Muzinga é a mais recente obra de André Diniz publicada em Portugal pela editora A Seita. Este autor brasileiro - que entretanto já adquiriu a nacionalidade portuguesa - tem-me conquistado com muitas das suas originais e profundas obras, das quais destaco Morro da Favela ou Matei o Meu Pai e Foi Estranho. Com Muzinga, o autor leva-nos numa viagem onírica e fantástica onde, em termos visuais, consegue desenvolver e aprimorar a sua capacidade narrativa.
Muzinga apresenta-nos um protagonista singular: um homem de 200 anos que domina mais de 100 idiomas e que, ao longo das suas viagens (reais e irreais?), explora terras desconhecidas em busca de dialetos extintos e de segredos que o tempo procurou apagar. Ao contrário daquilo a que o autor mais nos tem habituado, com histórias mundanas e cheias de realismo, Muzinga é o oposto de tudo isso, levando-nos numa jornada abstrata que se divide em duas histórias. O leitor não sabe muito bem para onde vai, mas acaba por ser prazeroso que nos deixemos levar ao sabor da corrente narrativa de Diniz.
É claro que, dado todo o abstracionismo que pontua este livro, diria que não é uma obra muito fácil para todos e que, com isso, pode desiludir aqueles que já julgam conhecer o estilo de história com que o autor nos tem brindado. Por outro lado, Muzinga também é um exercício criativo interessante em que, mais do que se centrar na história - que, convenhamos, vai ao sabor do vento sem uma estrutura muito definida - André Diniz foca-se na construção desta interessante e original personagem que protagoniza a história.
Como muitas vezes se diz, o que importa não é o destino, mas a jornada. E é essa jornada o que mais me interessou neste livro, com alguns diálogos bastante criativos e algumas questões inteligentemente colocadas pela personagem. É que mesmo que possa parecer que Muzinga é um tanto ou quanto tosco, os seus 200 anos de vida e as múltiplas línguas que, entretanto, conseguiu passar a dominar, fazem-no um ser sapiente que procura as respostas para as questões que, ao fim de tantos anos vividos, continuam sem uma resposta definitiva.
É claro que, depois, há todo um surrealismo que inunda a história e que a torna complexa para uma leitura mais leve. Vê-se que o conteúdo é profundo e que, provavelmente, levou o próprio autor a tentar exceder-se a si mesmo, mas não deixa de, por vezes, parecer que há uma certa aleatoriedade nos significados e intuitos da história. Como uma tela em branco que recebe arbitrárias e grossas pinceladas de cores garridas. No final, o resultado impregnado nessa tela será um misto de cores e sentimentos que ressoará, certamente, de forma diferente em quem quer que seja que tome contacto com a obra. E o mesmo pode ser dito de Muzinga.
Em contrapartida, senti a falta do olho clínico e social de André Diniz que tanto prezo noutras das suas obras. Enfim, é uma obra mais autoral e poética, mas virada para si mesma e, logicamente, não há problema nenhum com isso. Não obstante, Muzinga acabou por não me marcar tanto e, a meio da jornada do protagonista, até fui começando a sentir algum marasmo em termos de enredo.
Já no cômputo visual, creio que estamos perante o melhor trabalho do autor! Com o seu estilo único e facilmente reconhecível, as suas ilustrações a preto e branco conferem à narrativa uma atmosfera envolvente. A fluidez da narrativa visual é notável, com transições suaves que conduzem o leitor sem causar qualquer atrito compreensivo, mesmo na ausência das tradicionais vinhetas.
É verdade que o estilo amplamente estilizado, com personagens a serem retratadas por traços angulosos e geométricos volta a estar presente mas, pelo menos em termos de narrativa visual e na planificação de cada prancha, o trabalho do autor é sublime, original e casa que nem uma luva no tom mais onírico da obra. Por outras palavras, são, mais que nunca, os desenhos certos para a história de Muzinga. A própria capa e contracapa são belíssimas, o que me deixa a pensar que gostaria de ver um livro de André Diniz que fosse colorido.
A edição que A Seita faz deste livro é muito interessante. O livro apresenta-se bem robusto, com capa dura baça e bom papel baço no interior. A encadernação e a impressão também são de boa qualidade. O livro traz alguns extras sobre o processo criativo do autor e duas pranchas da série antiga de Muzinga - antes deste livro, convém relembrar, Muzinga já tinha tido direito a uma série que o autor lançou há uns anos.
A Seita optou por mudar os diálogos do livro para um português de Portugal, mantendo apenas, e bem, a personagem Muzinga a falar no português do Brasil. Nota ainda para o facto deste lançamento marcar a estreia de André Diniz na editora A Seita que, até à data, sempre tinha lançado as suas várias obras pela editora Polvo - com a exceção de O Idiota, lançado pela Levoir.
Em suma, Muzinga é uma obra que combina arte singular, narrativa envolvente e reflexões profundas sobre temas universais. Embora possa não agradar a todos os públicos, oferece uma experiência rica para aqueles que são especialmente interessados em histórias que exploram a complexidade da condição humana através de aventuras e descobertas culturais.
NOTA FINAL (1/10):
7.0
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Muzinga
Autor: André Diniz
Editora: A Seita
Páginas: 200, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 20 x 27 cm
Lançamento: Setembro de 2024
Já tinha sido publicado fora da editora Polvo com "O Idiota" da Levoir
ResponderEliminarCorreto! E é um belo livro!
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