Hoje trago-vos uma dose dupla de Blacksad, motivada pelo lançamento recente, por parte da editora Ala dos Livros, do terceiro álbum da série, intitulado Alma Vermelha. Como já antes disso, ainda em 2023, a editora tinha reeditado o segundo álbum da série, Arctic Nation, aproveito para vos falar dos dois tomos de uma só vez.
Como não me canso de dizer, Blacksad é muito provavelmente a minha série favorita de banda desenhada. A par de Armazém Central, uma outra série que adoro. Este tipo de afirmações é sempre muito perigosas, eu sei, mas, de facto, os anos vão passando, o número de séries por mim lidas vai aumentando e, mesmo assim, uma coisa é clara para mim: Blacksad é uma obra prima da banda desenhada mundial!
Extraída da mente e engenho dos autores espanhóis Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido, este noir com um carismático protagonista, uma divertida personagem sidekick, mulheres sensuais e tantas outras personagens marcantes, oferece-nos histórias que, mais do que entretenimento puro, nos marcam já depois de finda a leitura. Não é que sejam histórias que reinventam a roda - nem sequer o tentam fazer, diga-se -, mas são histórias bem arquitetadas, bem esculpidas e muito bem escritas. E isto, claro, junta-se ao brilhante, quiçá perfeito, trabalho de ilustração de Juanjo Guarnido, que nos oferece um mundo realista onde as personagens nos são apresentadas de forma antropomorfizada, ou seja, tendo faces de animais, embora mantendo corpos humanos. E tudo isto é colorido com um meticuloso e inspirado trabalho de aguarela. Enfim, se não é uma série perfeita, não sei que outra o poderá ser.
E se Arctic Nation sempre me deixou maravilhado perante tão marcante história, devo dizer que a releitura deste Alma Vermelha - que à data do seu lançamento, em 2005, até não me tinha deixado tão empolgado - é uma daquelas histórias que envelheceu muito bem. Mesmo sem ter, por ventura, a força de Arctic Nation, Alma Vermelha é uma bela história, carregada de referências e uma trama bem construída. Mas, enfim, goste-se mais de um ou doutro tomo, a verdade é que cada um destes volumes nos traz uma história sólida e profunda, combinada com um trabalho gráfico de excelência, que ajudam a fazer desta série uma das mais notáveis bandas desenhadas de sempre.
Arctic Nation remete-nos para a luta pela igualdade racial vivida na América entre os anos 50 e 60, onde os brancos dominavam todos os quadrantes da sociedade. Arctic Nation mergulha em temas complexos como o racismo e a segregação, utilizando a fábula animal para refletir questões humanas muito reais. A história gira em torno do conflito entre diferentes grupos sociais, representados por animais de espécies distintas, e a investigação de Blacksad acaba por revelar camadas de tensão social, preconceito e violência.
O argumento de Díaz Canales é inteligente e bem estruturado, evitando simplificações ou moralismos fáceis, e conseguindo analogias fáceis, mas bem conseguidas. A trama envolve mistério, ação e drama social, tudo com uma construção cuidadosa das personagens e dos seus conflitos internos. Este equilíbrio torna a história envolvente e relevante, conferindo-lhe uma dimensão que ultrapassa o mero entretenimento. Uma das grandes qualidades da série é a forma como os animais escolhidos para cada personagem refletem as suas características psicológicas e sociais. Em Arctic Nation, essa escolha torna-se ainda mais significativa, já que a espécie das personagens brancas - com a utilização de animais do próprio Ártico - está diretamente ligada às tensões raciais e ao preconceito que marcam a narrativa, conferindo uma profundidade simbólica que enriquece a leitura. Nos dias que vivemos atualmente, onde posições políticas extremadas sobre aqueles que são diferentes parecem ganhar novo ímpeto, Arctic Nation volta a manter-se relevante e inspirador.
Por sua vez, Alma Vermelha, o terceiro volume da série, apresenta uma história mais centrada em temas de violência e corrupção, ainda que nunca perca o toque noir que caracteriza a série.
Neste caso, vemos John Blacksad a trabalhar como guarda-costas de um abastado jogador em Las Vegas. Mas os tempos pós Segunda Guerra Mundial são outros e as maiores potências mundiais começam a apostar na corrida ao armamento nuclear, com o comunismo a tornar-se uma ameaça cada vez mais evidente para os Estados Unidos. Durante uma conferência sobre energia nuclear, John Blacksad encontra-se inesperadamente com um velho amigo, Otto Lieber, que, entretanto, se tornou um cientista de alto gabarito. A partir daqui, Blacksad vê-se envolvido numa intriga política internacional numa trama que explora a complexidade das personagens e do mundo onde vivem, mantendo o suspense e sendo, curiosamente, um bom complemento àqueles que já tiverem lido o mais recente díptico da série, também editado pela Ala dos Livros, Então, Tudo Cai.
Em ambos os volumes, o desenho de Guarnido é simplesmente soberbo. A expressividade das personagens, desde os olhares até aos pequenos gestos, é impressionante e dá vida a cada cena de um modo único. A qualidade do traço, os detalhes dos cenários e a direção de arte demonstram uma maturidade gráfica rara, que evidencia a influência da animação e a experiência do autor, ex-colaborador dos estúdios Disney.
Outro destaque vai para a paleta de cores e para a técnica de aguarela que Guarnido utiliza, criando ambientes imersivos e atmosferas que variam do sombrio ao tenso, passando por momentos de calma e reflexão. As cores não só complementam o traço, como também ajudam a transmitir as emoções e o clima de cada cena, funcionando quase como uma personagem adicional na narrativa. Também em termos visuais, Blacksad é uma autêntica obra-prima!
Em termos de edição, esta também é uma das melhores edições de banda desenhada que temos no mercado nacional. Além da utilização de materiais nobres na feitura física do livro, como a lombada em tecido (que com os livros agrupados forma o logótipo da coleção); a capa dura baça com detalhes a verniz; e o excelente papel e encadernação utilizados; esta coleção conta ainda com A História de Aguarelas, onde, em cada um dos livros, Guarnido mergulha profundamente na forma como essa obra foi feita, oferecendo-nos esboços e estudos de cor, que são acompanhados pelos seus comentários, o que faz deste extra - que na verdade até foi originalmente lançado como livro independente, tal não é a sua relevância - um autêntico "making of" da série.
Em suma, Blacksad mantém-se como uma das melhores séries de banda desenhada de sempre. Em termos pessoais, não tenho problemas em afirmar que é a uma das minhas séries favoritas de banda desenhada. Díaz Canales e Guarnido assinam um trabalho verdadeiramente sublime com Blacksad, e estes dois volumes também são disso exemplo. O argumento inteligente, a boa construção da trama e a escolha acertada dos animais para as personagens, aliadas a um desenho de topo, ultra expressivo, que remete ao melhor da animação Disney, e um trabalho de cores em aguarelas que são verdadeiras obras de arte, fazem desta série uma leitura obrigatória para qualquer amante de banda desenhada. É difícil apontar falhas num trabalho tão bem nivelado e envolvente - uma obra que merece todo o reconhecimento e admiração!
NOTA FINAL (1/10):
Blacksad #2 - Arctic-Nation - 10.0
Blacksad #3 - Alma Vermelha - 9.5
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Blacksad #2 - Arctic-Nation
Autores: Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 80, a cores
Encadernação: Capa dura com lombada em tecido
Formato: 235 x 310 mm
Lançamento: Setembro de 2023
Autores: Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 80, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 235 x 310 mm
Lançamento: Abril de 2025
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