quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Análise: As Aventuras de Tom Sawyer



As Aventuras de Tom Sawyer, de Caterina Mognato e Danilo Loizedda

As Aventuras de Tom Sawyer é a quinta obra da coleção Clássicos da Literatura em BD, editada pela Levoir em parceria com a RTP. Da autoria de um dos escritores mais marcantes na literatura mundial, Mark Twain, esta é uma história direcionada para um público infanto-juvenil mas com o condão de agradar a adultos, também. Mais não seja, pela oportunidade que dá a cada leitor de voltar aos seus tempos de meninice.

No meu caso concreto, é uma obra muito querida por dois motivos. O primeiro que, imagino, será comum a muitos leitores deste blog, é a importância que a série de animação dos anos 80 teve na minha infância. Sempre foram dos desenhos animados de que mais gostei enquanto criança. Mas há um segundo motivo para eu gostar tanto desta obra e que está interligado com a banda desenhada. Vou partilhá-lo com os que me lêem.
 
Quando andava na escola primária, uma colega emprestou-me um livro de banda desenhada que marcou a minha vida para sempre. Era a adaptação para banda desenhada de As Aventuras de Tom Sawyer, de Carlos Cornejo e Chiqui de la Fuente, editado pela SEL – Sociedade Editorial. E bang! Fiquei verdadeiramente viciado neste livro.

Consegui convencer a dona do livro a trocá-lo por alguns livros meus e passei a ser o dono deste adaptação que me acompanhou para todo o lado e, ainda hoje, ocupa um lugar de destaque na minha coleção. Até hoje, continua como um dos meus livros preferidos de banda desenhada. É certo que, nos dias que correm, já sou um leitor de bd com (alguma) experiência, e, portanto, consigo perceber que talvez esta adaptação não seja perfeita – e o seu final foi adaptado de forma demasiado livre, reconheço. Mas como é um livro que incentivou e marcou a minha entrada no universo da banda desenhada, continua a ser um livro que prezo como um dos mais “valiosos” na minha coleção pessoal. E, diga-se, é uma excelente adaptação da obra de Mark Twain.

Ora, feita a minha introdução à ligação que tenho com a obra - cuja versão original de Twain também acabei por ler várias vezes - devo confessar que esta nova adaptação à bd, da autoria de Caterina Mognato e Danilo Loizedda, tinha, logo à partida, a tarefa difícil de conquistar a minha (plena) satisfação. E não sendo isenta de alguns problemas, parece-me que é uma obra que cumpre bem os seus intuitos genéricos.

Comecemos pela arte, desta vez. Até agora, esta coleção da Levoir tem revelado uma qualidade mediana/baixa. O último livro, Oliver Twist, e também Odisseia, foram livros cujas ilustrações ficaram bastante aquém de um patamar de qualidade satisfatório. Este As Aventuras de Tom Sawyer, com ilustrações da autoria de Danilo Loizedda, supera facilmente essas obras que mencionei em termos de qualidade de desenho. Afirmar isto não é dizer que esta obra apresenta uma qualidade de ilustração espetacular. Na verdade, verifica-se que Loizedda apresenta algumas debilidades em algumas vinhetas, onde certas expressões faciais e certas posições corporais – especialmente as que pressupõem a sensação de movimento – não são muito bem conseguidas. No entanto, parece-me que, na globalidade, é um álbum agradável de admirar. Há algumas vinhetas bastante bem conseguidas e o trabalho de cor – assegurado pelo estúdio Minte Studio – consegue atribuir à obra uma boa harmonia cromática. Não terá, portanto, uma arte ilustrativa tão boa como Alice no País das Maravilhas teve, mas, ainda assim, é dos melhores da coleção até agora.

Quanto à adaptação do argumento para banda desenhada, que ficou a cargo de Caterina Mognato, penso que este livro cumpre os mínimos para assegurar que a história de Tom Sawyer fica contada de forma decente. Porém, considero que comete duas falhas. A primeira é que alguns epísódios da obra original, como a pintura da cerca em que Tom Sawyer, perspicaz, consegue ludibriar todos os seus amigos para que façam o seu trabalho e ainda paguem em géneros para o fazer(!); ou a cena em que a Tia Polly ajuda Tom Sawyer a arrancar o dente de forma estóica; ou quando Tom Sawyer dá o seu remédio ao pobre gato, entre outros momentos, são pequenos episódios obrigatórios nesta obra fantástica de Mark Twain. Poderão dizer-me: “Ah, mas em 48 páginas seria difícil falar disso tudo”. A isso eu respondo, com o meu exemplar de Carlos Cornejo e Chiqui de la Fuente à minha frente, “Pois bem, os autores espannhóis conseguiram não deixar esses episódios de fora em 46 páginas”. Com duas páginas a menos, conseguiram apresentar mais episódios da obra original. Ou seja, nesta edição da Levoir parece-me que Caterina Mognato deixou algumas partes importantes da história de fora, desperdiçando muitas páginas e vinhetas com coisas não tão relevantes. Deveria ter havido um melhor resumo da história. 

A segunda falha que encontro neste livro é que a autora não consegue ter um fio condutor narrativo com a clareza que se esperaria. Acaba por ser um mero desfile de eventos aquilo que nos é dado. A obra original, relembro, conta as inúmeras aventuras que o muito rebelde Tom, na companhia do seu fiel companheiro Huckleberry Finn, experencia na pequena vila, situada no Missouri, na margem do Mississipi, onde vive. A vida de Tom é marcada pela chegada da bela Becky à sua terra, bem como os crimes que o índio Joe faz e que Tom testemunha. Tudo isso está aqui retratado, é certo, mas falta um fio que una as peças, que trace melhor a personalidade marialva - mas igualmente amorosa - do protagonista. Parece-me que este Tom não tem o carisma, a vivacidade, a traquinice que tem o Tom de Mark Twain (ou o de Carlos Cornejo). Não é mau, sublinho, mas é mediano.

Em relação à edição por parte da Levoir, temos um livro com uma boa qualidade de encadernação, em capa dura, e com papel de qualidade. No final, há um pequeno dossier de extras com pertinentes informações sobre a obra original e sobre a incrível vida de Mark Twain, esse fantástico escritor, tão à frente do seu tempo.

Em conclusão, esta adaptação de As Aventuras de Tom Sawyer cumpre o objetivo primordial de nos apresentar esta personagem universal e marcante. Em termos de ilustração é um álbum que, não sendo perfeito, tem algumas coisas interessantes. Já quanto à adaptação do argumento original para banda desenhada, a mesma poderia ser melhor e não ter cortado alguns episódios tão inesquecíveis da obra original. Mesmo assim, parece-me uma boa opção para se apresentar este clássico da literatura a um público infanto-juvenil. Isto, claro, se não se conseguir encontrar a fantástica adaptação para bd de Carlos Cornejo e Chiqui de la Fuente, editado no longínquo ano de 1978 pela editora SEL.


NOTA FINAL (1/10):
7.2


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
As Aventuras de Tom Sawyer
Autores: Caterina Mognato e Danilo Loizedda
Adaptado a partir da obra original de: Mark Twain
Editora: Levoir
Páginas: 64, a cores
Encadernação: capa dura
Lançamento: Novembro de 2020

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