Roca e Rodrigo Terrasa - Ala dos Livros

O Abismo do Esquecimento, de Paco Roca e Rodrigo Terrasa - Ala dos Livros
O Abismo do Esquecimento, de Paco Roca e Rodrigo Terrasa

Para estranheza de alguns que esperariam que fosse a Levoir a publicar este livro em Portugal, foi a editora Ala dos Livros que, recentemente, editou a mais recente obra de Paco Roca. Denominado O Abismo do Esquecimento, este trabalho de Paco Roca que, desta vez, se faz acompanhar no argumento pelo jornalista Rodrigo Terrasa, volta a ter a Guerra Civil Espanhola como pano de funo, como já tinha acontecido em Os Trilhos do Acaso.

Bem, na verdade, a história acontece já depois de a Guerra Civil Espanhola ter terminado. José Celda e mais uma dezena de homens são fuzilados pelo regime de Franco na região de Paterna, em Valência, sendo depois sepultados numa vala comum. O único crime destes homens? O de terem uma opinião divergente àquela instituída e controlada por Franco.

O Abismo do Esquecimento, de Paco Roca e Rodrigo Terrasa - Ala dos Livros
Passados mais de setenta anos, acompanhamos a empreitada de Pepica Celda, filha de José, que, agora uma idosa, ainda não desistiu de descobrir os restos mortais do seu pai de forma a que o mesmo possa recuperar, já longas décadas depois do seu fuzilamento, a dignidade que lhe foi roubada pelo regime franquista. Acima de tudo, é uma batalha pessoal de Pepica contra o esquecimento. Não apenas do seu pai, mas de mais de 2.000 pessoas que foram assassinadas naquela mesma região e enterradas em 135 valas comuns, semelhantes às de José Celda. E que, lamentavelmente, o Governo espanhol tem vindo a esquecer. Ou a contribuir para o esquecimento. O que, bem vistas as coisas, é uma e a mesma coisa.

O Abismo do Esquecimento, de Paco Roca e Rodrigo Terrasa - Ala dos Livros
A par dessa demanda pessoal, Pepica Celda toma conhecimento de Maruja Badía, filha de Leôncio Badía, que no tempo em que estes crimes se perpetravam era coveiro no cemitério de Paterna. Ora, este homem republicano que se viu relegado para a função profissional que ninguém queria, foi peça chave para que as viúvas dos homens executados e enterrados em valas comuns pudessem identificar os cadáveres dos seus entes queridos. Badía tentava dar o tratamento mais digno possível a estes homens executados: recolhia informações sobre os seus nomes e inventariava-as; deixava junto de cada homem assassinado uma garrafa com um papel que continha o nome desse mesmo de forma a que, futuramente, este homens pudessem ser mais facilmente identificados - e mal sabia ele o jeito que isso daria aos investigadores, décadas mais tarde; e tirava pequenas madeixas de cabelo dos cadáveres que depois dava às suas viúvas, de modo a que as mesmas ficassem, pelo menos, com uma recordação dos falecidos maridos.

O Abismo do Esquecimento, de Paco Roca e Rodrigo Terrasa - Ala dos Livros
Assim sendo, e embora as duas histórias se encontrem intimamente interligadas, O Abismo do Esquecimento acaba por nos oferecer duas narrativas distintas. Confesso que fiquei especialmente sensibilizado com a vida de Leôncio Badía e pelo seu contributo silencioso e potencialmente letal para restituir alguma justiça e dignidade a um mundo perdido em si mesmo.

Paco Roca é reconhecido pelo seu talento em criar histórias em banda desenhada que exploram temas humanos profundos e emoções complexas. E este livro é um exemplo notável da habilidade de Roca em combinar narração gráfica com uma análise introspectiva e político-social. A par de toda esta história, Paco Roca volta a ser feliz na introdução de alguns elementos algo surrealistas ou simbólicos, com a alusão à obra clássica Ilíada para fazer um paralelismo entre a importância para a humanidade dos rituais fúnebres, de forma a assegurar-se dignidade e uma certa perpetuidade aos que deixam o mundo, aumentando, desse modo, a profundidade e complexidade emocional da obra.

