terça-feira, 30 de novembro de 2021

Análise: Sapiens Imperium

Sapiens Imperium, de Sam Timel e Jorge Miguel - Arte de Autor e A Seita

Sapiens Imperium, de Sam Timel e Jorge Miguel - Arte de Autor e A Seita
Sapiens Imperium, de Sam Timel e Jorge Miguel

Depois do fantástico Shanghai Dream nos ter levado ao passado, através de um drama ambientado na Segunda Guerra Mundial, o autor português Jorge Miguel, que muitas cartas dá no universo da banda desenhada franco-belga vê, num curto espaço de tempo, um segundo livro seu publicado em Portugal pelas editoras Arte de Autor e A Seita. Mas, se o álbum anterior foi histórico, este Sapiens Imperium não poderia ser mais futurista. E, desta vez, no lugar de Philippe Thirault, o autor português aparece acompanhado pelo americano Sam Timel.

Há que dizer que Sapiens Imperium se apresenta como uma obra de ficção científica cheia de potencial e uma forte ambição. E embora seja publicada como um one-shot, uma história auto-contida em si mesma, a verdade é que há aqui espaço para muito mais. E quando falo em “muito mais” refiro-me a uma maior e mais complexa exploração narrativa das boas ideias que Sam Timel congeminou. E, talvez por isso, não seja de admirar que a última legenda do livro seja “Fim do Primeiro Ciclo”. O que traz consigo a promessa de que, mesmo tendo em conta que este livro se fecha a si mesmo, há (haveria!) espaço para muito mais.

Sapiens Imperium, de Sam Timel e Jorge Miguel - Arte de Autor e A Seita
E essa característica, podendo ser extremamente positiva, e bem apetecível para o nosso imaginário, também acaba por ser o calcanhar de Aquiles da obra, a meu ver. É que, esta sensação de subaproveitamento, de demasiadas coisas para poucas páginas (embora sejam 120, ainda assim) e de alguma aleatoriedade de ideias, está presente ao longo de toda a leitura.

A história leva-nos, como já referi, para uma distopia futurista, passada num local e num tempo longínquos. O universo é governado, de forma autoritária, pelo chefe dos Kerkans. Quanto à dinastia dos Khelek, depois de deposta, foi aprisionada em Tazma, uma lua abandonada, onde o seu povo passou a viver no subsolo. Entretanto, passou-se muito tempo e começa a surgir uma onda de revolta por parte dos Khelek, que têm que fazer trabalhos forçados para a produção de algas, que são indispensáveis à vida do Império. No fundo, a clássica situação de um povo que é escravizado em prole de um outro. 

E da revolta que se vai sentindo junto dos Khelek, começa a sobressair a jovem Xinthia, que protagoniza este Sapiens Imperium, numa luta pela revolução e pelo direito à liberdade. Entretanto, Xinthia acaba por se apaixonar pelo filho do imperador que, contrariamente à sua família, até consegue nutrir simpatia e respeito pelo povo Khelek. 

Sapiens Imperium, de Sam Timel e Jorge Miguel - Arte de Autor e A Seita
Desta forma, estamos perante uma narrativa carregada de alguns lugares comuns e uma certa sensação de déjà vu. Nesse sentido, e ainda que tudo seja ambientado num universo muito particular e original, fica-se com a sensação de que já se viu, leu ou ouviu esta mesma história noutro(s) lugar(es).

Há também uma coisa muito interessante que são os Metalnautas, uma espécie de robots de guerra, que são controlados à distância por humanos. Essa premissa destes soldados de guerra mecânicos é, por si só, muito interessante e merecia, por ventura, uma maior e mais complexa exploração por parte de Timel. Como também o merecia a boa dose de criaturas e locais imaginados por Timel e ilustrados por Jorge Miguel.

É, pois, por isso, que considero que, em termos narrativos, Timel parece munir a história de muitas pontas soltas. Há imensas boas ideias, aqui e ali, mas parece que são "atiradas" para a história de uma forma algo aleatória.

