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quinta-feira, 10 de abril de 2025

Análise: O Tempo do Cão

O Tempo do Cão, de Ondjaki e António Jorge Gonçalves - Editorial Caminho

O Tempo do Cão, de Ondjaki e António Jorge Gonçalves - Editorial Caminho
O Tempo do Cão, de Ondjaki e António Jorge Gonçalves

Foi há poucas semanas que António Jorge Gonçalves - um nome grande da banda desenhada e ilustração portuguesa, com a sua obra mais marcante, quiçá, a ser a Trilogia Filipe Seems - nos fez chegar o seu mais recente livro, intitulado O Tempo do Cão, em que faz parceria com o escritor angolano Ondjaki. 

E embora seja apresentado pela editora Caminho enquanto "novela gráfica", este pequeno livro de bolso está mais perto de ser um híbrido entre a poesia - ou a prosa poética - e a ilustração. Com alguns bons momentos, é certo, e com uma premissa com bastante potencial, o livro apresenta-se de tal forma abstrato que a sua leitura - quer na componente textual, quer na componente imagética - se torna difícil , chegando à exasperação em vários momentos.

A história até parte de um facto verídico e histórico bastante interessante. Entre as várias lutas travadas pelo célebre Che Guevara, uma delas foi no Congo, onde o revolucionário argentino ajudou os independentistas congoleses a lutarem pela sua libertação do regime opressivo que controlava as lides do país. Particularmente, rezam os relatos, quando Che Guevara esteve junto ao lago Tanganica, um cão vagabundo apareceu do nada e caiu nas boas graças de Che Guevara que prontamente o adoptou. Ora, é a partir daí, desse relacionamento entre homem e cão, que Ondkaji parte para uma narrativa curiosa e interessante, que tinha tudo para agradar a um vasto número de gente.

O Tempo do Cão, de Ondjaki e António Jorge Gonçalves - Editorial Caminho
Infelizmente, O Tempo do Cão é um livro que, tentando aventurar-se por um terreno filosófico e alegórico interessante, com a narrativa a dar voz ao discurso de Che Guevara e do cão em simultâneo, acaba por se perder na sua própria ambição. A proposta de associar a figura de Che Guevara a um cão – símbolo de fidelidade, revolução e instinto – poderia render à obra uma narrativa instigante, mas, ao longo das páginas, o que se vê é um texto que tropeça na sua própria complexidade e se torna excessivamente abstrato, sem oferecer ao leitor um fio condutor suficientemente claro. Há momentos em que a narrativa parece mais uma colagem de ideias soltas do que uma história coesa.

Com efeito, a relação entre Che Guevara e o cão, que poderia ser um dos elementos mais interessantes da obra, acaba por se diluir num texto que se recusa a estabelecer qualquer linearidade. A figura revolucionária de Che Guevara perde-se num labirinto de abstrações, tornando-se um mero conceito vago em vez de uma presença forte e significativa, que nos possibilite uma nova camada de interpretação sobre a mítica figura histórica. Está-se sempre à espera de chegar a algo grandioso que, lamentavelmente, acaba por nunca chegar.

Para tal, as ilustrações de António Jorge Gonçalves também não contribuem positivamente, diga-se em abono da verdade. Feitos com tinta branca sobre páginas de cor azul, relembrando os desenhos arcaicos a corretor que os adolescentes do meu tempo faziam nos muros da escola secundária, os desenhos do autor seguem a mesma linha do texto: um abstracionismo que, em vez de ampliar o impacto da narrativa, torna a experiência ainda mais hermética. 

O Tempo do Cão, de Ondjaki e António Jorge Gonçalves - Editorial Caminho
Há alguns momentos de beleza visual, onde as formas sugerem atmosferas oníricas e instigantes - gostei especialmente do "cão-homem" ou do "homem-cão" - mas, no geral, a escolha estilística contribui pouco para a compreensão da obra. São vários os exemplos em que não se percebe, sequer, o que representa determinada ilustração. Em vez de dialogar com o conteúdo de maneira mais clara, as imagens parecem apenas uma divagação artística, reforçando a sensação de que o livro se preocupa mais com a sua estética autoral do que com a comunicação efetiva com o leitor. É legítimo, claro(!), que um autor faça aquilo que lhe dá prazer. Mas a consequência disso - e igualmente legítima - é que a obra se torne de alcance diminuto. Como é o caso.

