quinta-feira, 23 de maio de 2024

Análise: The Walking Dead - Coletânea 2

The Walking Dead - Coletânea 2, de Robert Kirkman, Charlie Adlard e Cliff Rathburn - Devir


The Walking Dead - Coletânea 2, de Robert Kirkman, Charlie Adlard e Cliff Rathburn - Devir
The Walking Dead - Coletânea 2, de Robert Kirkman, Charlie Adlard e Cliff Rathburn

Depois de quase 7 anos de espera, eis que a editora portuguesa Devir voltou a The Walking Dead! Julgo que isso, por si só, já será uma excelente notícia para muitos leitores e adeptos desta série que, rapidamente, se tornou, à escala global, um enorme sucesso, não só em termos de banda desenhada como, também, em termos de série televisiva.

Este é um livro enorme em dimensão pois, tendo mais de 500 páginas, agrega 4 volumes num só livro. Denomina-se, por isso, de “coletânea”, sendo esta a segunda de um total de oito. Relembro que, em 2016, a editora lançou a primeira coletânea e que a mesma continua disponível para venda.

Recolhi por essa internet fora várias reações negativas face ao enorme interregno temporal que houve entre o lançamento da primeira e, agora, da segunda coletânea. Naturalmente, compreendo que um leitor de banda desenhada queira continuar a ler as séries do seu interesse de forma ininterrupta, mas também devo dizer que essas críticas apontadas à Devir são algo infundadas porque, na verdade, este interregno não foi bem uma escolha editorial da Devir, já que a negociação dos direitos da série esteve "embrulhada" pelo lado americano, durante um grande tempo.

The Walking Dead - Coletânea 2, de Robert Kirkman, Charlie Adlard e Cliff Rathburn - Devir
É lógico que, por outro lado, também compreendo que muitos dos leitores portugueses que se viram privados de continuar a ler a série em português, tenham optado por fazê-lo em inglês ou noutra língua. Mas, lá está, esta é uma série que apela a um grande público e quer-me, por isso, parecer, que ainda há uma franja de público considerável que ainda não leu a série (ou que deixou de a ler) e que, agora que The Walking Dead foi retomada, pode mergulhar numa série de enorme sucesso. Portanto, deixando as críticas de lado, acho que, neste caso, e conhecendo as causas antes de opinar, talvez seja mais avisado dar louvores às Devir por não deixar a série no limbo e por regressar à publicação da mesma.

The Walking Dead é uma série de zombies criada por Robert Kirkman que se tornou num autêntico fenómeno mundial. É quase impossível que haja alguém que não saiba o que é The Walking Dead – e para isso também contribui o facto de a série televisiva ser das mais célebres dos últimos anos. A causa deste mundo pós-apocalíptico é uma epidemia de proporções mundiais que varreu o globo, fazendo com que os mortos ganhassem vida e começassem a alimentar-se dos vivos. Dito assim, pode parecer uma ideia algo pobre e, até mesmo, simplória, mas garanto-vos que a questão dos zombies é um mero engodo narrativo para um autêntico tour de force em termos de narrativa e estudo sociológico.

The Walking Dead - Coletânea 2, de Robert Kirkman, Charlie Adlard e Cliff Rathburn - Devir
Esta Coletânea 2 começa a partir do quinto capítulo, intitulado A Melhor Defesa. Rick Grimes, o protagonista, e as personagens que circundam à sua volta mantêm-se a ocupar uma prisão, tornando-a num lar e num forte defensivo contra a praga de zombies que parece não cessar de os rodear. As personagens secundárias recebem mais atenção nesta fase da série, permitindo uma exploração mais rica das suas histórias e motivações. E isso não só adiciona profundidade à trama, como também amplia o espectro emocional da narrativa. As interações entre os membros do grupo refletem, pois, a diversidade de respostas humanas ao trauma e à adversidade, passando por atitudes altruístas ou profundamente maléficas. Lori, Glenn, Andrea e outros membros do grupo enfrentam os seus próprios demónios e desafios, revelando camadas complexas de personalidade e resiliência.

E, claro, com a figura do Governador, Kirkman consegue atribuir valentes camadas de violência psicológica à série. Se um bom herói é espírito e vida de uma boa série, não tenho dúvidas de que um bom vilão é o que torna a história mais impactante e, por conseguinte, inolvidável para o leitor. Pelo menos é isso que acontece comigo. "Chapéus (e heróis) há muitos…" mas bons vilões nem sempre aparecem nas histórias que leio. E a personagem de o Governador é um desses vilões que resiste ao teste do tempo. Nunca mais o esquecemos depois de lermos The Walking Dead.

