quinta-feira, 11 de junho de 2020

Análise: Série Parker



Parker, de Darwyn Cooke

A personagem Parker, criada pelo autor Richard Stark, representa um dos criminosos mais conhecidos da literatura mundial. As suas aventuras têm sido bastante adaptadas ao cinema, tendo o escritor Richard Stark chegado a receber a nomeação para o Oscar de melhor argumento com a adaptação ao cinema de The Grifters. Também Payback, com Mel Gibson no papel de Parker, é um caso de sucesso no cinema de que me lembro, e que foi inspirado na personagem icónica de Parker.

Darwyn Cooke, que em português também tem publicado pela Levoir, o interessantíssimo Catwoman: O Grande Golpe de Selina, da Coleção No Coração das Trevas DC, de 2017, é um autor de renome mundial, que em boa hora pegou na personagem de Parker e a transformou em 4 novelas gráficas – ou será apenas uma novela gráfica, dividida em 4 livros?

Felizmente, os leitores portugueses de banda desenhada podem ler esta obra imprescindível da banda desenhada, numa excelente edição da Devir. E, de facto, a razão pela qual decido analisar todos os 4 livros num só artigo, justifica-se pela edição dos livros ser igual, por parte da Editora, e pela história e tom ser toda semelhante e comum ao longo dos quatro livros. E ainda que os livros possam apresentar capítulos diferentes – que são auto-conclusivos - na história global do protagonista Parker, a verdade é que, na minha opinião, os quatro livros funcionam como um grande livro. E é mesmo na leitura dos quatro que encontramos a profundidade necessária para mergulhar nestas histórias de crimes e assaltos, tão bem construídas.

Analisando as coisas em comum aos quatro volumes, comecemos pela edição dos livros. Todos eles têm um formato relativamente pequeno (150x230 mm). Mais como se fosse um livro de literatura do que um livro de banda desenhada. E se tivermos em conta que esta banda desenhada é baseada numa obra da literatura, talvez isso até tenha sido algo propositado por Darwyn Cooke, uma vez que a edição americana também é de pequena dimensão (embora ligeiramente maior do que a portuguesa). Geralmente, costumo preferir formatos maiores mas admito que, neste caso, e não esquecendo a arte muito característica de Cooke que, provavelmente, ficaria mais esbatida e arrastada num formato maior, julgo que todo o conjunto funciona muito bem neste formato. As capas são duras e o papel é grosso, de boa qualidade. Em termos de legendagem, todos os livros apresentam sintonia entre si. Também as partes narradas, que são bastantes, costumam aparecer numa fonte handwritten, no fundo das próprias vinhetas. Para o meu gosto, funciona bem e dá uma certa classe aos livros. 

Em termos de ilustração, Cooke oferece-nos um estilo de (já) não muito utilizado em banda desenhada. Especialmente se pensarmos em banda desenhada atual. Remete-nos para as ilustrações que eram normalmente utilizadas na publicidade americana dos anos 50. As mulheres que aqui aparecem, são sempre muito sensuais e bonitas e os homens têm carisma e uma certa dureza, que os torna muito masculinos e rudes. Especialmente, se falarmos do protagonista Parker, claro, que do primeiro para o segundo livro, se vê forçado a recorrer a uma cirurgia plástica para mudar de feições faciais e permanecer mais facilmente incógnito. A paleta de cores é a preto e branco, embora sempre com a presença de uma cor mais berrante para equilíbrio entre pretos e brancos. No primeiro livro, é o cinzento; no segundo é o azul; no terceiro é o amarelo, e no quarto livro temos, novamente, o azul e o amarelo.

Estes livros representam pois, objetos gráficos muito bonitos. Ilustração, cores, legendagem, a própria edição, tornam a experiência muito madura e com bastante classe. Como se não fosse bem uma banda desenhada para ser lida por “miúdos” mas sim, por “senhores”. Mesmo considerando que as narrativas são duras e violentas, o ambiente que nos é oferecido parece ser um “noir chic”. Noir porque envolve, crimes atrás de crimes, traições, corrupção, violência e um anti-herói, por quem torcemos. Chic, porque o tratamento gráfico é sofisticado, as ilustrações têm charme e as cores são muito artísticas, do ponto de vista do design.

Na minha “santíssima trindade” daqueles que considero serem os melhores três policiais na banda desenhada, Parker ocupa um lugar, junto de Sin City, de Frank Miller, e de Criminal, de Ed Brubaker e Sean Phillips. São todos diferentes, bem sei. Mas todos com uma negritude nos protagonistas e nas histórias, que nos deixam colados aos livros até que cheguemos ao fim. 

Agora que estão expressas as coisas em comum entre os 4 livros, convém revelar um pouco de cada umas das histórias presentes.

No primeiro livro, O Caçador, vivemos aquela que será, por ventura, a história mais conhecida de Parker. O nosso protagonista, depois de ser traído pela mulher que amava e pelo seu parceiro no crime, decide vingar-se daqueles que o traíram e reclamar o dinheiro que lhe foi roubado, após um assalto que fizera. Parker é aqui extremamente agressivo e metódico nas suas ações. Revela também muito carácter ao pretender reaver apenas aquilo que lhe é devido. E mesmo estando sozinho perante uma enorme organização criminal, não parece ter receios de avançar contra tudo e contra todos. Excelente na narrativa e na ação, este é um fantástico cartão de visita para entrar nestas aventuras. Este primeiro livro até foi vencedor do prémio Eisner e incluído na lista dos livros mais vendidos do New York Times.

