Foi ainda no final do ano 2024, em Dezembro, que a editora G. Floy Studio lançou o já anunciado há vários meses BRZRKR, o trabalho de estreia do ator Keanu Reeves enquanto argumentista de banda desenhada, que tem o apelo de ser um denso livro, com mais de 400 páginas, que nos conta a violenta história de um homem que (aparentemente) é imortal e vive neste planeta há milhares de anos.
Este era um livro que eu queria muito ler, por ter despertado bastante a minha curiosidade à medida que fui tomando conhecimento dele.
Para a escrita de BRZRKR, Keanu Reeves conta com a colaboração de Matt Kindt, com ilustrações de Ron Garney e com as cores de Bill Crabtree.
A obra apresenta uma história repleta de ação, salpicada por violência extrema e entrecortada com vários elementos filosóficos, que procuram explorar o tema da imortalidade e o sentido da existência. A narrativa segue um guerreiro sem nome, conhecido como B, que vive há 80 mil anos, tendo sido forçado a lutar incessantemente ao longo da história da humanidade. É uma espécie de máquina de guerra, pois mesmo nas alturas em que é cravejado por balas - ou pior! - o protagonista não morre. Lembra, por isso, em termos de temática, a série A Velha Guarda, de Greg Rucka e Leandro Fernández, também publicada pela G. Floy Studio, ou outras obras em que temos personagens indestrutíveis.
No tempo atual, B trabalha para o governo dos Estados Unidos em missões secretas, enquanto procura respostas para a sua própria origem e o alcance de uma possível forma de descanso definitivo. A história que nos é dada apresenta bastante intensidade, procurando explorar temas profundos - mas de uma forma algo superficial - à medida que nos mergulha na brutalidade da guerra, em que é cada vez mais praticada a desumanização do soldado. Se ser imortal pode parecer um superpoder que muitos de nós gostaríamos de ter, para B essa capacidade de resistir a tudo é uma autêntica maldição. Tudo o que ele pretende é passar a ser mortal, a ser normal, e a poder descansar e parar com todo o mal que já fez. Afinal de contas, a morte pode também ela ser uma forma de redenção, certo?
A trama vai-se desenrolando em duas linhas temporais principais: o presente, onde B realiza missões violentas para o governo, e o passado, que revela as origens do protagonista como um ser educado e preparado especialmente para a guerra. Para ser um super soldado. Essa estrutura narrativa permite um desenvolvimento gradual da personagem, mantendo o leitor envolvido com as descobertas sobre a sua natureza e os conflitos internos que ela enfrenta.
Aparecem depois algumas personagens secundárias, cientistas, que estudam a fisiologia de B e tentam entender o seu poder. A interação de B com essas personagens adiciona um contraste interessante entre a sua natureza primitiva e o mundo moderno. No entanto, há momentos em que o argumento se apoia demais na ação e na violência, deixando de explorar com mais profundidade alguns aspetos psicológicos do protagonista, bem como as suas relações interpessoais. Diria até que essa é a principal razão que não permite que BRZRKR seja, na minha opinião, mais impactante ou memorável.
Acaba, com efeito, por haver uma certa superficialidade no desenvolvimento das personagens secundárias e na dependência excessiva da violência como motor narrativo, em detrimento de uma exploração mais profunda da psique do protagonista, focando-se a narrativa especialmente em sequências de ação prolongadas que podem cansar o leitor. São boas, sem dúvida, mas talvez se tornem algo repetitivas. A história também parece ter sido concebida com uma adaptação cinematográfica em mente, o que pode dar a impressão de que serve mais como um esboço para um filme do que como uma banda desenhada pensada de raiz.
Visualmente, a arte visceral de Ron Garney encaixa-se perfeitamente no tom da história. O traço áspero e a paleta de cores sombrias, combinadas com a expressiva violência gráfica, reforçam a atmosfera brutal e melancólica da obra. Já li muitas bandas desenhadas violentas, é verdade, mas, mesmo assim, BRZRKR conseguiu surpreender-me com o tom gráfico e gore que apresenta em muitos momentos. Olhos a saltarem das órbitas, ossos a serem esmagados, sangue por todo o lado... tudo isso pode ser encontrado neste livro. Não é, pois, "relativamente violento", é "extremamente violento". As cenas de ação são dinâmicas e bem coreografadas, transmitindo a fúria desenfreada do protagonista em combate. O estilo visual traz, pois, uma estética que combina realismo e exagero de maneira eficaz.
A influência da aura cinematográfica que envolve Keanu Reeves na obra é evidente, tanto no desenho do protagonista, que lembra fisicamente o ator, quanto na temática introspectiva que nos remete para personagens icónicos da filmografia do ator, como John Wick e Neo (Matrix).
A edição da G. Floy Studio é verdadeiramente impressionante. Admitindo que o PVP de 50€ pode ter um travo amargo para a carteira da maioria dos portugueses, há que afirmar que esta é aquela edição apetecível que queremos ter nas nossas estantes. O livro apresenta capa dura baça, com bom papel no seu interior. A impressão e encadernação também são bastante boas. O dossier de extras é dos melhores de que me lembro de ver numa edição portuguesa. Em 44(!) páginas, assistimos a um comentário de Keanu Reeves e Matt Kindt sobre cada uma das opções tomadas para cada vinheta e prancha. Os autores vão aos mais ínfimos detalhes, revelando as suas intenções narrativas. Faz lembrar aqueles extras que vêm em alguns DVDs ou blurays, com os realizadores a comentarem por cima do filme. Além destas 44 páginas comentadas, ainda temos uma galeria de capas com 28 páginas. Estamos a falar, portanto, de mais de 70 páginas de extras! Algo incomum na edição portuguesa de banda desenhada e que merece as minhas vénias.
Concluindo, BRZRKR é uma obra intensa e envolvente, que entrega exatamente aquilo que promete: ação desenfreada, violência estilizada e uma reflexão sobre os custos da imortalidade. Apesar de deitar por terra a oportunidade para aprofundar mais a psique do protagonista, a obra consegue sustentar-se como uma experiência visual e narrativa poderosa, especialmente para os fãs do género.
NOTA FINAL (1/10):
8.4
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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BRZRKR
Autores: Keanu Reeves, Matt Kindt, Ron Garney e Bill Crabtree
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 424, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 18 x 27,5 cm
Lançamento: Dezembro de 2024
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