sexta-feira, 3 de maio de 2024

Análise: A Árvore Despida

A Árvore Despida, de Keum Suk Gendry-Kim - Levoir

A Árvore Despida, de Keum Suk Gendry-Kim - Levoir
A Árvore Despida, de Keum Suk Gendry-Kim

Foi com expectativas bastante elevadas que parti para a leitura deste A Árvore Despida, tendo em conta que se trata da obra de uma autora que, de um momento para o outro, recebeu uma assinalável aposta por parte das editoras portuguesas, nomeadamente com o lançamento, quase simultâneo, de Alexandra Kim, Filha da Sibéria (também pela Levoir) e de A Espera, pela editora Iguana (que também já anunciou que irá lançar, neste ano de 2024, o livro A Erva.) Esse A Espera foi o primeiro livro que li da autora, do qual já aqui falei, e, realmente, agradou-me bastante.

Quanto a este A Árvore Despida, tendo um tema interessante, ficou um pouco aquém das minhas expectativas. Não por ser um mau livro, ou algo que se pareça, mas por não ter, quanto a mim, um foco narrativo, ou uma linha condutora do relato, tão bem engendrados como acontece, por exemplo, em A Espera.

A Árvore Despida, de Keum Suk Gendry-Kim - Levoir
A história mantém-nos na realidade coreana, mais concretamente na Guerra que opôs o norte e o sul do país. Este é um livro que resulta de uma adaptação da obra literária de Park Wan-Seo e que nos conta a história da jovem Kyung que, quando a guerra da Coreia começa, em 1950, vive com a sua mãe. Para encontrar sustento, passa a trabalhar numa loja do exército americano, onde são vendidos aos soldados lenços ilustrados a partir das fotografias que esses mesmos soldados fornecem aos desenhadores que trabalham na loja. Os soldados americanos veem-se na necessidade de pedir este serviço para que os seus entes queridos, dos quais estão longe, possam simbolicamente viajar de perto consigo, em leves e portáteis lenços que cabem nos bolsos das suas fardas.

E é nessa loja que, num dia, Kyung conhece Ok Heedo, um pintor que tivera que fugir do norte da Coreia para poder sobreviver e alimentar a sua família. Ok Heedo era pintor “a sério” e vê-se agora na necessidade de ter que fazer um trabalho menos digno do ponto de vista artístico. Mas o seu talento e os seus modos são tais, que Kyung acaba por se apaixonar por ele. Contudo, Ok Heedo é casado e tem filhos e, portanto, Kyung passa a alimentar dentro de si a ideia de um romance impossível. E não correspondido.

Mas a história deste A Árvore Despida não se ocupa apenas da paixão de Kyung por Ok Heedo. O passado da família da protagonista também nos é revelado. E é um passado marcado por eventos tenebrosos que causaram mágoa e trauma em Kyung e na sua mãe.

A Árvore Despida, de Keum Suk Gendry-Kim - Levoir
A história e a seriedade da obra são mais que relevantes, mas, mesmo assim, o livro acaba por andar meio perdido, em termos narrativos, entre o romance, o facto de ser um livro de guerra e o drama familiar. É claro que pode ser isso tudo – e neste caso até isso que acontece. Não obstante, essas várias valências da obra parecem não alcançar uma simbiose entre si em termos narrativos. A própria parte sobre a família da protagonista que, na minha opinião, acaba por ser a melhor parte do livro, parece cair algo de "pára-quedas" na história que, por isso, se revela algo fragmentada.

Na primeira metade da obra, a autora Keum Suk Gendry-Kim demonstra-nos vários eventos corriqueiros do dia a dia de Kyung que, sendo de contexto para nos situar na realidade vivida pelos coreanos durante a guerra, acabam por ser algo aborrecidos. Todavia, também reconheço que, sensivelmente a partir da segunda metade da obra, em que passamos a conhecer o passado da família de Kyung, a história nos consegue marcar e tocar-nos no âmago. Aliás, estou certo que daqui a uns meses provavelmente não recordar-me-ei da história de Kyung e de Ok Heedo, mas lembrar-me-ei certamente da relação de Kyung com a sua mãe e do papel que a perda dos irmãos da protagonista teve nas duas mulheres. É esse o “néctar” do livro e só lamento que não seja a parte a que a autora deu maior destaque na obra.