O Abismo do Esquecimento, de Paco Roca e Rodrigo Terrasa - Ala dos Livros
A menção ao contexto histórico de Espanha e o modo como a memória coletiva e as experiências do passado influenciam o nosso presente, enquanto sociedade, é, pois, um dos temas centrais deste belo e maduro livro. Aqui mergulhamos numa consequência direta da Guerra Civil Espanhola e da ditadura de Franco. Porque quer queiramos, quer não, o presente é um reflexo de como o esquecimento e a repressão política afetam não só a vida dos indivíduos, mas também a identidade coletiva das sociedades ditas modernas. Neste caso, a sociedade espanhola.

O próprio franquismo pode, com efeito, ser interpretado como uma metáfora para o próprio processo de esquecimento e supressão de memórias, já que o Governo Espanhol tentou controlar e omitir certos aspectos da história espanhola, nomeadamente aquilo que este livro nos convida a conhecer.
Os autores procuram, portanto, e para além de entreter e informar, denunciar a situação da Espanha pós-franquista, onde as memórias da Guerra Civil e da repressão foram muitas vezes minimizadas ou esquecidas nas décadas seguintes ao fim da ditadura.

O Abismo do Esquecimento, de Paco Roca e Rodrigo Terrasa - Ala dos Livros
Em termos de ilustrações, Paco Roca revela-se fiel a si mesmo, com as suas ilustrações a serem automaticamente identificáveis por todos os que já conhecem a sua obra. E, felizmente, em Portugal o autor tem muitos leitores e admiradores. 

O desenho em linha clara, com traço semi-realista, simples mas eficaz, dá-nos tudo aquilo que precisamos para bem apreciar esta história singular. Lá pelo meio, e nas páginas onde aparecem as referências diretas, já por mim referidas, a Ilíada, o autor dá-nos um estilo de ilustração algo diferente, que permite alguma dinâmica e uma aproximação ao cânone artístico da Antiga Grécia.

O Abismo do Esquecimento, de Paco Roca e Rodrigo Terrasa - Ala dos Livros
Não sou um grande adepto do formato horizontal (também chamado de formato italiano), confesso. Especialmente quando o mesmo não é devidamente explorado. É lógico que reconheço que este formato permite uma certa cinematografia nas vinhetas que, sendo bem mais largas, possibilitam uma aproximação à Grande Tela que pode criar uma experiência muito interessante para o leitor. Paco Roca fá-lo algumas vezes neste livro, mas não de uma forma que, a meu ver, justifique a opção pelo formato italiano. Para além deste O Abismo do Esquecimento, também em A Casa ou em Regresso ao Éden o autor optou por este formato. Sendo que, em Regresso ao Éden, Paco Roca foi especialmente feliz no bom aproveitamento do formato italiano. Atenção que não considero que esta opção de formato estrague minimamente a leitura, exceptuando raros casos em que a fluidez e orgânica da leitura saem um pouco prejudicadas. Todavia, o manuseio do livro acaba por ser mais difícil, já que somos quase obrigados a ler o livro sentados a uma mesa, pois se estivermos deitados ou simplesmente sentados num sofá/cadeira, o processo de leitura torna-se incómodo. A opção será sempre do autor, como é óbvio, mas (também) cabe ao leitor deixar o seu desabafo pessoal. 

O Abismo do Esquecimento, de Paco Roca e Rodrigo Terrasa - Ala dos Livros
Ao contrário de praticamente todas as restantes obras de Paco Roca que foram anteriormente publicadas pela Levoir em Portugal, este O Abismo do Esquecimento - que, relembro, até tinha sido anunciado pela Levoir há cerca de um ano - acabou por ser publicado pela Ala dos Livros.

Em termos de edição, estamos perante (mais) um belíssimo trabalho por parte da Ala dos Livros. Arrisco até mesmo dizer que, finalmente, a obra de Paco Roca é tratada com o devido trabalho de edição que merece. Se não, vejamos: o livro apresenta capa dura baça com um excelente papel brilhante no interior. A impressão e encadernação também são de qualidade elevada. Mas o que chama mais à atenção é, para além da fita de tecido marcadora, a lombada em tecido que confere à edição o requinte que o livro reclama. No final da obra, há ainda um epílogo em que, através de um texto de sete páginas de Rodrigo Terrasa, ficamos a saber mais sobre o processo de criação do livro e sua respetiva investigação. Além disso, o texto é acompanhado por fotografias que aumentam ainda mais o estilo de reportagem jornalística da obra.