Sapiens Imperium, de Sam Timel e Jorge Miguel - Arte de Autor e A Seita
Quanto ao trabalho de ilustração, do português Jorge Miguel, devo dizer que o autor continua a dar mostras das suas enormes capacidades enquanto bom desenhador. Apresentando um traço rápido, mas elegante, que até me remete para alguns autores clássicos da literatura franco-belga, a forma como ilustra expressões faciais, a linguagem corporal das personagens, as naves espaciais e até algumas figuras alienígenas, é praticamente sempre muito bem conseguida. Por vezes, passamos por uma ou outra vinheta que parece ter sido desenhada um pouco mais "à pressa" e que talvez tivesse merecido a colocação de mais detalhes por parte do autor, mas, logo a seguir, deparamo-nos com uma ilustração muito apelativa, que nos faz esquecer a anterior ilustração. E sim, no final, Jorge Miguel consegue encher o olho de um admirador de boas ilustrações. 

Sendo clássico no estilo, mas, neste caso, desenhando uma história futurista, diria que o autor arriscou bastante e a coisa até podia ter saído mal. Mas não. O seu trabalho é deveras interessante, merecendo ainda um destaque pela sua versatilidade para histórias de cariz bem diferente. Shanghai Dream não tem nada a ver com Sapiens Imperium e em ambas as obras, Jorge Miguel, nos dá ilustrações muito cativantes e soluções narrativas eficazes para bem nos contar ambas as histórias.

Sapiens Imperium, de Sam Timel e Jorge Miguel - Arte de Autor e A Seita
A edição que a Arte de Autor e A Seita prepararam para esta obra, mantém os padrões de qualidade que poderíamos antever: capa dura, bom papel brilhante e um bom trabalho ao nível da impressão e encadernação. Saliente-se ainda o dossier de 8 páginas, no final da obra, que permite um mergulho mais profundo neste universo, através de uma cronologia e de algumas imagens preparatórias relativamente ao visual da obra.

Sobre o objeto físico, há uma coisa, que importa dar conta, que diz respeito ao excesso de texto que aparece na capa e contracapa. Senão, vejamos: há uma síntese logo na capa(!), há um pequeno resumo na contracapa num texto maior em dimensão e depois ainda há um terceiro resumo da obra. O texto não se repete mas complementa-se, é certo, mas acho que todo este texto, para lá de excessivo, tira muita beleza ao livro em si. Bem sei que na versão original, sucedeu o mesmo, portanto não é algo que deva ser imputado às editoras portuguesas, mas, presumivelmente, aos autores. 

A ilustração escolhida para a capa também não é a melhor, quanto a mim, se tivermos em conta a enorme capacidade de ilustração de Jorge Miguel. Não é que seja uma capa feia. Quantas dezenas de livros com capas mais feias não haverão, mas, lá está, conhecendo a capacidade do autor português, acho que a capa poderia ser melhor e mais cativante.

Em suma, este é um daqueles livros que me deixa com sentimentos mistos. A ideia, o potencial da mesma, as ilustrações fantásticas de Jorge Miguel… tudo isso está a um nível de excelência. Mas depois, há a tal sensação de déjà vu e de ideias recicladas de outras obras, bem como a introdução de muitas coisas, que tendo potencial, poderiam ser mais bem aproveitadas. Seja como for, é um bom livro, ainda assim, especialmente recomendado aos adeptos da ficção científica.


NOTA FINAL (1/10):
8.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020

-/-


Sapiens Imperium, de Sam Timel e Jorge Miguel - Arte de Autor e A Seita

Ficha técnica
Sapiens Imperium
Autores: Sam Timel e Jorge Miguel
Editora: Arte de Autor e A Seita
Páginas: 120, a cores
Encadernação: capa dura
Lançamento: Setembro de 2021

Lançamento: O Homem de Lugar Nenhum #1




A grande quantidade de livros (oito, ao todo!) que a editora A Seita lançou no Amadora BD vai chegando, gradualmente, às livrarias e bancas.

Desta feita, é a vez de O Homem de Lugar Nenhum, o primeiro de dois tomos, da dupla de autores portugueses formada por Tiago Barros e Fábio Veras, chegar às bancas. Esta é uma edição d' A Seita e da Comic Heart.

Abaixo, fiquem com a sinopse da obra e algumas imagens promocionais.