A falta de equilíbrio entre forma e conteúdo, ao nível do texto e, especialmente, do desenho, também prejudica a experiência de leitura. Há algumas páginas visualmente belas, com frases que poderiam ser lidas como poemas, mas que, inseridas dentro do contexto da narrativa, não contribuem para um desenvolvimento sólido da trama. O livro torna-se, pois, num exercício de estilo que não se sustenta narrativamente.

A edição da Editorial Caminho é em capa dura, com bom papel, boa impressão e encadernação. O livro apresenta um formato bastante pequeno, cabendo na palma de uma mão adulta.

Em suma, a sensação final que o livro deixa é a de um projeto que tinha potencial, mas que se perdeu na necessidade de ser excessivamente autoral. A preocupação em criar algo profundamente simbólico e filosófico acabou por se sobrepor ao prazer primitivo e etéreo da leitura. No fim das contas, O Tempo do Cão é uma obra que tenta ser mais do que consegue sustentar. A sua proposta alegórica e premissa têm força, mas a sua execução tropeça no excesso de abstração e na falta de uma estrutura envolvente. 


NOTA FINAL (1/10):
4.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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O Tempo do Cão, de Ondjaki e António Jorge Gonçalves - Editorial Caminho

Ficha técnica
O Tempo do Cão
Autores: Ondjaki e António Jorge Gonçalves
Editora: Caminho
Páginas: 136, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 124 x 174 mm
Lançamento: Fevereiro de 2025

Alix Senator está de volta!



É já a partir do próximo dia 22 de Abril que a Gradiva publica mais um álbum da série Alix Senator!

Desta vez, estamos perante o 12º volume da série (que na sua edição original já conta com 15 álbuns), que se intitula O Disco de Osíris. Os autores responsáveis pela obra mantêm-se Valérie Mangin e Thierry Démarez.

Por agora, o livro já se encontra em pré-venda no site da editora.

Mais abaixo, podem encontrar a sinopse da obra e algumas imagens promocionais da edição francesa da obra.


Alix Senator #12 – O Disco de Osíris

Roma, ano 11 a. C.

O imperador Augusto é todo­ ­poderoso. Alix tem mais de cinquenta anos e é senador.

De volta ao Egito para ajudar Enak, Alix descobre que o único remédio capaz de curar a sua doença mortal se encontra nas ruínas da Atlântida. Apesar de incrédulo, o senador decide embarcar na aventura.

Os sacerdotes do Nilo concordam em indicar­‑lhe a localização da porta para o reino lendário. Mas impõem­lhe uma condição inquietante: Alix tem de lhes trazer os ossos aí enterrados por Ísis há milénios: os de Osíris, o poderoso deus dos mortos.

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Ficha técnica
Alix Senator #12 – O Disco de Osíris
Autores: Valérie Mangin e Thierry Démarez
Editora: Gradiva
Páginas: 56, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 23,30 x 31,30 cm
PVP: 20,99€

Arte de Autor fecha o díptico "Brigantus"!



No dia 12 deste mês chega às livrarias o segundo (e último) volume da obra Brigantus, da autoria de Hermann & Yves H!

Depois de um primeiro volume com boas ideias e que trouxe alguma frescura face a um certo arrastamento verificado na série Duke, ambientada no faroeste e igualmente publicada pela Arte de Autor, a editora portuguesa fecha esta obra em dois volumes. O livro já se encontra em pré-venda no site da editora.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.


Brigantus #2 - O Picto (2 de 2), de Hermann & Yves H.

No coração da Escócia antiga, Melo Brigantus, soldado repudiado e expulso da legião romana, é recolhido pelos habitantes de uma pequena aldeia picta.

Inicialmente desconfiados, os autóctones acabam por adoptar este intruso que parece plenamente unido à causa deles. 

Quando as tropas romanas chefiadas pelo general Agrícola se aproximam, Brigantus vai ter de fazer escolhas certas.

Acabará ele, um dia, por entrever a luz?


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Ficha técnica
Brigantus #2 - O Picto (2 de 2)
Autores: Hermann & Yves H.
Editora: Arte de Autor
Páginas: 586, a cores
Encadernação: Capa dura
PVP: 18,50€

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Obra de Bernardim Ribeiro é adaptada para Banda Desenhada!


Já está disponível o novo livro da Coleção Clássicos da Literatura Portuguesa em BD, publicada pela editora Levoir, em parceria com a RTP!