Em conclusão, O Abismo do Esquecimento acaba, pois, por ter um impacto profundo, não só pelo seu valor literário e artístico, mas também pelo seu poder de sensibilizar e fazer refletir sobre os crimes de guerra política praticados na nossa vizinha Espanha há poucas décadas. Para tal, a obra invoca um sentimento de injustiça e de tristeza que nos deixa um nó na garganta sem, no entanto, se fazer valer de um dramatismo desmesurado. Tudo na medida certa, portanto. Eis uma obra totalmente recomendada para quem aprecia histórias com uma abordagem mais madura e que exploram o lado sombrio e luminoso da experiência humana. Mais outro grande livro de 2024!


NOTA FINAL (1/10):
9.5


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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O Abismo do Esquecimento, de Paco Roca e Rodrigo Terrasa - Ala dos Livros
Ficha técnica
O Abismo do Esquecimento
Autores: Paco Roca e Rodrigo Terrasa
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 304, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 240 x 165 mm
Lançamento: Outubro de 2024


segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Ilustrador, queres ver o teu trabalho publicado em livro?


A propósito do lançamento de uma antologia de banda desenhada, cartoon, ilustração e caricatura sobre o 150º aniversário da personagem Zé Povinho, criada por Bordalo Pinheiro, estão abertas as candidaturas para submissão de trabalhos.

Esta é uma excelente oportunidade para que todos os ilustradores possam ver a sua arte publicada em livro!

A iniciativa é promovida pela Associação Tentáculo, pelo Museu Bordalo Pinheiro e pela Câmara Municipal das Caldas da Rainha e o prazo de entrega de trabalhos é até ao próximo dia 20 de Abril de 2025.

Mais abaixo. deixo-vos com a nota de imprensa da Organização.


Chamada de Trabalhos - Zé Povinho nos Dias de Hoje

Prazo de entrega: 20 de abril de 2025

Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905), prolífico cartunista, caricaturista e outras atividades artísticas, é o criador do famoso personagem Zé Povinho. A primeira aparição do Zé Povinho data de 12 de Junho de 1985, tornando-se, posteriormente, uma icónica representação do povo português.

Em 2025 celebra-se o seu 150º aniversário e vimos lançar-vos o desafio de reinterpretar esta personagem à luz da sociedade atual. Vamos criar uma antologia e para tal estamos a receber submissões de banda desenhada, cartoon, caricatura, ilustração, texto, etc.

Esta antologia será publicada a cores e os trabalhos devem ser submetidos no formato de 20 cm de altura x 14 cm de largura, a 300 dpi de resolução (TIFF, JPEG ou PDF). Caso seja necessária sangria (bleed), recomenda-se que o ficheiro venha com mais 0,5 cm a toda a volta (21cm x 15cm). As submissões devem ser enviadas para o e-mail zona.bd@gmail.com até ao dia 20 de abril de 2025.

O livro, uma coedição partilhada com a Associação Tentáculo, o Museu Bordalo Pinheiro e a Câmara Municipal das Caldas da Rainha, será lançado no Museu Bordalo Pinheiro em Lisboa e posteriormente apresentado no Festival de Fanzines e Banda Desenhada de Alpiarça, no Festival Internacional de BD da Amadora e no Festival Internacional de BD de Beja. Uma mostra com os melhores trabalhos será organizada nas Caldas da Rainha e no Clube Português de Banda Desenhada, na Amadora.

Para mais informação sobre o Zé Povinho recomendamos a leitura do texto de José Augusto-França disponível na página https://museubordalopinheiro.pt/o-ze-povinho-sempre-o-mesmo. E o visionamento do episódio de “A Alma e a Gente: História do Zé Povinho”, programa apresentado por José Hermano Saraiva, disponível nos arquivos da RTP: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/historia-do-ze-povinho.