O Homem de Lugar Nenhum #1, de Tiago Barros e Fábio Veras
O protagonista desta história está perdido. Quase consegue perceber onde está, mas não sabe como chegar onde quer ir. Está perdido num estranho mundo surreal, com perigos diversos e ameaçadores. Na sua jornada, por mero acaso ou por conveniência narrativa, encontra uma figura tão ou mais perdida que ele. Por vezes, um sentimento de camaradagem e de pertença fazem a diferença no nosso alento para seguir em frente.

Há histórias que ganham o seu próprio sentido e personagens que têm a sua própria vontade, que parece sobrepor-se àquelas que um narrador lhes quer imprimir.

Fábio Veras (Prémio Revelação Amadora 2019) ilustra magnificamente esta história estranha e algo meta-ficcional escrita pelo argumentista Tiago Barros, que se estreia aqui em álbum, propondo-nos um conto onírico e que questiona o lugar da narrativa nos sonhos das nossas personagens, e dos nossos.
Primeira parte de duas de um romance gráfico com um toque de surreal e mistério, e que é um verdadeiro tour-de-force visual, acompanha o percurso de um conjunto de personagens que parecem não saber qual o seu papel real nesta narrativa, com excepção do misterioso e terrivelmente auto-confiante Andy, que se desloca entre dois mundos, o nosso, e um mundo paralelo para onde vai arrastar o grupo...

-/-
Ficha técnica
O Homem de Lugar Nenhum #1
Autores: Tiago Barros e Fábio Veras
Editoras: A Seita e Comic Heart
Páginas: 136, a cores
Encadernação: Capa dura
PVP: 19,00€

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Lançamento: Comissário Ricciardi: Primeiros Inquéritos



Já chegou às livrarias o livro Comissário Ricciardi: Primeiros Inquéritos. O Comissário Ricciardi é mais uma das personagens da Bonelli que  editora A Seita estreia em Portugal, desta feita numa série que adapta à BD uma série de romances policiais de grande sucesso em Itália, escritos por Maurizio de Giovanni.

Este primeiro volume desta personagem (e nono da nossa colecção Aleph) inclui uma entrevista a Maurizio de Giovanni, e recolhe três histórias separadas que se focam nas primeiras investigações do Comissário Ricciardi e sobre a sua juventude, sendo portanto um volume inicial para apresentar a personagem aos leitores portugueses.

Aí está uma bd da qual já ouvi falar muito mas que ainda não tive a oportunidade de conhecer. Tem tudo para funcionar bem mas só depois de a ler é que emitirei a minha opinião. E isso acontecerá brevemente!
Abaixo, fiquem com a sinopse da obra e algumas imagens promocionais.


Comissário Ricciardi: Primeiros Inquéritos, de Sergio Brancato, Claudio Faco, Daniele Bigliardo e Luigi Siniscalchi

“Precisava entender as razões do infeliz legado da minha mãe… a capacidade indesejada de ver quem morre por morte violenta… de sentir na pele a sua dor.”

O Comissário Ricciardi possui um dom que é, ao mesmo tempo, uma maldição: desde criança que consegue ver os últimos instantes de quem morreu de morte violenta.
Chegado a Nápoles, o assassínio de uma pequena vendedora de flores vai mudar o seu destino para sempre.

Criado pelo escritor Maurizio de Giovanni em 2005, o Comissário Ricciardi é uma das personagens mais conhecidas da literatura policial italiana, tendo protagonizado doze romances, todos ambientados na cidade de Nápoles dos anos 1930, sendo esta cidade, aquela em que o escritor nasceu e sempre viveu, não apenas o cenário, mas uma personagem fulcral das suas histórias. Ao mesmo tempo, a ascensão do fascismo de Mussolini funciona como pano de fundo destes contos de ambiente noir. Constituído por três histórias separadas que focam todas uma parte da origem desta série na juventude do seu protagonista, este volume é a porta de entrada ideal para o mundo do Comissário Ricciardi, e inclui uma bela entrevista e contextualização da série pelo seu autor, Maurizio de Giovanni.
Para além do protagonista, o comissário Luigi Alfredo Ricciardi, encontramos neste mundo da Nápoles dos anos 1930 um notável elenco de personagens. Algumas podemos descobri-las já neste primeiro volume, como o Sargento Raffaele Maione, braço-direito do comissário; o Doutor Bruno Modo, médico-legista, cujas opções políticas e a frontalidade com que as exprime lhe causam inúmeros dissabores; o carreirista António Garzo, chefe de Ricciardi; e ainda algumas das mulheres da vida do Comissário, como a sua ama Rosa Vaglio, e a jovem vizinha Enrica Colombo, por quem Ricciardi nutre uma paixão platónica.