Neste caso, estamos perante a adaptação para banda desenhada de Menina e Moça - originalmente escrita por Bernardim Ribeiro - que nos é dada pelas autoras Carina Correira e Rita Alfaiate.

Este já é o segundo livro da coleção com argumento de Carina Correia, que fez um bom trabalho no livro Maria Moisés, que teve ilustrações de Joana Afonso. Neste Menina e Moça, as ilustrações estão a cargo de Rita Alfaiate, uma autora de quem sou confesso fã e que considero uma das grandes promessas da banda desenhada nacional.

Por estes vários motivos, estou especialmente curioso em ler este livro.
Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.


Menina e Moça, de Carina Correia e Rita Alfaiate

Menina e Moça a conhecida novela de Bernardim Ribeiro é editada pela Levoir a 8 de Abril na colecção Clássicos da Literatura Portuguesa.

Menina e Moça é uma novela sentimental publicada no século XVI e é considerada o primeiro romance pastoril da Península Ibérica. A história está divida em 3 narrativas: “História de Lamentor e Bilesa”, “Os Amores de Binmarder a Aónia” e “Os Amores de Avalor por Arima”.
As três histórias relacionam-se entre si. As histórias têm temática romântica e passam-se em meio rural.

Escrita algumas décadas após o aparecimento das primeiras novelas sentimentais em Espanha, na segunda metade do século XV. A novela principia com o monólogo de uma jovem que não se conhece nem nome nem condição, num processo que lembra as cantigas de amigo. A jovem queixa-se de uma dolorosa separação e de mudanças que a atiraram para o desterro de um monte solitário, onde está há dois anos. E conta o que ocorreu dias antes, estando numa solidão sem medida, viu a manhã formosa por entre os prados do vale, sentou-se debaixo de um freixo, à beira-rio, e não faltou muito que numa ramada viesse pousar um rouxinol. Cantou um triste trinado e caiu morto na corrente larga da água, que o arrastou para longe. Aproximou-se então uma mulher idosa e com ela a jovem encetou um diálogo em torno das desventuras de cada uma.

E esta contou-lhe a desventura daquele lugar em que dois amigos acabaram mortos à traição, deixando as amadas à sua espera. E entra aqui a tradição dos relatos de amor cavalheiresco, na linha de Amadis de Gaula. Os romances pastoris foram muito específicos de uma época histórica.

De Bernardim Ribeiro pouco se sabe com exactidão. Poeta e novelista colaborou no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, pertenceu à roda dos poetas palacianos como Sá de Miranda, Garcia de Resende e Gil Vicente. Esteve algum tempo em Itália, onde entrou em contacto com as inovações literárias.

Não se conseguiu ainda provar que este poeta Bernardim Ribeiro e um provável seu homónimo que frequentou, entre 1507 e 1511, a Universidade de Lisboa, e que em 1524 foi nomeado escrivão da câmara, fossem a mesma pessoa.

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Ficha técnica
Menina e Moça
Autoras: Carina Correia e Rita Alfaiate
Adaptado a partir da obra original de Bernardim Ribeiro
Editora: Levoir
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 285 mm
PVP: 15,90€

Devir prepara-se para lançar "Alack Sinner"!



A editora Devir lança, a 17 de Abril, o segundo volume da sua Coleção Angoulême. Desta vez, estamos perante o clássico Alack Sinner, dos autores argentinos Carlos Sampayo e José Muñoz. 

Este trata-se do segundo volume da série policial Alack Sinner, sendo um dos mais emblemáticos da dos sete volumes que compõem a série.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.


Alack Sinner: Bófia ou Detetive, de Muñoz e Sampayo
A história passa-se em Nova Iorque, onde vive Alack Sinner, um ex-polícia que bebe muito, mas é fundamentalmente correto e pouco complacente com a corrupção dos que o rodeiam.

Um relato espirituoso mas crítico e desencantado sobre uma sociedade fanática, racista, gananciosa, que nos reenvia para autores como Raymond Chandler ou Chester Gould.

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Ficha técnica
Alack Sinner: Bófia ou Detetive
Autores: Muñoz e Sampayo
Editora: Devir
Páginas: 168, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 17 x 24 cm
PVP: 22,00€

terça-feira, 8 de abril de 2025

Passatempo Especial VINHETAS D'OURO 2024 - já temos vencedor!



Já temos o vencedor do passatempo especial, a propósito da Gala dos VINHETAS D'OURO 2024!

