A leitura desta nova aposta das editoras A Seita e Arte de Autor foi tão positiva que tenho que começar esta análise assinalando um ponto que considero negativo neste livro: a sua capa.
E quando digo que é algo negativo, não me estou a referir à ilustração da capa, ao belíssimo logótipo da série ou às bonitas cores da mesma. Refiro-me ao ambiente que ela me passou quando olhei para ela pela primeira vez. Parecia-me – e ainda me parece, na verdade – que estamos perante uma série de ficção científica futurista. Mas, pelo menos até agora, Nautilus não tem nada de ficção científica futurista. Esta é, afinal de contas, uma história de época mesmo que, se ambiente na temática de Júlio Verne.
Portanto, e fora o facto de a capa não estar mal concebida, acho que está a vender outra coisa que não é aquilo que está a oferecer no seu anterior. E não é que seja pior ou melhor. É outra coisa. Se calhar até é bem melhor aquilo que o livro tem para oferecer no seu interior, face àquilo que a capa promete. Sim, eu sei, que Nautilus é a embarcação do Capitão Nemo e, depois de ler o livro, fica claro que aquilo que estamos a ver na capa é uma imagem das profundezas do mar. Mesmo assim, e desculpem a minha teimosia neste ponto, quando olho para esta capa sinto mais o chamamento do filme Interstellar, do realizador Christopher Nolan, do que da obra de Júlio Verne. Devo, no entanto, dizer que relativamente à capa do tomo 2 desta série, que deverá ter 3 tomos, a minha opinião já muda drasticamente. Aí sim, a capa está perfeita e promete aquilo que, eventualmente, nos há-de dar.
Tudo isto para dizer que mergulhando na leitura deste Nautilus #1 - O Teatro das Sombras, da autoria de Mathieu Mariolle e Guénaël Grabowski, parti com a ideia que se iria tratar de algo futurista, com naves espaciais, em género de space opera que se baseasse na criação de Júlio Verne. E foi só depois de iniciada e concluída a leitura que verifiquei que esta história nada tem a ver com isso. Nautilus é uma banda desenhada de aventura, cheia de ação, como há muito tempo não via, e que remete para as melhores memórias que este tipo de leitura em BD já me deu!
Portanto, escusado será dizer, foi – ou melhor, está a ser, uma vez que este é apenas o primeiro de três álbuns - uma belíssima surpresa!
A premissa da história pensada por Mariolle, vai beber aos universos imaginados por Júlio Verne, como já referi, mas também aos de Rudyard Kipling. Tanto assim é que o protagonista deste Nautilus dá pelo nome de Kimball O’Hara, tal como no romance Kim.
Kimball, com origens indianas e irlandesas, é um agente ao serviço da espionagem do Império Britânico e vê-se envolvido na enorme tensão que se regista entre os Impérios Russos e Ingleses, que culminam na sua acusação de responsável por um atentado que ocorre num enorme navio com iminentes figuras russas e britânicas. Ora, vendo-se forçado a provar a sua inocência, Kimball dá conta de que os documentos que o podem ilibar estão num cofre que se encontra no fundo do mar, junto aos destroços do navio destruído. Mas como ir ao fundo do mar buscar algo quando ainda não chegámos a 1900, sequer? A única esperança reside, portanto, no submarino Nautilus e é então que Kimball concentra os seus esforços em encontrar o Capitão Nemo, uma vez que apenas este, e o seu submarino Nautilus, o poderão ajudar.
Confesso que esta premissa é algo simplória e talvez até infantil. Creio que talvez o argumentista pudesse ter pensado num engodo mais plausível para colocar Kimball O’Hara à procura de Nemo e do seu submarino. Mas, lá está, isto é apenas o rastilho para a história que vem depois. E é essa história, carregada de aventura e de ação, que faz deste Nautilus uma experiência bastante gratificante.
O protagonista terá, pois, de fugir duma arqui-inimiga, Jaya, e de apanhar todos os meios de transporte possíveis para encontrar Nemo, que se encontra numa prisão de onde é praticamente impossível sair. E tudo isto sempre na iminência de ser uma luta contra o tempo inglória, já que o conflito entre os ingleses e os russos estar à beira de eclodir.
Confesso que, se a leitura muito me agradou e entreteu a partir do momento em que Kimball inicia a sua fuga de Jaya, a verdade é que o início do livro, carregado de momentos algo dispersos entre si, me proporcionou uma entrada na série não tão airosa como eu gostaria. As primeiras páginas são algo confusas e o leitor anda meio perdido. Mas, a partir do momento em que o protagonista concentra os seus esforços em encontrar Nemo, a narrativa encarrila de vez, deixando os leitor mergulhado nos próximos passos de Kimball. Dito por outras palavras, posso ter torcido o nariz às primeiras páginas deste Nautilus, mas, passadas 10 páginas, estava mais que absorto nesta bela aventura.
E sim, aventura é algo que não falta neste livro. Perseguições, paisagens paradisíacas, explosões, fugas da cadeia, momentos de ação e perigo de vida constante para o protagonista são coisas com que podemos contar.
Em termos de ilustração, gostei bastante do trabalho de Grabowski que consegue dotar o livro com toda a urgência típica de um bd de ação e que era crucial para a boa dinâmica da obra. Se, em termos de desenho do protagonista, Kimball me remeteu para uma mistura entre Blueberry e John Crow, de Undertaker, em termos de planificação, lembrei-me bastante do trabalho de Matthieu Laufray em Long John Silver. Assim, temos uma enorme variedade de diferentes formas e tamanhos de vinhetas, com vinhetas pequenas e sobrepostas umas nas outras, mas também com algumas ilustrações a ocuparem toda a página e com outras ilustrações de página dupla, que impressionam pelo seu sentido megalómano. Há de tudo um pouco.
Não podendo dizer que o trabalho de cores do autor Denis Béchu seja mau, tenho que, mesmo assim, confessar que algumas paletas de cor escolhidas me pareceram demasiado amareladas e que talvez não fossem, pelo menos na minha opinião, os tons de cores que estas ilustrações mais pediam. Mas é apenas um pequeno detalhe. A verdade é que, em termos de ilustração, este Nautilus passa com distinção. Quem aprecia o estilo mais clássico da bd franco-belga de aventura, vai certamente apreciar a componente estética desta série, pois consegue homenagear o clássico e, mesmo assim, ter algum modernismo.
Em termos de edição, o trabalho das duas editoras A Seita e Arte de Autor está bastante meritório. A capa é dura e baça, o papel é brilhante e de boa gramagem, e a impressão e a encadernação também apresentam qualidade. No final do livro, há ainda um caderno com 9 páginas onde nos são dados estudos de personagens, esboços e um posfácio escrito pelo argumentista, em que o mesmo nos explica como chegou à história e às personagens da mesma. Tudo somado, e temos uma bela edição da obra.
Concluindo esta análise, ainda que o início seja algo conturbado, Nautilus é uma bela surpresa e totalmente recomendável para os adeptos da banda desenhada europeia de aventura, com um carismático protagonista. Confesso ter ficado empolgado com aquilo que esta série ainda nos pode dar nos próximos números.
NOTA FINAL (1/10):
8.9
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Nautilus #1 - O Teatro das Sombras
Autores: Mathieu Mariolle e Guénaël Grabowski
Editoras: A Seita e Arte de Autor
Páginas: 68, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Novembro de 2022
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