Análise: Beowulf, de Santiago García e David Rubín
Dificilmente haveria uma forma mais impetuosa – gloriosa, até! – para a Editora Ala dos Livros se lançar no mercado português da banda desenhada quando, em 2018, publicou, como primeiro livro do seu catálogo, a adaptação do conto clássico Beowulf, pelas mãos de Santiago García e David Rubín.
E repito que o fez de uma forma gloriosa porque esta é uma obra que, a meu ver, apresenta alguns riscos para o mercado português. Senão vejamos: sendo uma edição de formato grande, tendo bastantes páginas e uma arte e um texto num estilo algo original – para os portugueses - e carregado de brutalidade – embora, assegure-se, seja uma brutalidade épica – diria, tendo em conta o algum conhecimento que tenho do mercado português, que foi um lançamento arriscado. E é mesmo por isso, que acho que a Ala dos Livros merece a minha vénia: apresentou-se ao mercado português como sendo uma editora com coragem, perseverança, audácia e querendo, como dizem os ingleses, make a stand enquanto editora que edita livros de qualidade superior. Não poderia, por isso, ter sido mais ambiciosa e corajosa na sua abordagem inical, qual Beowulf!
Para os que já conhecem a narrativa de Beowulf, com já muitas adaptações feitas ao longo da história, das quais destaco a excelente adaptação cinematográfica com que Robert Zemeckis nos brindou em 2007, não há aqui grandes novidades em termos narrativos. Santiago García faz justiça a este conto clássico, que tantos leitores cativou ao longo dos séculos, transpondo de forma muito competente, para o formato de banda desenhada, as aventuras de Beowulf, um guerreiro com força sobre-humana que viaja para a Dinamarca para derrotar Grendel, uma criatura monstruosa que tem vindo a atacar aquele reino. O herói vence e mata Grendel em duelo, utilizando como arma apenas as suas mãos nuas. Mais tarde, haverá ainda de tecer batalhas de proporções épicas contra a mãe de Grendel, também ela uma criatura monstruosa, e contra um imponente dragão. As batalhas, são representadas de forma visceral e extremamente brutal e agressiva, onde o vermelho do sangue vertido nestes combates mortais, é o tom cromático de toda a obra. Quase apetece dizer que esta versão da obra, é a versão mais rock n roll até à data. Muito suor, muitos fluídos corporais (de todas as espécies!) e muita violência gore. Uma brutalidade visceral que habita toda a obra.
Mas não é uma violência gratuita. Há lógica, há desenlace, uma boa planificação da história, bons diálogos e um bom punhado de frases marcantes.
Olhando um pouco para a arte aqui presente, denota-se que a caracterização das personagens, aqui e ali, é crua e dura, com as expressões das suas caras a parecerem esculpidas em pedra, o que poderá fazer com que alguns leitores considerem que é um tipo de desenho arcaico, pouco detalhado ou de traço muito rígido e grosso. A fazer lembrar, com as devidas distâncias, a arte de um Southern Bastards, de Jason Latour, ou de um O Congo, do português Henrique Gandum. Mas é até mesmo pelo tipo de arte aqui aplicado, que considero que Beowulf é um livro com muita unidade e uma harmonia que o habita do princípio ao fim. As personagens são rijas, a história é violenta, o texto é forte e o desenho é também bruto na forma como as personagens são representadas. Mas, lá está, há uma harmonia transversal em toda a grandiosidade agressiva que seguramos nas mãos, quando lemos este livro.
A planificação das pranchas, por parte de Rubín, pode parecer de difícil compreensão, com várias vinhetas sobrepostas umas nas outras. No entanto, uma leitura cuidada detetará a meticulosidade impressionante de como a ação é dividida.
Há uma forte dinâmica neste cômputo da planificação da obra, também. Temos desde "mini-vinhetas" que não são mais do que planos close-up de determinados detalhes, a que se pretende dar destaque, mas também temos ilustrações que ocupam uma página inteira. São até nessas ilustrações de maior dimensão que Beowulf mais brilha. De facto, quer seja nos separadores dos três grandes capítulos que dividem a narrativa, quer seja em ilustrações de larga dimensão, que chegam a ocupar duas páginas, a arte de Rubín é maravilhosa e dissipa quaisquer dúvidas que poderiam haver nos leitores mais céticos. Um bom exemplo disto é a ilustração que aqui apresento, com Beowulf montando a cavalo e segurando a cabeça da mãe de Grendel, enquanto é acompanhado por mais três cavaleiros. Um trabalho de ilustração soberbo que dava um quadro espetacular!
Como pontos menos conseguidos diria que, por vezes, as cenas de ação, principalmente aquelas que estão mais sobrecarregadas de vinhetas, tornam-se um pouco de difícil compreensão embora, como já referi atrás, uma leitura cuidada nos permita ver que, aparentemente, cada pequeno desenho, por mais ínfimo que seja, está ali por qualquer razão.
Este Beowulf é, acima de tudo, uma boa surpresa para quem gosta de um bom conto épico, marcado por batalhas sangrentas e agressivas, e com uma arte visualmente chamativa e cheia de fulgor. Destaque final para a edição absolutamente de luxo, com uma capa bem rija, papel de boa qualidade e uma excelente impressão.
Parabéns à Editora pela entrada, pela porta grande, nas edições de banda desenhada em Portugal.
NOTA FINAL (1/10):
8.0
-/-
Ficha Técnica
Beowulf
Autores: Santiago García e David Rubín
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 200, a cores.
Encadernação: Capa dura
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