Gala essa que pode ser vista, relembro, aqui ou na página de facebook do Vinheta 2020.

O vencedor deste passatempo, que fez a proeza de conseguir acertar em 10 das 14 categorias a concurso é:



Rui Leal




Muitos parabéns!


Agradeço agora que o vencedor envie os seus contactos para vinheta2020@gmail.com


E obrigado a todos pelas participações!


Fiquem atentos a novos passatempos!

Arte de Autor prepara-se para publicar a última parte de "1629"!


A editora Arte de Autor prepara-se para lançar o segundo e último volume da obra 1629… ou a história apavorante dos náufragos do Jakarta

Isto são ótimas notícias, pois posso dizer-vos que adorei o primeiro volume deste díptico! Aliás, se houve coisa que me desagradou, foi ter que esperar pela publicação do segundo volume para concluir a leitura da obra. Felizmente, esse dia chegou! Ou está quase a chegar, visto que o livro está previsto para o final do mês, vá.

Este é um dos grandes lançamentos de banda desenhada do ano, estou certo!

O livro deverá ter lançamento oficial durante o próximo Coimbra BD e chegar às livrarias ainda durante o mês de Abril - lá mais para o final. Por agora, já se encontra em pré-venda no site da editora.
Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.


1629 - …ou a história apavorante dos náufragos do Jakarta - 2 - A Ilha Vermelha, de Xavier Dorison e Thimothée Montaigne

Inspirado numa história verídica...

“Para que o mal triunfe, basta que os homens de bem, nada façam”.

Dorison e Montaigne assinam a maior banda desenhada de aventuras marítimas...

Só os desesperados se arriscam a embarcar no Jakarta. A bordo, uma tripulação oriunda do submundo de Amesterdão e ouro e diamantes suficientes para despertar os desejos mais loucos. Um barril de pólvora num inferno flutuante. Convidada improvável nesta viagem ao pesadelo, Lucrécia Hans torna-se a única pessoa capaz de impedir Jéronimus Cornélius, um boticário herege arruinado, de acender o rastilho... Boa viagem.

Um díptico dedicado a uma das páginas mais sangrentas da história marítima, este thriller psicológico revisita uma história terrível de motim, naufrágio, massacre e sobrevivência. Ao centrar-se neste microcosmos sórdido, Xavier Dorison criou uma história de aventura magistral que retrata a escuridão da alma humana, magnificamente ilustrada por Thimothée Montaigne no auge dos seus poderes.

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Ficha técnica
1629 - …ou a história apavorante dos náufragos do Jakarta - 2 - A Ilha Vermelha
Autores: Xavier Dorison e Thimothée Montaigne
Editora: Arte de Autor
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 235 x 310 mm
PVP: 35,95€

Análise: Batman - Três Jokers

Batman - Três Jokers, de Geoff Johns, Jason Fabok, Brad Anderson - Devir

Batman - Três Jokers, de Geoff Johns, Jason Fabok, Brad Anderson - Devir
Batman - Três Jokers, de Geoff Johns, Jason Fabok, Brad Anderson

A seca foi grande, mas parece ter chegado ao fim! Passaram mais de dois anos sem que fossem publicados comics americanos de super-heróis em Portugal. O último livro havia sido Joker - Sorriso Mortal, em 2022, pela Levoir, e, desde então, os leitores portugueses de banda desenhada ficaram sem acesso a BD de super-heróis editada em português de Portugal.

Entretanto, os direitos de publicação da DC Comics passaram das mãos da Levoir para as mãos da Devir e é na primeira metade de 2025 que nos chega, para já, o primeiro livro por esta editora: Batman - Três Jokers, da autoria de Geoff Johns, Jason Fabok, Brad Anderson. E que belo começo para a Devir!

Este era um livro há muito aguardado por mim, não só por ter sido uma obra que ecoou bastante aquando do seu lançamento original em 2020, como também por nos apresentar uma das histórias mais intrigantes e impactantes do Homem-Morcego nos últimos anos. Com argumento de Geoff Johns, Batman - Três Jokers propõe-se responder a uma das questões mais instigantes do universo de Batman: "Afinal, quantos Jokers existem realmente?". Ora, como o próprio nome da obra assim faz crer, existem três Jokers: o "comediante", o "palhaço" e o "criminoso", com cada um deles a representar, claro está, um arquétipo da personagem ao longo das décadas. Mas será que as coisas são assim tão simples? Ficará ao critério do leitor descobri-lo.

