quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Análise: Faithless – Vol. 2



Faithless – Vol. 2, de Brian Azzarello e Maria Llovet

Estão a ver aquela sensação de desilusão? Aquele sentimento de estarem à espera de algo bom e receberem algo mau? Ou, por exemplo, quando depois de descobrirem um novo restaurante que vos agradou, visitarem-no uma segunda vez e ficarem totalmente desapontados? Ou quando estão a conhecer alguma pessoa nova, que vos atrai, ficarem subitamente desiludidos? Foram todos esses sentimentos que experienciei neste segundo volume da série Faithless, publicado recentemente em Portugal, pela G. Floy Studio.

Não vou negar que o primeiro volume, que já aqui foi analisado, me deixou bastante entusiasmado pela série. As personagens apresentavam-se cativantes e misteriosas, o enredo não se abria muito mas cativava o leitor e as abundantes cenas eróticas eram bastante gráficas e audazes. Várias perguntas relevantes foram colocadas pela própria história. Enfim, fiquei com uma boa impressão sobre a série.


Na altura da análise a esse primeiro volume, escrevi que “em Faithless há algumas cenas bastante gráficas, admito, mas há um argumento que as sustenta. Algumas cenas, especialmente aquelas mais psicadélicas, poderão ser um pouco gratuitas, mas, pelo menos até agora, ainda é um livro com bastante potencial. Eventualmente, uma daquelas séries que pode ficar verdadeiramente espetacular num segundo volume. Mas que também pode ser totalmente arruinada.”

Infelizmente, creio que sucedeu o segundo caso. Se havia potencial no primeiro volume para que esta série fosse marcante, este Faithless #2 deixa “cair a máscara” e é francamente inferior ao primeiro volume, revelando-nos um Brian Azzarello desinspirado, que parece ter perdido a noção da própria história, em detrimento da vontade de “querer chocar”. Uma coisa é chocar devido à arte ter elementos que chocam… outra coisa é, na conceção artística, procurar elementos que chocam para depois lhes poder chamar arte. É isso que se passa neste Faithless #2. As perguntas interessantes levantadas previamente, no volume anterior, mantêm-se sem resposta e a trama avança de forma completamente aleatória de momento escabroso, em momento escabroso.


Note-se que o problema não são os momentos pornográficos ao longo deste segundo volume. Não me causam nada de negativo e não é nesse sentido que a minha desilusão aparece. O meu problema é que a história passou de interessante a vazia. De cativante a algo completamente insípido. Sinceramente preferia que fosse um livro manifestamente pornográfico e sem as pretensões de ser algo mais profundo do que isso. Porque, na verdade, já vi filmes pornográficos com melhor argumento do que este Faithless #2

Neste segundo volume, Faith viaja para Turim para apresentar a sua criação artística às inteletualidades locais. E começa a sentir a pressão de ser uma artista e de ter muita gente à espera da sua nova criação. Após encontros sexuais com praticamente todas as personagens que gravitam à sua volta, Faith começa a parecer encontrar um caminho artístico em que a cor que dá vida às suas telas é o vermelho presente no sangue que o seu sexo fornece, em quantidades generosas, para pintar telas de grande dimensão. Ou seja, sempre que quer pintar, opta por mergulhar os dedos no seu sangramento vaginal de forma a ter esta "tinta" tão especial. A esta preparação da sua apresentação se junta um acontecimento sobrenatural que parece trazer novamente à tona os poderes psíquicos de Faith, tal como já sucedera no volume anterior.


A ela se junta Poppy, a sua amante, Louis, o pai da sua amante (e que também é amante de Faith), Solomon, o namorado de Faith - que é vocalista de uma banda de rock - e Melchi, um novo amante que a protagonista encontra em Turim, com quem se envolve física e espiritualmente(?). As cenas de sexo são do mais diverso possível, havendo espaço para, praticamente, tudo.

Neste segundo volume, Azzarello apenas consegue levantar uma ideia que, quanto a mim, podia ser muito interessante, mas que, infelizmente, é mais uma “ponta solta”, algo aleatória, que acaba perdida. A de que o poder de Faith pode ser, afinal de contas, o seu sex appeal. Algo que ela possui e que nem controla face aos que a rodeiam. Ora, esta é uma ideia que, bem trabalhada, poderia transformar esta série em algo bem mais apetecível, a meu ver. Mas, ao invés disso, Azzarello perde-se em alegorias algo fáceis do bem contra o mal, do diabo contra o anjo, do negro contra a claridade. E isto já sou eu a ser benevolente nessas ideias avulsas que parecem literalmente "chutadas" para o ar.

Mas se há alguma coisa que salva, de algum modo, todo este guisado de ideias soltas mal-amanhadas na ligação entre si, é a arte de Maria Llovet. Não sendo uma arte que eu considere maravilhosa ou que responda diretamente aos meus gostos pessoais, não há como não admirar o trabalho da autora, especialmente na forma como a mesma utiliza as cores. Portanto, tal como no volume anterior, o meu comentário sobre a arte ilustrativa de Llovet mantém-se inalterado:


“O desenho de Maria Llovet apresenta muita identidade e encaixa que nem uma luva na história. As ilustrações apresentam alguma crueza na sua conceção, tendo-me levado a lembrar o trabalho de Eduardo Risso em 100 Balas, por exemplo. No entanto, algo que distingue bastante a arte ilustrativa de ambas as obras, que contam com argumento de Brian Azzarello, é a utilização em Faithless das cores, muito fortes e garridas, encaixando no psicadelismo e “loucura” que a história pretende passar. As cenas mais eróticas estão muito bem conseguidas pela autora espanhola, revelando uma grande sensibilidade em planos de detalhe e na própria construção das cenas. É um estilo de ilustração audaz, moderno e jovial – quase adolescente –, que dá ao texto as imagens que o mesmo precisa.”

Quanto à edição da G. Floy não me merece nenhum reparo negativo. Capa dura, papel com brilho, algumas ilustrações muito interessantes no final do livro e um grafismo muito bem cuidado. Tudo bem feito.


Se na análise a Faithless #1 referi que “há muito mistério e fantasia que envolve as personagens – muito bem trabalhadas por Azzarello – e que nos deixam sem saber muito bem para onde a história pretende ir” em Faithless #2 tenho que admitir que até o próprio autor Azzarello não parece saber muito bem para onde nos levar. Pelo menos até agora. Gostaria que o terceiro e último volume - que a G. Floy Studio há-de lançar em 2022 - conseguisse “salvar” esta série que até tinha bastante potencial. Mas, infelizmente, creio que tal não acontecerá.

E, tal como eu havia escrito após a leitura do primeiro volume, “o problema [de Faithless] será que a história pode “descambar” em demasia. Seria uma pena porque, regra geral, o interesse do leitor e a pertinência da história é quase sempre mantido (…) , exceto numa ou duas cenas onde “descamba” para lá do aceitável”. E lamentavelmente, depois de lido este segundo volume da série, há que vaticinar que a história “descamba” em demasia. E, quase sempre, de uma forma sem nexo. Parecendo apenas almejar a pretensão de ser uma série erótica que “descamba”. No final, isso é pouco. E não se aproveita o que de bom havia – ou poderia haver em Faithless.


NOTA FINAL (1/10):
5.2


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Ficha técnica
Faithless #2
Autores: Brian Azzarello e Maria Llovet
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 160, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Maio de 2021

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