(cartaz desenhado por Sofia Pereira)

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Osvaldo Medina está de volta com uma obra de grande fôlego!


Já não há dúvidas (creio e espero!) que Osvaldo Medina é um dos maiores nomes da banda desenhada nacional. Já o demonstrou em algumas das colaborações que teve com argumentistas relevantes, mas, pelo menos quanto a mim, demonstrou-o mais ainda na sua obra Kong The King (em dois volumes) em que o autor assumiu ilustração e argumento.

Agora, Osvaldo Medina está de volta e com um livro que, desde que dele tomei conhecimento, me está a deixar com muita curiosidade e com altas expetativas! A obra em questão denomina-se Fojo e volta a ter o autor português ao leme do argumento e da ilustração. E desta vez não se trata de uma obra sem diálogos, como em Kong The King. O que aumenta a minha curiosidade.

O livro prepara-se para ser editado através do esforço conjunto de várias editoras: Kingpin Books, A Seita e Comic Heart.

O seu lançamento oficial decorre no próximo dia 30 de Novembro, no Marvila Comics.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.


Fojo, de Osvaldo Medina

Um frio cortante, impiedoso. A neve abate-se, incessante, sobre uma aldeia quase isolada na montanha. 

Irrequietos, os lobos uivam sem descanso, adivinhando um passado sombrio que regressa para tormento dos locais, mergulhados em crendices obscuras da época, algures entre as duas Grandes Guerras.

A morte anda à solta, revolve segredos e atrai todos para o fojo: os lobos, o misterioso assassino e os próprios aldeões. Quem sobreviverá no fim à ancestral armadilha?

Um relato cru e brutal do quotidiano de uma aldeia de outrora, assaltada no seu falso sossego pelos traumas e recantos mais negros que só o ser humano é capaz de destapar. 

Na sequência dos dois volumes de “Kong the King”, Osvaldo Medina regressa a solo, desta feita numa história com diálogos, uma estreia para o premiado autor.


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Ficha técnica
Fojo
Autor: Osvaldo Medina
Editoras: A Seita, Comic Heart e Kingpin Books
Legendagem e design: Mário Freitas
Páginas: 144, a preto e branco e vermelho
Encadernação: Capa dura
Formato: 19,50 x 27 cm
PVP: 23,99€

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

A 8ª Coleção de Novelas Gráficas chega amanhã ao fim!


Amanhã é publicada, em conjunto com o jornal Público, a última obra daquela que foi a 8ª Coleção de Novelas Gráficas da Levoir!

A obra em questão é O Caso Alan Turing, de Arnaud Delalande e Éric Liberge, que versa sobre o célebre investigador e matemático Alan Turing, cujo contributo foi fulcral para decifrar as mensagens codificadas do exército nazi durante a Segunda Guerra Mundial. Sobre esta impressionante história já foi feito, em 2014, o filme The Imitation Game, com o ator Benedict Cumberbatch.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.


O Caso Alan Turing, de Arnaud Delalande e Éric Liberge
A finalizar a VIII colecção de Novela Gráfica a Levoir e do Público escolheram O Caso Alan Turing, do escritor e argumentista Arnaud Delalande e do cartoonista Éric Liberge, prémio René-Goscinny em 1999.

Em 1938 os serviços secretos britânicos recrutaram um jovem e brilhante investigador de matemática: Alan Turing. A sua missão: decifrar os códigos da Enigma, a máquina utilizada para transmitir as instruções do Führer às suas tropas. Todas as tentativas anteriores para decifrar os códigos tinham falhado.

Era o maior desafio da vida de Alan Turing. Um confronto científico sem precedentes.

Em total secretismo, ele iniciou a tarefa. E foi bem-sucedido. Ao quebrar o código da Enigma, Turing deu aos Aliados uma vantagem decisiva e lançou as bases para a revolução dos computadores.

O seu sucesso deveria tê-lo levado ao pináculo da glória, mas teve de se esconder e permanecer na sombra.

Na Inglaterra puritana, a sua homossexualidade era uma marca de infâmia. Os tribunais condenaram-no à castração química. Em 7 de junho de 1954, um homem solitário e desesperado pôs fim à sua vida mordendo uma maçã envenenada.