Batman - Três Jokers, de Geoff Johns, Jason Fabok, Brad Anderson - Devir
A trama desenrola-se a partir do momento em que Batman - que nesta história é acompanhado por Batgirl e Red Hood, AKA Jason Todd, antigo Robin - descobre que há três Jokers diferentes a operar simultaneamente em Gotham City. Será que algum deles é uma cópia do maior vilão de sempre ou tratam-se de versões da mesma pessoa? Cópias baratas feitas por admiradores? Uma coisa é certa: todos eles representam diferentes facetas do Príncipe Palhaço do Crime, o que permite explorar, quase em tom de hommage, as diferentes versões de Joker ao longo dos anos, remetendo o leitor para as suas diversas interpretações, não só na banda desenhada, como no cinema, na televisão ou nos videojogos.

Apreciei especialmente a forma como a trama lida com o impacto emocional do Joker sobre os seus maiores inimigos. Jason Todd talvez seja o mais afetado, pois um dos Jokers que marca presença neste livro é aquele que o torturou e matou na clássica história A Death in the Family. O trauma e a sede de vingança de Jason são, pois, trabalhados de maneira intensa, levando a momentos de extrema brutalidade e confronto moral na obra.

Quanto a Barbara Gordon, a Batgirl, esta também carrega as suas próprias cicatrizes e traumas, já que um dos Jokers é aquele que a deixou paralisada na icónica história Piada Mortal. A forma como a personagem lida com esse trauma é bem diferente da de Jason: enquanto ele procura vingança, Barbara tenta manter o controlo e ultrapassar esse momento angustiante de um modo mais passivo e menos vingativo. A dinâmica entre estas três personagens é um dos pontos mais interessantes da trama, revelando as suas diferenças na forma de lidar com o passado.

Batman - Três Jokers, de Geoff Johns, Jason Fabok, Brad Anderson - Devir
O que me leva a uma questão: Batman é um mero peão nesta história. Continua presente, claro, mas parece aqui marcar presença só para que possamos dizer que é um livro de Batman. Para "cumprir calendário", portanto. Quanto a mim, isso acaba por fazer com que a obra se desfoque em demasia. E que faça com que a própria premissa de existirem, aparentemente, três Jokers não seja totalmente bem aproveitada.

Não me entendam mal: eu diverti-me muito a ler este livro e recomendo-o totalmente para os fãs de Batman. Admito que estava com fome de Batman, estava com fome de Joker e estava com fome de Gotham City. Por isso, e só por si só, eu já ficaria feliz com a existência de mais um livro entre nós. E, além disso, com o foco a ser em Joker, eu não poderia estar mais satisfeito. Gostei do livro, sim, e considero obrigatório para os fãs de Batman. Deixo isso bem claro. Todavia, talvez estivesse à espera de mais.

Voltando à personagem de Batman, a coisa mais interessante neste Três Jokers até é o facto de a história sugerir que o super-herói sempre soube que havia mais de um Joker., o que levanta questões sobre a sua relação com o vilão, adicionando uma camada (ainda) mais complexa à mitologia e vivências passadas da personagem.

Batman - Três Jokers, de Geoff Johns, Jason Fabok, Brad Anderson - Devir
A narrativa de Geoff Johns acaba por ser tanto uma homenagem, quanto uma reinterpretação da história de Batman e de Joker. Johns pega em eventos icónicos da série e, com ousadia, recontextualiza-os, dando novas camadas de significado a cada uma das personagens. 

Admito que a resposta à questão sobre o "como" e o "porquê" dos três Jokers não me deixou totalmente convencido e que gostaria que o foco total da obra tivesse caído no Joker e não tanto em Batman, Batgirl ou Red Hood, pois há um desvio, algo forçado, do mistério central para se dar destaque a elementos já explorados anteriormente, como o trauma de Jason Todd e de Barbara Gordon. Embora essas questões sejam importantes, e até me tenham agradado ao princípio, também considero que acabam por ofuscar a promessa inicial da história: explicar de forma mais aprofundada a existência dos três Jokers. Ou então, lá está, o livro deveria ter mais páginas para dessa forma poder limar melhor as arestas da trama.

Seja como for, Batman - Três Jokers é uma leitura essencial para fãs do Cavaleiro das Trevas e de Joker. Com uma história bem construída, personagens complexos e uma arte impressionante, não deixa de ser verdade que estamos perante uma das melhores histórias de Batman dos últimos anos. A forma como a história lida com os temas do trauma, da identidade e do legado fazem desta uma obra que merece ser analisada e discutida por muito tempo.

