A editora A Seita reeditou recentemente o livro A Revolução Interior - À Procura do 25 de Abril. A obra havia sido originalmente editada pelas Edições Afrontamento, há 25 anos, a propósito das comemorações do 25 de Abril. Se há 25 anos este livro fazia sentido, hoje em dia, passados outros 25 anos, que nos deixam no importante marco dos 50 anos do 25 de abril, e numa altura em se tem assistido a um novo empoderamento de forças de direita por essa Europa fora, incluindo Portugal, julgo que é ainda mais urgente a leitura deste A Revolução Interior - À Procura do 25 de Abril.
Confesso que não tinha lido o livro original, editado há 25 anos. E, portanto, avancei para esta leitura um pouco “às escuras”, sabendo apenas que os três nomes que assumem a autoria da obra, têm provas dadas e consolidadas na banda desenhada nacional. Falo de João Ramalho-Santos, João Miguel Lameiras e José Carlos Fernandes.
Este é um livro de cariz totalmente didático em que, como numa boa aula de história, nos é explicado tudo aquilo que levou ao 25 de Abril, abordando com rigor as causas que despoletaram a Revolução dos Cravos e o sentimento geral experienciado pela população.
Tudo começa quando um pai e um filho, um adolescente, encetam um diálogo sobre o 25 de Abril. O jovem parece saber pouco ou nada sobre essa importante data para a Democracia portuguesa, contudo, o seu pai, sendo fotógrafo de profissão, viveu de perto a revolução de 1974, tendo recolhido um belo registo fotográfico sobre os eventos vividos nesse tempo de agitação político-social. Pai e filho começam a falar de forma simples, realista e direta sobre o 25 de Abril. E é através desse diálogo que o leitor desta obra recebe uma aula simples, mas rigorosa, sobre o tema. O discurso é linear, escorreito e levanta bem as questões para a seguir lhes responder, utilizando, para tal, a ignorância descontraída do filho e o conhecimento empírico e maduro do pai. O objetivo de educar/informar quem lê o livro é, pois, amplamente conseguido pelos autores.
Não é uma obra que mude uma vida – nem nada que se pareça – mas também não me parece que fosse essa a premissa dos autores. E, mesmo assim, acaba por ser uma proposta interessante e bem conseguida de leitura.
Quanto às ilustrações aqui presentes, o estilo inconfundível de José Carlos Fernandes (mais célebre pela obra A Pior Banda do Mundo) oferece-nos um belo registo visual onde, apesar de este ser um livro que assenta primordialmente no longo diálogo entre pai e filho, consegue não cair numa repetição visual enfadonha, utilizando, para tal, uma planificação dinâmica, que tenta não repetir-se, com planos de câmara diversificados. Diria que esse era mesmo o maior desafio do autor, pois ilustrar um longo diálogo em banda desenhada (ou mesmo em cinema) pressupõe que haja uma certa dinâmica que permita a que a narrativa não se torne cansativa ou repetitiva. E isso é aqui bem conseguido por José Carlos Fernandes. É verdade que o livro não é muito extenso em número de páginas, mas também é certo que nunca me senti aborrecido. É um livro que se lê de um trago.
Ainda na componente visual, destacam-se as cenas em que, para ilustrar aquilo que é dito pelo pai e pelo filho, nos são dados desenhos de um passado de tons mortiços e ambiente monocromático acastanhado (bem ao jeito do tipo de cor utilizado em A Pior Banda do Mundo, já agora). São belos momentos visuais que capturam muito bem a aura taciturna do Estado Novo e, ao mesmo tempo proporcionam dinâmica ao relato.
Posso ainda dizer que este é um daqueles livros que deveriam constar nas escolas. Ou ser utilizados pelos nossos alunos como instrumento de apoio ao estudo sobre o 25 de Abril. O que é indiscutível é que os autores conseguem tornar simples algo que, num manual escolar, simplesmente não é tão cativante nem de tão direta compreensão. E fazem-no mantendo, ainda assim, o rigor histórico.
Em termos de edição, o livro apresenta capa dura baça, com bom papel baço no interior. A impressão e a encadernação também são boas e, no interior, há um prefácio de Rui Bebiano, historiador e investigador do Centro de Estudos Sociais. No final, há uma nota dos autores sobre a história da publicação original da obra, bem como divertidas notas biográficas de João Ramalho-Santos, João Miguel Lameiras e José Carlos Fernandes. Tendo em conta que também consegui deitar mãos à edição original da obra, daqui a alguns dias farei um comparativo entre as duas edições, de forma a percebermos, mais concretamente, que alterações há de uma edição para outra.
Em suma, A Revolução Interior - À Procura do 25 de Abril é uma bela proposta de leitura e um excelente exercício para demonstrar o quão didática e elucidativa pode ser a banda desenhada. Mesmo que seja para explicar o “como”, o “quê”, o “porquê”, o “quando”, o “quem”, e o “onde” de algo tão relevante para a história de Portugal como a Revolução dos Cravos. Recomenda-se, portanto!
NOTA FINAL (1/10):
7.8
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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A Revolução Interior: À Procura do 25 de Abril
Autores: João Ramalho-Santos, João Miguel Lameiras e José Carlos Fernandes
Editora: A Seita
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 195 x 265 mm
Lançamento: Abril de 2024
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