No final da banda desenhada há um dossier documental que reconstitui e explora o seu percurso, em particular o, longo processo de reconhecimento, que se traduz agora em monumentos, na abertura de um museu informático em Bletchley e, sobretudo, no perdão real concedido pela rainha Isabel II em 2013, que o reconheceu oficialmente como "herói de guerra".

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Ficha técnica
O Caso Alan Turing
Autores: Arnaud Delalande e Éric Liberge
Editora: Levoir
Páginas: 104, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 195 x 270 mm
PVP: 13,90€

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Análise: As 5 Terras - Volumes 1 e 2

As 5 Terras, Volumes 1 e 2 - Com Todas as Minhas Forças | Alguém Vivo, de Lewelyn e Jérôme Lereculey - ASA - LeYa

As 5 Terras, Volumes 1 e 2 - Com Todas as Minhas Forças | Alguém Vivo, de Lewelyn e Jérôme Lereculey - ASA - LeYa
As 5 Terras, Volumes 1 e 2 - Com Todas as Minhas Forças | Alguém Vivo, de Lewelyn e Jérôme Lereculey

Há várias coisas na vida - para não dizer todas - em que é a soma das partes que faz com que algo seja maior e mais impactante. A série As 5 Terras, de Lewelyn e Lereculey, em cujo lançamento a editora ASA acaba de mergulhar de cabeça, com a edição simultânea dos dois primeiros volumes de uma só vez, pode muito bem ser um exemplo disso. É a soma do todo que torna esta série uma bela aposta e uma leitura viciante!

Sim, é mesmo "viciante", pois esta é uma daquelas obras que nos prende de tal forma que ficamos a "chorar por mais" quando chegamos ao fim de cada livro!

Mas vamos por partes.

As 5 Terras, Volumes 1 e 2 - Com Todas as Minhas Forças | Alguém Vivo, de Lewelyn e Jérôme Lereculey - ASA - LeYa
A série As 5 Terras é uma obra de fantasia épica escrita por Lewelyn e ilustrada por Jérôme Lereculey. E "Lewelyn" não é uma pessoa, mas sim três. Na verdade, a palavra "Lewelyn" é um pseudónimo para três autores: David Chauvel, Andoryss et Patrick Wong. Todos eles são argumentistas desta obra. O que se entende, se tivermos em conta a complexidade - pelo menos, teórica - de tal empreitada.

A série é composta por uma mistura de aventura, mistério e uma exploração profunda de mundos fantasiosos interconectados, numa saga épica que está pensada para ter 30 volumes, divididos por seis arcos narrativos. Para já, em França, a série já vai no 13º volume.

Tem sido, portanto, um grande sucesso de vendas e, quanto a mim, é fácil de perceber porquê. Porque, tal como referido logo no primeiro parágrafo, consegue fazer muita coisa bem, assegurando que a soma das partes faz com que o resultado seja diferenciado e especial. Pode não ter os desenhos mais belos de sempre, mas são muito belos; pode não ter o melhor argumento de sempre, mas é um argumento muito bom. E este tipo de afirmação poderia ser feito para qualquer pequeno elemento presente na obra. Pode não ser a melhor coisa de sempre, mas é uma série indubitavelmente boa. Pelo menos, por agora.

Esta saga de inspiração medieval centra-se - como, pelo nome da obra, é fácil de perceber - em cinco terras: Angleon, Arnor, Erinal, Ithara e Lys. Cada uma destas terras é habitada por uma espécie diferente de animais e representa um reino. Mesmo assim, parece ser Angleon, o reino dos felinos - e não obstante o facto de ter a área geográfica mais pequena de todos os cinco reinos - a terra com mais preponderância político-económica. E tanto assim é que Cyrus, o rei de Angleon e herói da batalha de Dhakenor, sonha construir um império hegemónico, reinando sobre as cinco terras.