Se a história é complexa e bem esgrimida, as ilustrações de Jason Fabok também são um dos grandes destaques da obra. O traço do autor é detalhado, estilizado e cinematográfico, com cada vinheta a ser meticulosamente construída, com um jogo de luz e sombras que reforça o tom sombrio da narrativa que gostamos de encontrar em Batman

Batman - Três Jokers, de Geoff Johns, Jason Fabok, Brad Anderson - Devir
As texturas das roupas, as marcas no rosto dos personagens, a forma como a chuva escorre pelas ruas de Gotham – tudo isso contribui para uma atmosfera densa e imersiva. O próprio desenho dos três Jokers também merece destaque, pois Fabok consegue diferenciá-los claramente sem perder a essência do vilão. Algo que não era fácil de executar, diria. O "Criminoso" tem uma postura rígida e calculista, com um olhar frio e ameaçador; o "Palhaço" remete-nos para o Joker mais "cartoonesco" das histórias clássicas da série; e o "Comediante" carrega um semblante de sadismo absoluto, evocando a versão de Piada Mortal.

Para além do fantástico desenho - e olhem bem para a forma como a ilustração da capa é linda! - a paleta de cores de Brad Anderson complementa perfeitamente o aspeto visual da obra, destacando o contraste entre neons vibrantes e a escuridão de Gotham.

A edição da Devir é verdadeiramente um mimo para os leitores! O livro apresenta capa dura baça com generosos detalhes com verniz localizado. No miolo, o papel brilhante utilizado é de ótima qualidade, com a impressão e a encadernação do livro a serem bastante boas, também. Em termos de aspeto, diria que é uma edição em tudo mais próxima daquelas que a G. Floy Studio faz das séries americanas que publica, do que das edições que a Levoir apresentou, no passado, para os vários livros de Batman que foi lançando. No final, a edição da Devir contém ainda quatro páginas adicionais que incluem capas alternativas, biografias dos autores e uma contextualização da história.

Em suma, a Devir regressa em grande ao lançamento de comics americanos de super-heróis com este Três Jokers, uma das melhores histórias de Batman dos últimos anos e que, mesmo não sendo perfeita, nos permite mergulhar na mente perturbada de Joker e na influência que o maior vilão de todos os tempos consegue ter junto das personagens (leitores?) que com ele se cruzam.


NOTA FINAL (1/10):
9.3



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Batman - Três Jokers, de Geoff Johns, Jason Fabok, Brad Anderson - Devir

Ficha técnica
Batman - Três Jokers
Autores: Geoff Johns, Jason Fabok, Brad Anderson
Editora: Devir
Páginas: 164, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Fevereiro de 2025

segunda-feira, 7 de abril de 2025

ASA prepara-se para publicar o último volume de Airborne 44!



A editora ASA prepara-se para lançar, a partir do próximo dia 15 de Abril, aquele que é o 10º volume da série Airborne 44, de Philippe Jarbinet!

Recorde-se que, por agora, a série conta com 10 volumes. Os primeiros 6 volumes foram lançados numa coleção editada com o Público, enquanto os 7º e 8º volumes foram lançados mais tarde e de uma só vez. No ano passado, a editora portuguesa publicou o 9º volume, Black Boys, e agora prepara-se para editar o 10º tomo da série que se intitula Wild Men.

O livro já se encontra em pré-venda no site da editora.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais da edição francesa da obra.

Airborne 44 - Wild Men - Vol. 10, de Philippe Jarbinet

«Ei, Virgil!

Desta vez, sou eu quem te ouve a pensar durante todo o caminho até Nova Iorque.

Tens de parar. Se quiseres sobreviver, coloca-te no modo zero.

Estás aqui e agora!

O resto não existe.»