A Seita orgulha-se, assim, de apresentar pela primeira vez em Portugal a adaptação das aventuras do Comissário Ricciardi à banda desenhada, num ambicioso projecto da Sergio Bonelli Editore, que mereceu de Maurizio de Giovanni apenas uma condição: que os desenhadores fossem todos napolitanos.
Um requisito que não foi difícil de cumprir, uma vez que Nápoles é a cidade da famosa Scuola Italiana di Comix e terra natal de nomes conceituados do fumetto italiano como Daniele Bigliardo, Alessandro Nespolino, Luigi Siniscalchi e Lucilla Stellato, a equipa que deu rosto a Ricciardi.

-/-

Ficha técnica
Comissário Ricciardi: Primeiros Inquéritos
Autores: Sergio Brancato, Claudio Faco, Daniele Bigliardo e Luigi Siniscalchi
Editora: A Seita
Páginas: 128, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
PVP: 13,00€




quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Mais um álbum de Agatha Christie a caminho!



E, para além da nova abordagem ao icónico de personagem de Corto Maltese, com Oceano Negro, a editora Arte de Autor, prepara ainda, até ao final do ano, um último lançamento!

Trata-se de mais um livro da coleção dedicada a adaptações dos clássicos de Agatha Christie. Desta feita, será a vez do romance Encontro com a Morte ser editado.

Os autores responsáveis por esta adaptação são Didier Quella-Guyot e Marek.

O livro chegará às lojas na próxima semana mas já se encontra disponível em pré-venda, no site da Arte de Autor.

Abaixo, fiquem com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.

Hercule Poirot - Encontro com a Morte, de Didier Quella-Guyot e Marek

Num hotel luxuoso de Jerusálem, a Sra. Boynton é conhecida por ser uma verdadeira tirana para quem a rodeia.

Quando o corpo da megera é descoberto sem vida nas ruínas históricas de Petra, todos os seus próximos se tornam potencialmente suspeitos.

Conseguirá Hercule Poirot desmascarar o culpado?

-/-




Ficha técnica
Hercule Poirot - Encontro com a Morte
Autores: Didier Quella-Guyot e Marek
Adaptado a partir da obra original de: Agatha Christie
Editora: Arte de Autor
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
PVP: 16,50€

O novo Corto Maltese chega daqui a uma semana!



Pois é! Este livro muito aguardado, e que promete criar alguma polémica, já que é demarcadamente diferente, do ponto de vista gráfico, dos Corto Maltese clássicos está prestes a chegar às livrarias portuguesas.

Será já na próxima semana que Corto Maltese - Oceano Negro, da autoria de Martin Quenehen e de Bastien Vivès, deverá chegar às livrarias, pelas mãos da editora Arte de Autor.

Confesso que estou muito curioso em ver esta nova abordagem. Destaque para o facto da edição portuguesa ser composta por um caderno de extras com 14 páginas.

Por agora, a editora informa que o livro já está disponível em pré-venda no seu site.
Corto Maltese - Oceano Negro, de Martin Quenehen e de Bastien Vivès

A aventura tem um rosto: Corto Maltese!

Nas águas do Mar da China, o perfil de um conhecido pirata assoma à sombra de uma cabine ... Corto Maltese está de volta, embarcado num iate de luxo.

Das movimentadas ruas de Tóquio aos picos da Cordilheira dos Andes, o cavalheiro da fortuna persegue um tesouro mítico, disputado por uma sociedade secreta nacionalista e narcotraficantes inescrupulosos...

Mas, mais do que nunca, são os sentimentos que levarão o famoso marinheiro a mostrar a sua faceta romântica.
-/-

Ficha técnica
Corto Maltese - Oceano Negro
Autores: Martin Quenehen e Bastien Vivès
Editora: Arte de Autor
Páginas: 180, a preto e branco (+ caderno final de 14 páginas a cores)
Encadernação: Capa dura
PVP: 24,00€

Lançamento: Dylan Dog - O Número 200



Já se encontra disponível o novo livro de Dylan Dog!