As 5 Terras, Volumes 1 e 2 - Com Todas as Minhas Forças | Alguém Vivo, de Lewelyn e Jérôme Lereculey - ASA - LeYa
Mas agora que, estando bastante velho, Cyrus se encontra debilitado e às portas da morte, começam a surgir movimentações em toda a corte para que se saiba quem será o sucessor deste rei que apenas tem duas filhas que, supostamente, não podem ocupar o cargo. Tudo indica, portanto, que será Hirus, o sobrinho de Cyrus, a assumir o reinado. Mas a trama adensa-se e cada um dos envolvidos, nomeadamente os reis das terras vizinhas, vai jogar as suas cartadas com o propósito de chegar ao poder. Ou de aumentá-lo, pelo menos.

Onde é que já viram isto? Certamente em muitas histórias, mas com uma trama tão rica em jogadas de bastidores e num jogo de traição tão infindável, só mesmo em A Guerra dos Tronos, de  George R. R. Martin, diria. E, sim, falar de As 5 Terras sem referir a A Guerra dos Tronos, é quase impossível. Não é que a história seja igual, mas há muitos pontos em comum. Também aqui somos confrontados com um complexo jogo de intrigas e com personagens carregadíssimas de personalidade a operar dentro e fora dos bastidores do reino, sempre tentando o seu usufruto pessoal. O leitor é, pois, mergulhado em várias tramas, mais ou menos independentes, que nos aproximam das várias personagens. Cada uma tem um objetivo pessoal e guarda certos segredos que vão sendo revelados a conta-gotas ao leitor. O que faz, claro está, com que haja sempre um clima tenso de incerteza perante o que vai acontecer e uma sensação constante de que qualquer personagem, não importa o seu protagonismo na história, pode morrer de um momento para o outro. Bem ao jeito de A Guerra dos Tronos, portanto.

Quem gostou da célebre obra de George R. R. Martin facilmente gostará de As 5 Terras, afianço. Em As 5 Terras (também) temos familiares distantes a lutarem entre si pelo trono; (também) temos relações amorosas proibidas e secretas; (também) temos mortes inesperadas; (também) temos casamentos arranjados; (também) temos personagens com vários segredos, (também) temos várias cenas de ação gutural. Enfim, sendo uma história com animais, dificilmente poderia ser mais humana.

Todos estes mundos aparecem-nos bem construídos e com o potencial de uma exploração quase infinita. Não admira, portanto, que a série esteja pensada para 30 volumes. Porque em apenas dois volumes - e mesmo sendo verdade que a história já começa a ter uma exploração muito interessante - fica claro que temos aqui "pano para mangas", do ponto de vista da narrativa. 

O mundo bem construído e a trama envolvente são os principais destaques. A série consegue criar uma mitologia interessante e rica, que mantém o interesse do leitor. O desenvolvimento das personagens é eficaz, principalmente no que diz respeito à sua evolução ao longo da jornada. No final, apenas uma coisa é certa: ficamos a chorar por mais!

As 5 Terras, Volumes 1 e 2 - Com Todas as Minhas Forças | Alguém Vivo, de Lewelyn e Jérôme Lereculey - ASA - LeYa
Em termos ilustrativos, há uma coisa que sobressai assim que olhamos para a capa do livro. É que todas as personagens são antropomórficas, isto é, são animais com o corpo e características dos humanos. Há muita gente que não gosta e há muita gente que gosta. Eu sou um confesso fã, admito. À boa maneira de Blacksad, aquele que será, por ventura, o melhor exemplo de BD com personagens antropomórficos, também em As 5 Terras as personagens apresentam faces de animais. Sendo que, neste caso, e até agora pelo menos, a maioria das personagens é da família dos felinos. Há outras espécies, como ursos, veados, macacos, cães ou répteis, mas a grande maioria de personagens a deambular por estes dois primeiros livros da série são felinos porque a ação também se passa, obviamente, no reino dos felinos. Acredito que, no futuro, com o desenvolvimento da história, isso possa vir a ser alterado. E refiro este tema porque, logo no início, com tantas personagens felinas, temi que os belos desenhos de Lereculey pudessem ficar algo parecidos entre si, inviabilizando que o leitor percebesse quem era determinada personagem. Contudo, devo dizer que, à medida que fui progredindo na leitura, verifiquei que o autor deu conta do recado. Seja pelo local onde a personagem se encontra, seja pelas personagens que a rodeiam, seja pelas vestes da personagem ou por pequenos traços distintivos, acabei por nunca me perder. E lembro que a trama até é bastante intrincada.