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Ficha técnica
Airborne 44 - Wild Men - Vol. 10
Autor: Philippe Jarbinet
Editora: ASA
Páginas: 72, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 320 x 238 mm
PVP: 14,95€

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Análise: O Meu Marido Dorme no Congelador

O Meu Marido Dorme no Congelador, de Misaki Yazuki e Hyaku Takara - A Seita

O Meu Marido Dorme no Congelador, de Misaki Yazuki e Hyaku Takara - A Seita
O Meu Marido Dorme no Congelador, de Misaki Yazuki e Hyaku Takara

Desde há dois anos para cá, sensivelmente, a editora A Seita tem reforçado a sua aposta no lançamento de mangás. Para tal efeito, a cooperativa editorial até criou o selo editorial Ikigai, apostado no lançamento de séries de mangá, das quais poderemos mencionar os três principais títulos do género da editora: Butterbly Beast, Gannibal e Made In Abyss. Todas elas séries em continuação. A par disso, a editora lançou, num só volume, a bela obra O Preço da Desonra e, mais no final do ano passado, também apostou neste título autocontido intitulado O Meu Marido Dorme no Congelador. A autoria de tal obra, com um nome tão sugestivo, pertence às autoras Misaki Yazuki e Hyaku Takara. Ou melhor, Hyaku Takara adapta para banda desenhada o romance original de Misaki Yazuki.

O Meu Marido Dorme no Congelador, de Misaki Yazuki e Hyaku Takara - A Seita
A história centra-se na personagem de Nana, uma jovem mulher que sofre de violência doméstica. Até que chega o dia em que decide matar o marido. Esse ato traz-lhe uma sensação de liberdade e de leveza. Para evitar problemas com as autoridades, Nana esconde o cadáver do seu marido no congelador da sua arrecadação. Mas no dia seguinte, quando vê o seu marido vivo e a agir como se nada tivesse passado, Nana começa a duvidar se terá mesmo assassinado o seu marido ou não.

O livro apresenta uma premissa intrigante e pouco convencional, diferenciando-se das obras mais comuns no universo dos mangás. Com um tom mais adulto e uma narrativa que explora temas de desejo, obsessão e mistério, a obra almeja atrair leitores que procuram uma história que vá além dos enredos típicos do mangá por cá editado, mais voltados para um público juvenil. O título, por si só, já sugere um enredo provocador e envolto em suspense, despertando curiosidade imediata.

E desde as primeiras páginas, até se nota que a obra não hesita em abordar temas mais densos e complexos. A relação entre os protagonistas é marcada por uma intensa carga emocional e uma dinâmica de poder que se desenrola ao longo da narrativa. Também o erotismo se apresenta de forma clara, diferenciando-se de muitos mangás que apenas sugerem tais temas sem mergulhar neles de maneira concreta. No entanto, esta abordagem erótica, que até poderia ser um dos grandes atrativos de O Meu Marido Dorme no Congelador, acaba por não ser tão bem trabalhada, nem tão bem aproveitada, para tornar a experiência de leitura mais impactante. Há momentos em que a tensão sexual entre as personagens é bem construída, mas noutros casos, a narrativa parece hesitar (temer?) em aprofundar essas interações. Considero que se tivesse havido mais despudor em algumas cenas eróticas, essa valência poderia ter beneficiado o cariz adulto da obra. Assim, tal como foi, pode ter um cariz adulto, mas que mais parece um cariz juvenil a querer tentar ser mais adulto. E são coisas (bem) diferentes, claro.

O Meu Marido Dorme no Congelador, de Misaki Yazuki e Hyaku Takara - A Seita
A construção dos personagens é um dos pontos fortes da obra. A protagonista é multifacetada, oscilando entre momentos de fragilidade e de uma força inesperada. O marido, por outro lado, apresenta um mistério constante que mantém o leitor intrigado. A química entre os dois é evidente e, embora em alguns momentos a relação pareça desequilibrada, isso reforça a intensidade emocional da trama.

No entanto, lá para o meio do livro, a história parece perder-se a si mesma, optando por viravoltas rocambolescas e rebuscadas que, sinceramente, me fizeram revirar os olhos por duas ou três vezes. Lá se foi o cariz mais adulto da trama. E é pena, porque a premissa inicial até é forte e cativante, sublinho.

Esta dispersão no enredo faz com que não se explore com profundidade algumas das questões levantadas no início, levando a que o discurso, dúvidas e pensamentos da protagonista se tornem redundantes. É um daqueles livros que não precisava de tantas páginas para contar a mesma história. 

O Meu Marido Dorme no Congelador, de Misaki Yazuki e Hyaku Takara - A Seita
Além disso, a obra pisca o olho ao suspense e ao mistério, mas não os desenvolve completamente. O mistério do marido "a dormir" no congelador poderia ter sido um elemento central de uma trama mais elaborada, explorando aspetos psicológicos e emocionais de maneira mais profunda. Acabou por ser demasiado leve e... juvenil.

