Com o lançamento deste sétimo volume da série Undertaker, a editora Ala dos Livros consegue o respeitável feito de ficar a par com o lançamento original da série no mercado franco-belga. Coisa que sempre enalteço e que sublinha o cada vez menor atraso do mercado editorial de banda desenhada nacional face aos países de origem de muitas das séries que, hoje em dia, chegam até nós.
E, ainda por cima, falamos de Undertaker, uma das minhas séries preferidas. Sendo um western, com uma história ambientada no tempo dos cowboys, consegue o feito de ser igualmente uma história muito atual, com temas do nosso mundo contemporâneo. Se a mistela pode parecer forçada, deixem-me garantir-vos que todos estes temas são introduzidos de forma muito orgânica e escorreita na série. Nunca temos a ideia de que estamos a ser profetizados para o que quer que seja. Simplesmente, colocando temas que nos são próximos, a série cria com mais facilidade empatia nos seus leitores. No fundo, é um exercício de perspicácia por parte dos autores.
No caso deste sétimo volume, intitulado Mister Prairie, que abre a quarta história da série - relembro que cada história é constituída por 2 tomos - o tema adjacente é o aborto. O abordo visto à luz da sociedade do faroeste, claro está. E se hoje é um tema que ainda levanta muitas sobrancelhas, imagine-se no tempo em que a ação da história decorre!
Desta feita, Jonas Crow, o protagonista, recebe um inesperado telegrama, que solicita os seus serviços numa localidade do Texas. O pedido é algo inusitado: é-lhe solicitado o fabrico de um caixão para um bebé que ainda não nasceu. Sim, que ainda não nasceu. E mais intrigante ainda que isso, é a assinatura de quem faz esse pedido: R. Prairie.
Ora, com uma paixão ainda por resolver por Rose Prairie - que acabou por seguir caminhos separados dos seus - Jonas Crow nem pensa duas vezes e faz-se à estrada para ir ao encontro da sensual Rose! Quando chega ao seu destino, o nosso protagonista terá muito com que lidar, já que não encontra aí o doce mel que desejaria, por parte de Rose, e, ainda por cima, terá que lidar com (mais) uma carismática personagem que procura profetizar os outros acerca da moral e dos bons costumes, do que é certo e do que é errado, lutando afincadamente contra tudo aquilo que coloque em causa os valores da sociedade. As questões levantadas são muito credíveis e bem-vindas, fazendo com que a leitura da obra insira na mente do leitor a semente da reflexão. E, melhor ainda, o enredo aqui criado faz com que o leitor encontre perspetiva com o mundo atual e com as questões de fanatismos políticos, religiosos, culturais e socioeconómicos que nos tempos atuais continuam a substituir junto de nós, em que o pensamento binário, que não aceita opinião contrária, está tão presente.
O enredo, as novas personagens e a forma como os temas são introduzidos neste Mister Prairie está excelente, levando-me mesmo a crer que este é o melhor Undertaker até agora. Ou que está entre os dois melhores, vá. O trabalho de Xavier Dorison é, pois, verdadeiramente exímio. É verdade que esta é apenas a primeira parte de um álbum duplo, mas, pelo menos até agora, Dorison demonstra agilidade na forma como arquitetou toda esta trama.
Mas se Undertaker é uma BD de primeira linha, não o é apenas pelo belo trabalho de Dorison no argumento. Também o é devido à beleza visual que da obra emana. E, mais uma vez, Ralph Meyer continua inspiradíssimo neste livro, mantendo a qualidade e a beleza a que já nos habituou. Os desenhos são bem executados; as personagens têm forte personalidade gráfica, com as suas expressões a serem muito bem reproduzidas; as cenas de ação têm uma bela noção de movimento e dinâmica; os cenários são lindos; e a utilização da luz e sombra é verdadeiramente magistral. Sinceramente, nada falha nos desenhos de Ralph Meyer. E, como se não bastasse, as cores de Caroline Delabie ainda elevam mais os desenhos do ilustrador. Se é que tal era possível.
Em termos de desenho, só não fiquei muito agradado com a ilustração escolhida para esta capa. E não é que a ilustração tenha algo de errado ou esteja mal executada. Diria que isso é impossível para um desenhador como Ralph Meyer. No entanto, acho uma daquelas capas generalistas que fazem com que a obra mais pareça “um western genérico”. E acho que isso é a maior injustiça que alguém - quer goste, quer não goste da série - pode dizer sobre Undertaker. Porque, por todos os motivos que já apontei, Undertaker é muito mais do que um "simples" western - e digo-o sem desprimor para as obras que optam por ser um "simples" western, atenção. É, pois, por isso que esta capa me deixa insatisfeito: porque vende mal o conteúdo.
Quanto à edição, o livro apresenta capa dura, com brilho, bom papel brilhante, e boa encadernação e impressão. O normal nas edições da Ala dos Livros, onde não há nada negativo a apontar.
Portanto, em suma, Undertaker faz-me lembrar aquelas superbandas de rock que são constituídas por músicos de excelência em todas as vertentes. Na bateria, no baixo, nas guitarras, nos teclados, nas vozes. O argumento e as personagens de Dorison são magníficos, o desenho de Meyer é virtuoso comercial e artístico - tudo ao mesmo tempo! - e as cores de Caroline Delabie são um deleite para a vista. A série mantém-se, portanto, em forma e este sétimo volume até é capaz de ser o melhor de todos. Não deixem de comprar!
NOTA FINAL (1/10):
9.6
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Undertaker #7 - Mister Prairie
Autores: Xavier Dorison, Ralph Meyer e Caroline Delabie
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 235 x 310 mm
Lançamento: Abril de 2024
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