quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Análise: Lucky Luke - A Arca de Rantanplan

Lucky Luke - A Arca de Rantanplan, de Achdé e Jul - ASA

Lucky Luke - A Arca de Rantanplan, de Achdé e Jul - ASA
Lucky Luke - A Arca de Rantanplan, de Achdé e Jul

Tinha muitas expetativas para este novo álbum de Lucky Luke, lançado em Outubro pela ASA, especialmente por dois motivos: primeiro, porque gostei bastante do último álbum da dupla Achdé e Jul que foi Um Cowboy no Negócio do Algodão. Achei que, com esse livro, o famoso cowboy da banda desenhada voltou à boa forma com um volume bastante bem conseguido a todos os níveis. Por outro lado – e já aqui o escrevi diversas vezes – sou um grande fã da personagem de Rantanplan. Há várias personagens que se tornaram emblemáticas na série de Lucky Luke, mas, para mim, Rantanplan, “o cão mais estúpido do faroeste” é, sem grande concorrência, a personagem mais divertida da série. Adoro-a! E sabendo que iria figurar na história - tendo até o destaque de ter o seu nome no título do álbum - deixou-me muito entusiasmado.

Lucky Luke - A Arca de Rantanplan, de Achdé e Jul - ASA
Depois de feita a leitura, as minhas expetativas para este A Arca de Rantanplan foram correspondidas a metade. Não é um álbum tão bom como eu desejava – e fica vários furos abaixo de Um Cowboy no Negócio do Algodão – mas é, mesmo assim, uma boa leitura e um livro que vai agradar aos muitos fãs que Lucky Luke tem pelo mundo e, concretamente, em Portugal.

Como tem sido feito pela dupla de autores Achdé e Jul, há também neste A Arca de Rantanplan uma tentativa de pegar num tema da atualidade e transpô-lo para o universo de Lucky Luke. Isso traz sempre uma certa pertinência e valor histórico aos álbuns do célebre cowboy, já que, acabam sempre por nos fazer aprender algo mais sobre determinado tema. No caso deste livro, o tema é a proteção dos direitos dos animais e a sugestão de, para garantia dos mesmos, uma adoção do vegetarianismo. O tema é, portanto, mais do que atual.

Ora, no universo dos cowboys, se há coisas onde os humanos não perdiam tempo era com os direitos dos animais. Cavalos, vacas, ovelhas, bisontes… eram vistos como matéria-prima para o enriquecimento dos seus proprietários. Aliás, basta pensarmos no próprio nome “cowboy” (ou “vaqueiro”, em português) para percebermos que os animais eram a fonte de rendimento de uma grande parcela da população. Ainda o é, de um modo mais industrializado e capitalista. Disso não tenhamos quaisquer dúvidas.

No entanto, e no longínquo ano de 1866, Henry Bergh criou a USPCA, a “Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade contra os Animais”.

Lucky Luke - A Arca de Rantanplan, de Achdé e Jul - ASA
E, com base nisso, o argumentista Jul traz-nos a personagem de Ovide Byrde que, em pleno faroeste, cria a Sociedade Protetora dos Animais do Condado de Cattle Gulch, cujo próprio nome, “Ravina do Gado”, já nos faz antever os problemas que surgirão desta iniciativa. E assim é. Devido às suas atividades de tentativa de salvar todo e qualquer animal, Ovide Byrde passa a ser perseguido pela população local, estando à beira de um linchamento público quando Lucky Luke esbarra com a situação e resolve intervir, em auxílio do desamparado Byrde.

Byrde é um homem à frente do seu tempo e, como tal, age de um modo incompreensível para os demais: acolhe na sua quinta todos os animais feridos ou abandonados. Mas é quando Ovide Byrde descobre, devido a Rantanplan, uma grande quantidade de ouro, que os eventos começam a ser alterados. A novidade sobre a riqueza do protetor dos animais espalha-se e, em pouco tempo, surge em cena Tacos, um presidiário que é posto em liberdade e que logo encabeça um plano para extorquir a fortuna a Ovide Byrde. Em nome do bem-estar animal, e com a ajuda de Tacos, Ovide Byrde passa a levar ao extremo as suas metodologias em defesa dos animais.