Assim sendo, se a parte do “quase-romance” entre Kyung e Ok Heedo me pareceu algo arrastada e carregada de marasmo, a descrição do passado da sua família, e daquilo que aconteceu aos seus irmãos, deixou-me bem mais “abananado”.

Normalmente, até refiro muitas vezes que muitos livros de banda desenhada precisavam de mais páginas para serem mais marcantes, ou melhor amadurecidos pelo autor, mas, no caso concreto deste A Árvore Despida, julgo que mais de 300 páginas para a história que aqui nos é dada, são demasiadas páginas. 120 ou 150 páginas seriam mais que suficientes para (bem) contar a parte mais relevante e, portanto, melhor deste A Árvore Despida.

Além disso, acresce ainda que o ritmo narrativo não é o melhor, já que, mais para o final da obra, tenhamos vários saltos no tempo que parecem algo aleatórios e insuficientemente contextualizados. Mesmo sem que eu tenha lido a obra original, fica no ar a ideia de que a adaptação se centrou apenas em alguns aspetos/capítulos da obra de Park Wan-seo, carecendo, depois, de um fio condutor narrativo mais coeso que pudesse melhor unir as diferentes partes.

Seja como for, é um livro sério, relevante pela realidade da Guerra da Coreia que nos dá, e que merece ser (re)conhecido.

A Árvore Despida, de Keum Suk Gendry-Kim - Levoir
Quanto aos desenhos, a autora mantém o registo já demonstrado em A Espera e, portanto, reitero o que já havia escrito a propósito dessa obra: a autora “oferece-nos ilustrações a preto e branco puro, sem cinzentos, maioritariamente simples na forma. E utilizo a expressão “maioritariamente simples na forma” porque, de facto é isso que acontece, mas, ainda assim, há vários momentos ao longo do livro onde as ilustrações da autora coreana atingem um nível mais gratificante e evoluído tecnicamente. São desenhos inspirados, com uma aura expressionista, onde delicados e belíssimos cenários nos são dados. O que, sendo algo bom, causa um certo desequilíbrio ao todo, tenho que admitir. É verdade que muitas expressões faciais parecem “cartoonizadas” de uma forma quase infantil e apresentam um traço algo arcaico, mas noutros casos, o desenho apresenta uma qualidade ao nível da pintura, tal não é a beleza estética do mesmo! Fico com a ideia de que a autora desenha normalmente de forma rápida e direta e que, noutros casos, despende mais tempo e devoção, dando-nos ilustrações lindas (…) E são esses os melhores momentos da obra, em termos de ilustração.”

A edição da Levoir apresenta um aspeto idêntico aos outros livros que a editora tem lançado nas suas coleções de novelas gráficas, embora, no caso concreto, este livro tenha sido lançado diretamente para as livrarias e de forma avulsa, não fazendo parte de nenhuma coleção. A capa é dura e, no miolo do livro, o papel é de boa qualidade. Como complemento à obra, há um prefácio escrito por Ho Won-sook, filha de Park Wan-seo; um posfácio de Keum Suk Gendry-Kim; e ainda um dossier de oito páginas que inclui fotos documentais e um texto de Pascal Dayez-Burgeon sobre a Guerra da Coreia. É uma boa edição da Levoir.

Em suma, A Árvore Despida é uma obra que adapta para banda desenhada o romance homónimo de Park Wan-Seo, tendo como pano de fundo a Guerra da Coreia que, lamentavelmente, até parece ficar muitas vezes esquecida quando, do lado ocidente do globo, se pensa nos mais relevantes conflitos bélicos que já assolaram o planeta. Mas a obra de Keum Suk Gendry-Kim tem sido resiliente em mostrar-nos que os efeitos desta guerra, mesmo no mundo atual, ainda não terminaram.


NOTA FINAL (1/10):
8.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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A Árvore Despida, de Keum Suk Gendry-Kim - Levoir

Ficha técnica
A Árvore Despida
Autora: Keum Suk Gendry-Kim
Editora: Levoir
Páginas: 328, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 190 mm x 280 mm
Lançamento: Dezembro de 2023

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