Os desenhos são, portanto, muito belos, com as personagens a apresentarem belas expressões que poderiam ser retiradas da boa escola dos estúdios de animação Disney, numa conceção muito bem executada. Não me parece que tenham o aprumo visual e elegância dos desenhos de Guarnido (desculpem a segunda referência a Blacksad, mas é quase impossível para mim não a fazer), mas são belos desenhos. E que são complementados por uma paleta moderna e bem feita de cores muito bonitas. No todo, são desenhos apelativos e não há muita volta a dar quanto a isso. São daqueles livros que, assim que os abrimos, criamos facilmente empatia com as ilustrações. Grosso modo.

As 5 Terras, Volumes 1 e 2 - Com Todas as Minhas Forças | Alguém Vivo, de Lewelyn e Jérôme Lereculey - ASA - LeYa
Em termos de edição, estes livros apresentam capa dura baça, com bom papel brilhante no miolo e um bom trabalho de encadernação e impressão. As primeiras guardas do primeiro livro são utilizadas para um esquema com as personagens mais relevantes da trama (que é muito útil para simplificar a vida ao leitor), enquanto que as segundas guardas desse mesmo livro têm um mapa das 5 Terras, que também é útil para situar geograficamente a história. O segundo livro apenas tem, nos dois lados das guardas, este mapa das terras, o que é pena, pois o esquema das personagens poderia (deveria?) ser replicado em todos os volumes da série. 

Além disto, o primeiro livro inclui um caderno gráfico enquanto extra, onde o leitor tem acesso a esboços de personagens, estudos para cenários e à conceção de uma prancha. O segundo volume não traz um caderno gráfico, mas traz como extra um texto sobre "A Batalha de Dhakenor" para melhor imersão do leitor. Como outra nota positiva, o segundo livro também traz, logo no início, uma página de texto com o resumo dos acontecimentos do primeiro tomo. Pode parecer uma coisa mínima, mas que assinalo por achar que é bastante relevante para embrenhar ainda mais, e melhor, o leitor. Lá está, e repetindo-me uma vez mais, é um conjunto de várias coisas bem feitas que contribui para que uma coisa possa almejar voos mais altos.

Continuando a falar do trabalho da edição da ASA, admito que seria desejável que a série, devido à sua extensão, pudesse ser publicada em álbuns duplos/triplos. Porém, como cada ciclo é composto por cinco tomos, isso faria com que houvesse uma dissimetria nos livros, que também não era aconselhável. Compreende-se e aceita-se, portanto, a opção da ASA em lançar cada tomo de forma isolada, o que até acaba por ser fiel à edição original francófona. 

Em suma, posso dizer-vos que, para já, As 5 Terras resulta de um casamento feliz entre A Guerra dos Tronos, na maneira de ser, e Blacksad, na parte visual. Estamos perante uma trama carregada de intriga, que nos deixa agarrados e a chorar por mais, e por um trabalho de ilustração muito bom, que dificilmente não agradará ao mais exigente leitor de banda desenhada. Tem tudo para (também) ser um sucesso em Portugal!


NOTA FINAL (1/10):
9.5


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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As 5 Terras, Volumes 1 e 2 - Com Todas as Minhas Forças | Alguém Vivo, de Lewelyn e Jérôme Lereculey - ASA - LeYa

Fichas técnicas
As 5 Terras #1 - Com Todas as Minhas Forças
Autores: Lewelyn e Jérôme Lereculey
Editora: ASA
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 319 x 226 mm
Lançamento: Outubro de 2024

As 5 Terras, Volumes 1 e 2 - Com Todas as Minhas Forças | Alguém Vivo, de Lewelyn e Jérôme Lereculey - ASA - LeYa

As 5 Terras #2 - Alguém Vivo
Autores: Lewelyn e Jérôme Lereculey
Editora: ASA
Páginas: 56, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 319 x 226 mm
Lançamento: Outubro de 2024