Se até aqui me parecia que o enredo, sendo simples, estava bem pensado por Jul, depois disto o autor introduz os índios nesta história, o que dá uma clara sensação de filler ou, em bom português, dá uma clara sensação de “enchimento de chouriços”. É certo que o pequeno índio Rabanete Ágil procura ser o estereótipo de um jovem que, de um momento para o outro, começa a perceber a importância da vida dos animais e tenta operar, em si e no mundo à sua volta, uma mudança drástica, recusando tudo o que é carne e defendendo uma alimentação vegetariana. Mas mesmo permitindo alargar um pouco o espetro da temática do livro, parece-me que o autor o faz de forma um pouco atabalhoada. E é, pois, a partir deste ponto que a história perde fulgor. Não fica estragada, mas perde o bom ritmo que levava, parecendo algo desinspirada e até algo forçada daqui em diante.

Lucky Luke - A Arca de Rantanplan, de Achdé e Jul - ASA
Convém relembrar ainda que entre os animais acolhidos na sua quinta por Byrde está Rantanplan que, naturalmente, tem uma visão deturpada e completamente alheada da realidade que o envolve. Percebo que Rantanplan sempre teve um papel secundário, de comic relief, nas histórias de Lucky Luke (excetuando, claro, quando recebeu uma série própria, à margem da série principal). Não obstante, e até pelo título do livro – que acaba por ser enganador neste ponto - gostaria de ter visto Rantanplan a ter mais destaque nesta história. Continua a ter pensamentos completamente absurdos que me fizeram rir várias vezes, mas acaba por desempenhar um papel mais secundário na trama principal. O seu aparecimento é bom, mas subaproveitado, quanto a mim.

Voltando à história, caberá a Lucky Luke tentar restabelecer a justiça e tentar reconciliar todas as partes porque dizem que “a virtude está no meio”. E mesmo sem ter um argumento com a coesão desejada, gostei da mensagem do álbum de que os direitos dos animais deverão ser protegidos e tidos em conta pela humanidade, mas também não é forçando essa mensagem, de forma artificial, e da noite para o dia, que se consegue mudar de forma positiva para todos. A mudança é um processo gradual e é com isso em mente que conseguimos operá-la da melhor forma. Ora, se pensarmos que Lucky Luke (também) é uma série infanto-juvenil, que bela e madura mensagem este álbum consegue proporcionar.

Lucky Luke - A Arca de Rantanplan, de Achdé e Jul - ASA
Olhando para os desenhos de Achdé, não tenho muito a acrescentar face àquilo que já escrevi na análise ao anterior álbum da série, portanto, parece-me ajustado repescar o que escrevi nessa altura: “quanto ao trabalho de Achdé, só posso dizer que é impecável. Sem uma única falha que lhe possa apontar. Mesmo que os mais puristas considerem que Achdé se limita a emular o autor original da série, Morris, a verdade é que o faz de forma perfeita e permite a milhões de leitores em todo o mundo, a oportunidade de continuar a ler novas histórias de Lucky Luke. Portanto, todos aqueles que são fãs da arte de Lucky Luke, dos desenhos tão característicos desta série, certamente ficarão muito satisfeitos com esta obra. Há até espaço para algumas pranchas algo diferentes, em termos de planificação e dimensão das vinhetas, mas, lá está, sempre respeitando o legado do mestre Morris. O álbum não é desenhado por Morris, mas poderia sê-lo perfeitamente.

A capa volta a ser bastante apelativa, o que é um bónus. E a edição da ASA vai ao encontro daquilo que estaríamos à espera para a série: capa dura e papel baço. Nota positiva para o facto de, mais uma vez, o lançamento da obra em Portugal ter ocorrido em simultâneo com o lançamento mundial. Os leitores portugueses de banda desenhada merecem que isto seja prática comum!

Concluindo, A Arca de Rantanplan poderia ser melhor em termos de argumento – ou na gestão do mesmo, vá. No entanto, os muitos fãs portugueses da série podem ficar descansados porque estamos perante um álbum bastante agradável e que se lê muito bem.


NOTA FINAL (1/10):
7.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Lucky Luke - A Arca de Rantanplan, de Achdé e Jul - ASA

Ficha técnica
Lucky Luke - A Arca de Rantanplan
Autores: Achdé e Jul
Editora: ASA
Páginas: 48, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2022

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