Intitulado O Número 200, este volume, da autoria de Paola Barbato e Bruno Brindisi, publicado por cá pel'A Seita, já se encontra disponível em banca. 

A história é apresentada como sendo uma sequela de Até que a Morte vos Separe, também publicado em Portugal pela mesma editora.

Quanto às livrarias generalistas, só a partir dos finais do mês de Janeiro é que deverão ter o livro disponível para compra.

Abaixo, deixo algumas imagens promocionais e sinopse da obra.
Dylan Dog - O Número 200, de Paola Barbato e Bruno Brindisi

Criado por Tiziano Sclavi, DYLAN DOG é o célebre investigador do paranormal, o Detective do Pesadelo, uma das mais conhecidas personagens de BD de sempre, cujas aventuras ao mesmo tempo aterradoras, inquietantes e melancólicas, têm encantado leitores - e leitoras - em todo o mundo.

No início da sua carreira como detective do pesadelo, Dylan Dog recorria aos dotes “habilidosos” de Groucho... mas tudo muda quando enfrentam o seu primeiro monstro real. E como deixou ele a polícia, mudando-se para a lendária casa de Craven Road? São muitas as revelações inéditas sobre o passado do Detective do Pesadelo que vão descobrir neste volume, em que o leitor fica a saber tudo aquilo que queria mas nunca tinha ousado perguntar.
O título deste volume, O Número Duzentos, remete para o número da edição original italiana em que foi publicada, mas também ao número do prédio onde o Comissário Bloch vive, e que vai ser cenário dos momentos mais decisivos da história. Nesta história, o leitor vai assistir a um conjunto de revelações inéditas: ficaremos a saber como Groucho se tornou assistente do herói, como Dylan se estabeleceu em Craven Road e se tornou um detective do oculto, descobrimos também que caiu no alcoolismo após a morte de Lillie, e que Groucho e Bloch foram decisivos para que Dylan conseguisse libertar-se do vício. Uma história emotiva e absolutamente definidora da trajectória de uma das mais interessantes personagens dos fumetti, e que, embora possa perfeitamente ser lida de forma autónoma, faz também a ponte com outros episódios marcantes da saga do detective do pesadelo, como Até que a Morte vos Separe (de que é de certa maneira uma sequela) e O Imenso Adeus.
Primeira mulher a escrever uma história de Dylan Dog e uma das mais populares e prolíficas argumentistas da série, Paola Barbato nasceu 1971, e desde que se recorda que sempre escreveu. Em 1996, convenceram-na a apresentar os seus trabalhos em várias editoras, incluindo na Sérgio Bonelli Editore, na redacção de Dylan Dog, série de quem era fã. Contactada pelo editor Mauro Marcheselli, veio a escrever um álbum de Groucho, Il cavaliere di sventura, publicado no Speciale La preda umana. A sua entrada na série mensal ocorreu em 1999 com Il Sonno della ragione (#157), e daí para cá, tornou-se numa das principais autoras da série e numa autora fundamental no desenvolvimento do universo dylaniano. Os seus trabalhos para a Bonelli não se esgotam em Dylan Dog, desenvolvendo argumentos para um extenso conjunto de publicações. Foi galardoada com o Prémio Scerbanenco (que premeia romances policiais) pelo seu romance Mani Nude, e por duas vezes com o Gran Guinigi, primeiro na qualidade de melhor argumentista de 2013, e em 2017, com Corrado Roi, com Ut, para melhor série.

Oriundo de uma família de artistas, Bruno Brindisi nasceu em 1964. Autodidacta, com apenas dezanove anos fundou a Scuola Salernitana com Roberto De Angelis e Luigi Siniscalchi, com quem publicou a revista amadora Trumoon. A sua carreira profissional começa em 1986, desenhando histórias eróticas para a Blue Press e a Ediperiodici. Em 1990, com apenas vinte cinco anos, entra na Bonelli, desenhando alguns episódios de Nick Raider, até entrar na equipa de Dylan Dog, série onde se vai estrear com a aventura Il Male, escrita por Tiziano Sclavi. Desenhou inúmeras outras personagens para a editora, e desnvolveu projectos para o mercado franco-belga. Em 2015, foi galardoado com o prémio Romics d’Oro, apenas um de inúmeros prémios e reconhecimentos que recebeu pelo seu trabalho.

