Depois de dois lançamentos inseridos na continuidade original de Thorgal, nomeadamente O Eremita de Skellingar e A Selkie, a editora A Seita regressou recentemente à edição de obras da série em questão.
E desta vez fê-lo não com um álbum da série canónica em continuidade, mas através de Adeus Aaricia, um "Thorgal de Autor" que abre, aliás, a série Thorgal Saga, uma iniciativa que permite a autores de renome explorarem o universo de Thorgal sob perspectivas únicas. Embora estas histórias estejam fora da continuidade da série original, mantêm-se fiéis ao espírito mitológico da série criada por Jean Van Hamme e Grzegorz Rosiński.
O autor deste Adeus Aaricia, que assina argumento e ilustração, é Robin Recht.
Nesta narrativa, encontramos um Thorgal já bastante idoso que, no crepúsculo da sua vida, vê-se forçado a ter que enfrentar a perda irreparável de Aaricia, a sua eterna amada. A história arranca com Thorgal, só e devastado pela dor, a ter que observar o barco que leva Aaricia na sua última viagem. É o fim de uma era para o protagonista neste começo arrojado e poético do livro.
Mas a trama logo ganha profundidade quando Nidhogg, um antigo inimigo de Thorgal, surge do nada, como que por magia, e lhe oferece o anel de Ouroboros. Este artefacto místico tem o poder de transportar o seu portador de volta ao passado, o que proporciona a Thorgal a possibilidade de viajar no tempo e, por conseguinte, voltar a estar com Aaricia, alterando o curso dos acontecimentos. A proposta é mais que tentadora e Thorgal acaba mesmo por ceder, entrando numa jornada que tem muito de perigoso - pois não devemos mexer com o passado - e muito de introspetivo, pois aquilo que nos acontece no passado, sejam coisas boas ou más, também converge no sentido de nos moldar enquanto homens e mulheres.
A premissa não é propriamente nova - lembro-me, por exemplo, que, com as devidas diferenças, o recentemente publicado Bairro Distante, de Jiro Taniguchi, toca em pontos semelhantes -, mas pareceu-me bem explanada por Robin Recht. Se os mais céticos ou puristas da série Thorgal estão a torcer o nariz perante esta premissa de voltar atrás no tempo, deixem-me assegurar-vos que esta opção narrativa funciona bem e consegue ser minimamente credível. Ou aceitável, vá.
Ao revisitar momentos cruciais do seu passado, Thorgal terá que confrontar não apenas as memórias compartilhadas com Aaricia, mas também os desafios e sacrifícios que moldaram a sua vida. Esta viagem temporal levanta questões sobre o destino, o arrependimento e o verdadeiro custo de se alterar o passado.
Teremos acesso a um Thorgal velho a coexistir com um Thorgal novo, numa história que consegue ser cativante e facilmente perceptível mesmo para aqueles que não estão familiarizados com a série. Há depois vários momentos de ação, a utilização de personagens recorrentes da série, como Gandalf, e a introdução de uma nova personagem, por sinal muito interessante, que dá pelo nome de Skraeling.
As ilustrações de Recht são belíssimas, conseguindo acompanhar a força do trabalho miraculoso de Rosiński, com os cenários, as personagens, os momentos de ação e de introspeção a remeterem-nos para o frio das regiões nórdicas da Escandinávia. As expressões das personagens são bem conseguidas também, dotando a obra de um tom dramático. Ao contrário de Fred Vignaux, que, em temor de ilustração, me parece assumir uma abordagem mais moderna para a série, Recht parece mais alinhado com o estilo de desenho de Rosiński. Por esse motivo, julgo que os fãs da vertente visual da série mais clássica ficarão, pois, muito satisfeitos. Curiosamente, até prefiro os desenhos de Fred Vignaux, mas não posso deixar de dizer que também o trabalho de Rech é do meu agrado por ser verdadeiramente impressionante. Gostos, portanto.
A edição que A Seita faz deste livro é verdadeiramente cativante, com o livro a apresentar capa dura com textura aveludada e detalhes a verniz. O formato também é grande, sendo bastante superior aos outros Thorgal publicados pela editora. No miolo, o livro oferece-nos bom papel brilhante e uma excelente encadernação e impressão. Há ainda um belo dossier de extras, com 10 páginas, composto por uma nota final do autor e com um "making of" do livro, onde nos são mostrados esboços das personagens acompanhados por comentários de Robin Recht, bem como o processo de desenvolvimento do storyboard e duas belas ilustrações. É mesmo um daqueles livros bonitos, com uma edição muito cuidada.
Como nota final, espero que este livro represente o regresso da editora ao lançamento desta série que, infelizmente, tem sido publicada em Portugal aos tropeços deixando muitos e belos livros por publicar ainda.
Em suma, Thorgal - Adeus Aaricia é um belo livro que oferece uma exploração profunda do luto, do amor e das escolhas que definem a nossa existência. Mesmo situado fora da continuidade principal da série, este é um livro que acaba por enriquecer o universo de Thorgal, proporcionando aos fãs uma perspectiva renovada sobre a icónica personagem e o seu legado.
NOTA FINAL (1/10):
9.2
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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