Um dos grandes lançamentos - entre muitos outros - que a editora Devir tinha/tem preparados para este 2025, era este Hitler, uma obra clássica de Shigeru Mizuki, publicada há mais de 50 anos, e que, lamentavelmente, ainda não tinha chegado a Portugal. Até porque, convenhamos, estamos perante uma obra recomendada para qualquer leitor de banda desenhada que tenha curiosidade em saber mais sobre Adolf Hitler, o infame Ditador dos Ditadores. Portanto, convém sublinhar que embora este seja um mangá, é uma obra que pode (e deve) ser apreciada também por aqueles que normalmente não leem mangá.
Hitler é uma biografia em banda desenhada que retrata a ascensão e queda do ditador alemão Adolf Hitler. Com o seu estilo característico, o renomado mangaká japonês Shigeru Mizuki - de quem a Devir já publicou as obras Marcha para a Morte e Nonnonba - combina pesquisa histórica com uma abordagem visual única, tornando a narrativa acessível e impactante. Diferente de outras biografias, Mizuki não apresenta apenas os eventos cronológicos da vida de Hitler, mas também explora as suas motivações, as suas (inúmeras) contradições e (ainda mais) falhas, destacando como o ditador conseguiu manipular as massas e conduzir o mundo à Segunda Guerra Mundial.
Uma das grandes qualidades da obra é a sua capacidade de apresentar Hitler não como um ser monstruoso e distante, mas como um homem repleto de inseguranças e ambições desmedidas. E, nesse ponto, até remete um pouco para O Grande Ditador, de Charlie Chaplin. Mizuki enfatiza a juventude fracassada de Hitler, as suas frustrações como artista e como aluno, e a sua gradual transformação num líder populista, movido pelo ressentimento e pelo oportunismo. No fundo, Hitler foi a pessoa errada, no local e no tempo errado, que soube explorar o desespero económico e social da Alemanha pós-Primeira Guerra Mundial para ganhar influência política e construir a sua ideologia extremista.
Numa época em que, um pouco por todo o mundo, vemos crescer os movimentos de extrema direita em vários países, ditos "desenvolvidos", não há livro melhor para ler do que este Hitler, de Mizuki, que nos esfrega na cara como os discursos populistas movidos a ódio e que se alimentam de bodes expiatórios, têm efeitos nefastos e perigosos para um mundo civilizado e justo.
Outro aspecto relevante do livro é a maneira como o autor retrata a manipulação da propaganda nazi e a submissão do povo alemão ao regime. A narrativa demonstra como a retórica nacionalista e as promessas de reconstrução económica da Alemanha cegaram muitos cidadãos para a brutalidade do nazismo. Consequentemente, o autor não se limita a expor as ações de Hitler, mas também responsabiliza a sociedade alemã pela sua cumplicidade, seja por apoio ativo ou por omissão.
Além disso, a obra também destaca os erros estratégicos e militares de Hitler, que contribuíram para a sua derrocada. Mizuki descreve a obsessão deste ditador - baixo e de cabelo escuro que defendia a raça ariana de alemães altos e louros - pelo controlo absoluto, com várias decisões impulsivas e com uma forte teimosia que recusou ouvir assessores militares que o advertiram de certos erros estratégicos que estavam a ser cometidos. A queda do Terceiro Reich expõe o colapso de um líder que se acreditava infalível e imbatível, mas que, no fim, sucumbiu à própria arrogância.
Este Hitler também se destaca pela sua perspectiva crítica e imparcial, evitando tanto a demonização simplista quanto qualquer tentativa de humanização excessiva de Hitler. Mizuki apresenta os factos com um olhar analítico, mostrando como um indivíduo medíocre conseguiu influenciar milhões e levar o mundo a um dos períodos mais sombrios da história. Desta forma, o autor, que até viveu na época da Segunda Guerra e serviu no Exército Imperial Japonês, traz uma visão pessoal sobre os horrores do totalitarismo e da guerra.
Talvez uma crítica que se pode apontar à obra é que, por vezes, a mesma assume um tom quase burocrático onde descreve, passo a passo, certos acontecimentos que certamente tiveram a sua importância para a ascensão de Hitler, mas que, olhando para o quadro total, podem ser considerados como "menores" em relevância. E, em sentido contrário, a obra não se foca tanto na Segunda Guerra Mundial e nas suas consequências, e ainda menos na chamada "solução final", assente no genocídio feito aos judeus nos Campos de Concentração, que é parcamente referida.
No entanto, aprecio especialmente a ideia que fica no ar quando lemos o livro de que, provavelmente, Hitler era mais um medíocre e idiota homem, cheio de ódios, alimentados por ressabiamentos e recalcamentos pessoais, a quem foi dado poder, do que um "génio do mal" ou um "brilhante estratega". E para isso também contribui a forma como, graficamente, Mizuki representa Hitler através de um desenho tosco e caricatural.
Tenho pena de que o autor não tenha optado por desenhar apenas os nazis desta forma, pois essa seria uma forma de passar uma mensagem política mais premente. Mas como trata todas as figuras históricas com o mesmo tipo de traço caricatural, como Churchill ou Chamberlain, por exemplo, essa ideia perde-se um pouco.
Os desenhos acabam, portanto, por misturar realismo detalhado com personagens com traços caricaturais, reforçando a tensão entre a seriedade dos eventos históricos e a ironia das suas consequências. Os cenários e os soldados anónimos são desenhados de forma realista, enquanto que os principais intervenientes aparecem com expressões exageradas e grotescas.
Convém ainda dizer que apreciei o facto de, enquanto leitor, não ter sentido que estava a ler um livro com mais de 50 anos. Na verdade, e também pela realidade político-social do tempo atual, não só em Portugal como no resto do mundo, senti que o livro estava totalmente atual e não datado. E isso leva-me a recomendá-lo com mais veemência ainda.
A edição da Devir é em capa mole, com uma sobrecapa que protege o livro, à semelhança do que a editora tem feito nos seus livros da coleção Tsuru. No miolo, o papel é aceitável, embora não seja tão espesso como o desejável. A impressão e a encadernação são boas. No final, há uma entrevista entre Hitler e Mizuki, imaginada por este último, e um posfácio sobre a obra.
Em resumo, Hitler, de Shigeru Mizuki, é uma biografia gráfica essencial para quem deseja compreender a ascensão e queda do ditador alemão sob uma perspectiva acessível e visualmente poderosa. Combinando narrativa fluida, pesquisa histórica e uma arte expressiva, a obra não apenas documenta um dos períodos mais trágicos da humanidade, mas também alerta sobre os perigos do fanatismo, da propaganda e da ambição desmedida.
NOTA FINAL (1/10):
9.0
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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