No segundo livro, A Organização, temos a sequela em relação ao livro anterior. E ainda que todos os livros sejam, como já referido, auto-conclusivos, encerrando em si uma narrativa, a verdade é que ficaram algumas pontas soltas no desfecho da história anterior. Poderia perfeitamente só ter havido o primeiro livro, admito. Mas havia espaço para mais. Assim, e depois de ter acertado as suas contas pendentes com os que o haviam traído, e de ter feito uma cirurgia plástica para mudar a cara e, dessa forma, não ser identificado, Parker vive a vida à sua maneira. Mas alguém consegue reconhecê-lo e denunciá-lo à Organização. Parker vai ter então que retaliar e atingir, uma vez mais, a Organização no seu âmago, para que fique verdadeiramente livre da mesma. Este segundo livro merece ainda uma nota de destaque em relação à forma como Cooke nos narra a história. Sensivelmente a meio da narrativa, Parker convoca os seus parceiros no crime para atingir simultaneamente a Organização em diferentes pontos do país. E a maneira como cada um destes golpes é narrada sai da zona de conforto do autor. Um dos golpes é narrado totalmente com texto em prosa, como se de um artigo de jornal se tratasse. Os restantes três golpes são narrados com um estilo de desenho diferente, roçando um estilo mais caricatural e simplista. Uns estilos resultam melhor do que outros mas é admirável que Darwyn Cooke nos tenha dado esta alternativa, esta nuance estilística. 

O terceiro livro, O Golpe, é maravilhoso e centra-se mais no golpe que vai ser levado a cabo por Parker e pelos seus sócios, do que na personagem Parker. O que Parker pretende fazer desta vez, é roubar uma cidade inteira. O plano parece perfeito e é minuciosamente preparado para que corra na perfeição. É claro que, pelo meio, sucedem episódios que não eram expectáveis e as coisas acabam por correr para o torto. Mais do que testemunhar o golpe em si, uma das coisas mais impressionantes para o leitor, é a preparação do próprio golpe. Tal como no filme Ocean's Eleven, com George Clooney e Brad Pitt, por exemplo, aquilo que nos prende à história é ver se o plano perfeito vai mesmo correr bem, suspeitando de antemão, que algo há-de correr mal. Este O Golpe, é um verdadeiro tratado do que uma narrativa de ação deve - ou pode - ser.

Finalmente, o quarto livro, Jogo Mortal, conta-nos uma história, mais pequena, em que Parker, após um assalto que correu mal, tem que se refugiar num parque de diversões encerrado e defender-se perante gangsters e polícias corruptos. Parker vai usar as várias atrações do parque para criar armadilhas para apanhar os seus seguidores, tal como Macaulay Culkin fez no clássico do cinema, Sozinho em Casa. No final deste quarto livro, há ainda uma pequena história adicional, denominada O Sétimo. Este quarto livro, sendo bom, é o menos impressionante da coleção, a meu ver. Talvez porque a história é mais pequena e menos inspirada que as anteriores. Ainda assim, é um bom livro de ação e recomendável para todos os que gostaram dos primeiros três livros.

Embora sejam quatro livros no total, parece-me pois que esta é uma só obra, uma só história, dada a harmonia gráfico-narrativa, que existe entre todos os livros. Se apenas se consegue adquirir um destes livros, diria que o primeiro, O Caçador, será o mais indispensável, seguido, de perto, do livro três, O Golpe. Mas a verdade é que todos os livros são bons, com uma linguagem própria em termos gráficos, conseguida por Darwyn Cooke e com um texto e narrativa espetaculares, por parte do autor original, Richard Stark.

Por uma questão de guia de compras, deixo abaixo uma classificação para cada um dos livros, embora o que é mais importante, acredito, será a nota total ponderada.

Em conclusão, esta é uma série indispensável para qualquer amante de banda desenhada que goste de um bom policial e de um protagonista carismático, como só Parker consegue ser. Pegando nas palavras de Ed Brubaker, “Parker é o criminoso mais icónico jamais criado”.

Nota final do Livro 1: O Caçador: 9.5
Nota final do Livro 2: A Organização: 8.9
Nota final do Livro 3: O Golpe: 9.4
Nota final do Livro 4: Jogo Mortal: 8.0

NOTA FINAL DA SÉRIE (1/10):
9.2

Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020 

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Fichas técnicas:
Parker - Volume 1: O Caçador
Autor: Darwyn Cooke
Editora: Devir (Coleção Biblioteca de Alice)
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: 2015

Parker - Volume 2: A Organização
Autor: Darwyn Cooke
Editora: Devir (Coleção Biblioteca de Alice)
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: 2016

Parker - Volume 3: O Golpe
Autor: Darwyn Cooke
Editora: Devir (Coleção Biblioteca de Alice)
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: 2017

Parker - Volume 4: Jogo Mortal
Autor: Darwyn Cooke
Editora: Devir (Coleção Biblioteca de Alice)
Páginas: 100, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: 2017

2 comentários:

  1. Fantástico artigo que coloca aqui toda a info relativa a esta excelente obra do mestre Cooke.

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