The Walking Dead - Coletânea 2, de Robert Kirkman, Charlie Adlard e Cliff Rathburn - Devir
Além disso, o que é absolutamente fabuloso em The Walking Dead, não é especialmente o facto de esta ser uma série de zombies, mas sim a própria narrativa que, sendo complexa, consegue explorar bem a psique e o instinto de sobrevivência das personagens, bem como as suas relações interpessoais num mundo pós-apocalíptico. Kirkman aprofunda o desenvolvimento de várias personagens, mas com especial ênfase em Rick Grimes, dando destaque às suas lutas internas e a decisões difíceis que precisam de ser tomadas para proteção da sua família e do seu grupo.

A tensão psicológica é constantemente elevada, com dilemas éticos que desafiam a humanidade das personagens, forçando-as a redefinir os seus conceitos de certo e errado. The Walking Dead é, pois, um autêntico tratado a nível sociológico, onde fica bem visível a enorme habilidade de Kirkman para combinar o horror e o drama numa história que ressoa nos leitores. O simbolismo da horda de zombies como uma representação da inexorável decadência da civilização e da moralidade humana também é uma constante presença poderosa na narrativa, que se desenrola com um ritmo intenso, onde a segurança é efémera e as ameaças são constantes. Tanto dos mortos como dos vivos.

As ilustrações de Charlie Adlard cumprem bem a sua tarefa, servindo a narrativa e proporcionando ao leitor alguns bons momentos, mas tenho que relembrar que o trabalho de Tony Moore, que ilustrou apenas o primeiro capítulo da série, com o seu estilo mais “cartoonizado” - o que possibilitou às personagens a obtenção de uma expressividade marcante - nunca mais foi igualado. O trabalho de Adlard é bom, mas inferior ao de Moore, a meu ver. É claro que tendo Charlie Adlard assumido, depois, a partir do segundo capítulo e até ao fim, os desígnios da ilustração da série, acabou por lhe incutir muito do seu cunho pessoal. Tratar-se-á de uma questão algo subjetiva - e, portanto, pessoal - mas, quanto a mim, sempre lamentei que Tony Moore tivesse deixado o projeto.

The Walking Dead - Coletânea 2, de Robert Kirkman, Charlie Adlard e Cliff Rathburn - Devir
Seja como for, a planificação é bastante cinematográfica e o jogo de luz proporcionado pelo preto e branco de Adlard - que depois recebe ainda os tons a cinza de Cliff Rathburn - tem vários momentos bem conseguidos que fazem jus ao argumento dinâmico de Kirkman, conseguindo dar à série o aspeto sombrio, com atmosferas desoladas, que a narrativa pedia.

Em termos de edição, o livro apresenta capa mole com badanas e um papel bastante fino que quase lembra o papel que encontramos em revistas! Isto pressupõe que tenhamos que ter algum cuidado no manuseamento do livro para que não fiquemos com uma página na mão. Compreendo, por outro lado, que é uma opção editorial que funciona bem para conseguir reunir num só livro, 4 capítulos e mais de 500 páginas, sem que o mesmo pareça uma “lista telefónica”. Nesse ponto, funciona bem, de facto, mas fica o aviso para terem cuidado no manuseamento do livro. Mesmo assim, tenho que admitir também que, com as devidas precauções, o livro resiste bem e, pelo menos, não fica com aquele vinco típico que costuma aparecer nas lombadas dos livros grossos de capa mole. De resto, a impressão e a encadernação apresentam boa qualidade.

Em suma, The Walking Dead continua a explorar a ideia de que os verdadeiros monstros nem sempre são os zombies, mas os próprios humanos, quando se deixam levar ao extremo pelas suas fantasias, amarguras e desejos mais diabólicos. A habilidade de Kirkman em criar situações de alta intensidade emocional faz com que os leitores se envolvam profundamente com as personagens e com as suas jornadas, possibilitando que esta série continue a ser um estudo fascinante da condição humana em tempos de crise extrema e oferecendo-nos uma leitura que é ao mesmo tempo emocionante e profundamente reflexiva.


NOTA FINAL (1/10):
9.4



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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The Walking Dead - Coletânea 2, de Robert Kirkman, Charlie Adlard e Cliff Rathburn - Devir

Ficha técnica
The Walking Dead - Coletânea 02
Autores: Robert Kirkman, Charlie Adlard e Cliff Rathburn
Editora: Devir
Páginas: 544 páginas, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 26 cm
Lançamento: Março de 2024

2 comentários:

  1. Um livro que custa apenas o dobro da fanzine agrafada que discutimos a semana passada é que tem papel fino e precisa de cuidado a ser manuseado??? Continua o circo da “crítica” portuguesa. Portugal tem o melhor mercado editorial do mundo, todos os livros publicados estão entre o 8,5 e o 10!

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    1. Cara(o) Anónima(o), não percebi o seu comentário. Acha caro ou acha barato este livro? Quanto ao circo da "crítica" portuguesa, também não percebi ao que se refere. Pode ser mais claro?

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