Que bom é ver que Hermann, um dos autores mais incontornáveis da banda desenhada franco-belga, continua, já perto dos 90 anos, tão ativo e tão fiel à 9ª Arte e a esse gosto por oferecer novas histórias aos seus inúmeros seguidores!
Quando, em 2017, Hermann começou mais um longo périplo artístico com o lançamento de Duke, uma série que chegou aos sete tomos, nada fazia prever (ou, concedo, os menos incautos poderiam disso suspeitar) que, passados alguns meses, o autor já estava a deitar mãos à obra para nos oferecer mais outra série.
E não se trata de “virar o disco e tocar o mesmo”. Brigantus, que a Arte de Autor publicou há poucas semanas – e que está pensado para ser um díptico - remete-nos para o tempo dos romanos e dos exércitos de legionários. Portanto, escusado será dizer que, face ao anterior Duke, mudam as indumentárias, mudam os cenários, muda o tipo de ação e o tipo de confrontos físicos entre as personagens.
Estamos perante algo novo e diferente de um Duke ou de um Comanche.
Quem volta a assinar o argumento é, tal como em Duke e em vários outros álbuns, Yves H., o filho de Hermann. Nem sempre Yves H. nos consegue agarrar às tramas por si criadas, mas, pelo menos neste caso, devo dizer que a personagem de Melonius Brigantus me intrigou o suficiente para ter ficado com muita vontade de poder mergulhar no segundo e último tomo desta história que, certamente, oferecerá muitas respostas às perguntas que neste primeiro tomo, Banido, ficaram por responder.
Não sabemos muito, mas sabemos alguma coisa. Acompanhamos a ação da legião romana que se encontra nas brumas do norte da Escócia. O nevoeiro é denso e a ameaça por exércitos antagónicos de soldados Pictos, é uma constante. Brigantus é um dos soldados do exército romano.
Ele é um verdadeiro monstro em termos físicos, sendo gigante e tendo músculos enormes. Mas isso não faz com que seja popular dentro da sua centúria. Pelo contrário, Brigantus é constantemente vítima de provocações e ostracização por parte dos seus pares. Mas há algo mais que parece maior do que estas provocações quotidianas e que aparenta agrilhoar Brigantus a uma condição de profunda depressão pessoal. Por isso, a personagem refere várias vezes que “sonha um dia poder ver a luz ao fundo do túnel”. Esta questão só é tocada ao de leve, deixando, por isso, a imaginação do leitor fazer as suas próprias especulações de enredo. É claro que o leitor pode antever e calcular cenários sobre que tipo de “luz” será esta que Brigantus espera ver ao fundo do túnel, mas, pelo menos neste primeiro tomo, Yves H. abre pouco o jogo. E talvez também seja por isso que este álbum funciona bem.
Este é, portanto, um primeiro álbum que se preocupa mais em estabelecer um mood, apresentando a personagem e incrementando um ambiente de tensão latente, do que em grandes desenvolvimentos narrativos.
Gostei da personagem Brigantus, carregada de ódios e tristeza interior, que me remeteu para outras personagens com algumas semelhanças como o monstro de Monstros (de Barry Windsor-Smith) ou mesmo a personagem de Hulk. Às vezes, por detrás de uma grande força física, está uma enorme fragilidade emocional…
Quanto aos desenhos de Hermann, posso dizer que está bem presente a sua imagem de marca, com belas cores em aguarela que funcionam bem para criar os tons de neblina constante que circundam as personagens. O efeito é, pois, deveras sedutor com as pinceladas do autor a mostrarem-se hábeis e virtuosas, mesmo nesta sua idade tão avançada. O desenho, porém, em termos de agilidade no traço, não se apresenta tão belo como em tempos, muito embora me pareça que este desenho menos polido, com as personagens a apresentar expressões carregas de erosão, até encaixa bem na violência gutural de um período como o dos legionários romanos. Acaba por funcionar bem.
A única coisa que não funciona tão bem é que seja (demasiadamente) frequente que o leitor se perca em “quem é quem” devido às personagens serem mais semelhantes entre si do que aquilo que seria mais adequado. E isto afeta negativamente a fluidez da leitura, o que é uma pena.
Quanto à edição da Arte de Autor, estamos perante mais um bom trabalho, com capa dura baça, bom papel brilhante, boa encadernação e boa impressão. Não há nada de negativo a referir.
Em suma, depois do western demasiadamente longo que foi Duke, é bom ver o octogenário autor Hermann a arriscar-se para “fora de pé”, oferecendo-nos uma história com legionários romanos que, por isso, acaba por ser muito mais refrescante do que, por ventura, “mais um western”. Que venha o segundo e último tomo de Brigantus.
NOTA FINAL (1/10):
8.4
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Brigantus - Banido #1 (de 2)
Autores: Hermann & Yves H.
Editora: Arte de Autor
Páginas: 56, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Fevereiro de 2024
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