As ilustrações de Hyaku Takara, são bastante agradáveis. Não sendo especialmente fantásticas, são extremamente eficientes a ilustrar os vários momentos da narrativa com a dose certa de intensidade e drama. O traço é expressivo e contribui para a atmosfera sombria e sedutora da história, bem como para a transmissão das emoções das personagens de maneira envolvente. 

A edição d' A Seita é em capa mole, sem badanas, e com papel decente no miolo do livro, o que se enquadra com o tipo de edição que estamos acostumados a ver em obras de estilo mangá, não só pelas mãos d' A Seita, como nos lançamentos congéneres de outras editoras portuguesas.

No geral, O Meu Marido Dorme no Congelador é um mangá que se destaca pela sua premissa original e pela sua abordagem de thriller mais adulto e erótico. Essa abordagem mais madura atrai um público que procura histórias mais provocantes e psicológicas. No entanto, para que esse impacto fosse maior, seria necessário um pouco mais de desenvolvimento na trama e um melhor aproveitamento do erotismo e do mistério. Dessa forma, poderíamos estar perante uma obra memorável dentro do género.


NOTA FINAL (1/10):
7.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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O Meu Marido Dorme no Congelador, de Misaki Yazuki e Hyaku Takara - A Seita

Ficha técnica
O Meu Marido Dorme no Congelador
Autoras: Misaki Yazuki e Hyaku Takara
Editora: A Seita
Páginas: 384, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 127 x 180 mm
Lançamento: Setembro de 2024

Ilustra BD 2025 arranca no próximo sábado!




Encontramo-nos naquela altura do ano em que há uma concentração de vários eventos bedéfilos no roteiro dos apaixonados pela banda desenhada.

Depois de terminado o LouriBD, e ainda antes do Coimbra BD e do Maia BD, arranca já neste sábado o IlustraBD - Mostra de Ilustração e Banda Desenhada do Barreiro.

Este é um evento bem simpático, muito perto para os lisboetas (e não só), do qual já tive a oportunidade de participar, e que conta com exposição, um debate e vários workshops que vão sendo dados ao longo das próximas semanas, até ao dia 22 de Junho, mês em que o evento é encerrado.

De qualquer maneira, é neste sábado que o evento se reveste de maior importância, com a presença de um painel com Susa Monteiro, Alain Corbel, Jorge Buesco e Paulo Monteiro, que será moderado por Pedro Moura.


Mais abaixo, podem encontrar a nota de imprensa da organização e o programa completo.

Não deixem de comparecer!



Escorpião Azul lança BD inédita de André Diniz!


A editora Escorpião Azul lançou, durante o LouriBD, a sua mais recente aposta que dá pelo nome de Homem de Neandertal e que é da autoria de André Diniz.

O autor luso-brasileiro, cuja maior parte da sua obra foi editada em Portugal pela Polvo - com exceções aos livros O Idiota (Levoir) e o recente Muzinga (A Seita) -, vê agora a Escorpião Azul a juntar-se ao já largo conjunto de editoras portuguesas que apostam no seu trabalho.

Este Homem de Neandertal tem a particularidade de ser um trabalho a cores - o que é raro nos livros de André Diniz - e de, além disso, ser um livro mudo, sem falas.

Pude folheá-lo durante o LouriBD e posso dizer-vos que considerei bastante apelativo o trabalho visual do autor.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.

Homem de Neandertal, de André Diniz

Neste livro, André Diniz conduz o leitor a um intrigante mergulho no passado, onde a luta pela sobrevivência e os primeiros indícios de humanidade se entrelaçam. 

A história acompanha um Neandertal que, além de enfrentar diversos desafios impostos pela natureza e pela convivência em grupo, é arrebatado por algo inesperado: a arte rupestre criada por humanos.

Encantado e curioso por aqueles desenhos nas cavernas, tenta decifrar o que significam aqueles rabiscos que tanto o fascinam. A busca por respostas leva-o a reflectir sobre a sua existência, a sua relação com o mundo em redor e o que diferencia a sua espécie da dos humanos.
Esta obra, não retrata apenas a pré-história, mas também convida o leitor a reflectir sobre a origem da arte, a origem da comunicação e a origem do próprio espírito humano. É uma história visual que revela o elo entre o passado remoto e as questões intemporais da humanidade.


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Ficha técnica
Homem de Neandertal
Autor: André Diniz
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 104, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
PVP: 26,00€