Análise: "Sabrina", de Nick Drnaso
O lançamento de Sabrina, de Nick Drnaso, não tem deixado
indiferente a comunidade mundial de leitores - especialmente aqueles que não lêem
banda desenhada. Afinal de contas, trata-se da “primeira novela gráfica
finalista do Booker Prize”, como é ostentado no folheto promocional do livro.
Se isso poderia ser motivo de orgulho para os leitores de banda desenhada, por
afinal, ser sinal de que a banda desenhada está a ser, cada vez mais, respeitada
e tida em conta pela sociedade, a verdade é que Sabrina é uma banda desenhada com sérios problemas enquanto obra
deste género.
Por esse motivo, o sentimento de ver esta obra de banda desenhada a receber destaque
fora do universo da BD, será semelhante a vermos um documentário sobre dromedários de que
gostámos muito, vencer um prémio de cinema para “melhor comédia”. Podemos regozijarmo-nos
com o prémio. No entanto, e na verdade, aquele documentário não é
exemplificativo daquilo que é o estilo da comédia. Não está na catalogação
específica, por outras palavras. Não me entendam mal! Não estou a dizer que Sabrina não se trata, afinal, de uma banda desenhada/novela gráfica. É um livro com uma história contada através de texto e desenhos,
organizados em pranchas e vinhetas. Portanto, em teoria, é uma banda desenhada.
Mas parece-me mais que Nick Drnaso utiliza a banda desenhada para contar uma
história que é, acima de tudo, parece-me, uma crónica quase jornalística da
atualidade.
Enquanto texto e história até pode ser bom (já lá irei) mas enquanto obra de banda
desenhada, peca em várias frentes. Para começar, a arte é demasiado simplista. Bem
sei que aquilo que é bonito para mim, pode não ser bonito para os outros, e
vice-versa. E mesmo pondo de parte esta característica da subjetividade da
beleza de algo, talvez se pudesse argumentar que determinada abordagem gráfica
pode ser feita de forma consciente por parte de autor, para invocar certos
tipos de estado de espírito. Não obstante, a verdade é que Nick Drnaso,
enquanto desenhador, apresenta certas limitações ao nível da conceção das
personagens - que, por vezes, até se parecem umas com as outras e não conseguem
de forma alguma transmitir sensações. Repito: de forma alguma! Mas também aos níveis dos cenários,
Drnaso, não consegue atingir a competência mínima de desenhador. O estilo é
portanto infantil e simplista, com personagens e cenários a serem desenhados de
forma deficiente. Torna-se um livro feio para ler, se é que me entendem. E mesmo na legendagem é um
trabalho difícil de digerir por ter um estilo de letra que, sendo tão pequena em dimensão,
se torna difícil de ler. Não precisei de usar óculos até à data de hoje mas
este livro obrigou-me a mergulhar a cabeça dentro do mesmo, para conseguir ler
algumas legendas. Mais ainda: existem muitas vinhetas que estão cheias de texto,
sem qualquer desenho. Afinal de contas, é uma banda desenhada mascarada de livro sério ou é um crónica, em prosa, mascarada de livro de banda desenhada?
O ritmo da narrativa é
por demais lento, também. Atenção que há muitos livros de banda desenhada - e não só - que
têm um ritmo propositadamente lento mas que funcionam bem porque pretende-se sedimentar
a relação entre o leitor e as personagens ou, simplesmente, sublinhar traços
que se pretendem destacar, quer seja na história, nas personagens ou nas
relações das mesmas. Aqui, não. Várias vezes é-nos dada uma vinheta sem texto, em
que temos uma personagem deitada na cama, virada para o seu lado esquerdo. Na
vinheta seguinte encontraremos a mesma personagem virada para o lado direito. Na
vinheta seguinte, encontramos a personagem deitada na cama e virada para o lado
esquerdo, mas em posição fetal. Dir-me-ão que é uma forma do autor nos dar a
ideia da passagem do tempo. Ou que a personagem está numa situação de tédio.
Mas este ritmo demasiado lento – e ainda por cima desenhado de forma amadora -
parece-me mais falta de técnica e inspiração do que outra coisa qualquer. Se a
ideia é unicamente demonstrar que as nossas vidas são vazias, há formas menos
vazias de o demonstrar.
Mas nem tudo são
problemas. Se a arte fica aquém, o texto e a ideia adjacente, são bons. Sabrina
conta-nos a história de como a personagem que dá título à obra desaparece, sem
deixar rasto, e como as personagens que a rodeavam – o namorado e a família,
essencialmente – terão que superar esse acontecimento, num universo onde as
vidas de cada um de nós se tornaram tão solitárias e, ao mesmo tempo, tão
mergulhadas nas redes sociais. Considero, pois, que a história, a trama e a
crítica social aqui embutida, estão bem conseguidas. O olhar de Nick Drnaso em
relação à forma como vivemos o mundo atual, sempre mergulhados nos telefones e
nas redes sociais e onde a imprensa é tão efémera nos temas que aborda, estão
muito bem conseguidos. A forma como as pessoas, ditas normais, têm que lidar
com uma situação traumatizante, como a perda ou desaparecimento de alguém,
também me parece estar bem conseguida.
Se a história fosse em
prosa em vez de banda desenhada seria certamente um bom livro. O que não
funciona aqui é uma coisa muito simples: a história, tendo um ritmo lento,
acaba por ser contemplativa. Mas como o que aqui há em termos de arte para
contemplar, não é propriamente muito interessante ou bem desenhado, acaba por
ser um "tiro ao lado". Talvez seja algo que um Terrence Malick pudesse transformar num filme bonito para
contemplar. Assim, como está, não chega.
Por vezes há livros que
conseguem fazer a proeza de terem uma história e um desenho bons. Noutras vezes, há livros que têm um história fraca mas uma arte soberba. Finalmente, há livros
que têm uma história boa mas uma arte miserável. Este enquadra-se,
infelizmente, neste último grupo. É daqueles livros que, desenhados por alguém
que soubesse desenhar decentemente, poderia ser um bom livro de Banda
Desenhada. Não o é. Não o considero horrível como já li em certas partes, mas
também está a anos luz de ser um bom livro (de banda desenhada). Fica-se pelo
meio e acaba por ser um livro que talvez caia no esquecimento e na efemeridade. Ironia das ironias, possivelmente o hype deste livro será
igualmente efémero como são as notícias efémeras que, inteligentemente, critica.
É um daqueles livros que
quem não lê BD pode gostar, para dizer que também lê BD. O comum dos leitores
de BD certamente terá dificuldades em digerir este livro.
NOTA FINAL (1/10)
5.5
Sabrina
Autor: Nick Drnaso
Editora: Porto Editora
Páginas: 204, a cores
Encadernação: Capa dura
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