-/-
Ficha técnica
Dylan Dog - O Número 200
Autores: Paola Barbato e Bruno Brindisi
Editora: A Seita
Páginas: 104, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
PVP: 13,00€

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Entrevista a Ayroles e Guarnido "Há um projeto novo (...) que é muito diferente do Burlão nas Índias. É um projeto maravilhoso. Simplesmente MA-RA-VI-LHO-SO!"


Conforme prometido, aqui está a segunda e última parte da conversa que tive com Juanjo Guarnido e Alain Ayroles, autores de O Burlão nas Índias, à margem da entrega de prémios do Amadora BD, em que a sua obra acabou premiada como o melhor livro estrangeiro.

Se na primeira entrevista a Juanjo Garnido a conversa se centrou em Blacksad, neste caso centrou-se em O Burlão nas Índias.

Agradeço, uma vez mais, a Ricardo Magalhães Pereira e a Maria José Magalhães pela oportunidade e deixo-vos com a conversa, mais abaixo.


Entrevista

1. Parabéns por este livro fantástico que eu adorei. Assim que soube da obra e li o nome de Guarnido pensei logo: “Isto é do Guarnido! Vou adorar!”. Mas, se a arte não foi uma surpresa, por eu já saber, de antemão, que iria gostar, a verdade é que também gostei muito do argumento. Porque acho que fazes uma coisa muito boa que é o seguinte: a personagem principal do Burlão também engana o leitor. Também me mente a mim, que estou a ler o livro. Foi difícil conseguires fazer isso?

Alain Ayroles: Essa era a ideia. É um personagem mentiroso. Que mente aos outros protagonistas da história. Mas também ao leitor. E, quiçá, até enganou-nos a nós, autores. Porque este personagem embora seja bastante mau (é ladrão e vigarista), à medida que íamos escrevendo a história, começámos a gostar cada vez mais dele.


2. Foi difícil para ti, enquanto escritor da história, pensar naquilo que o leitor estaria a pensar?

Alain Ayroles: O mais difícil quando escreves uma história com um twist no fim é surpreender o leitor. E quando tu conheces o mistério é muito difícil continuar a história sem desvendar a surpresa, pondo-te na cabeça do leitor. E dá muito trabalho e passa-se muito tempo a procurar as pequenas coisas e pequenos erros que possam atraiçoar a perceção do leitor.


3. Uma coisa que eu gostei muito foi que, por vezes, há vinhetas/desenhos que são quase iguais mas há pequenas mudanças entre si. E eu achei isso algo com audácia, com coragem… pois tiveste que desenhar quase a mesma coisa, mas com pequenos detalhes alterados. Deu-te prazer enquanto desenhador, fazer isto?

Juanjo Guarnido: Foi divertidíssimo! Muito difícil! Quando o livro já estava terminado, no dia anterior a ir para impressão, estávamos a terminar a maqueta para impressão, o título, o rótulo, etc. O Alain estava em Bordeaux e eu estava em Paris. Ele liga-me e diz: “Descobri um erro.” E eu: “Como?” E ele: “Há um erro. Nesta cena aqui, na realidade quando a personagem conta isto, não se passa nesse momento. Mas numa outra altura. Portanto há aí um erro.” E eu digo: “Não faz mal. Isso não tem importância! Alain, amanhã o livro vai ser impresso. Está tudo definido. Pronto para ser impresso”. E ele: “Não, temos que mudar isto!” E eu: “Ai meu Deus!”. Precisávamos, então, de mudar um balão fazendo-o desaparecer de um céu. Estava a trabalhar com um colega e pergunto-lhe “Podemos fazer isto?” E ele responde: “Vamos tentar fazê-lo com Photoshop”. Então, através duma ferramenta do programa, PING!, fizemos desaparecer o balão e o céu estava perfeito! Incrível! Isto foi no último dia!

Alain Ayroles: (risos) Sim era uma pequena mudança mas que poderia atraiçoar toda a encenação da personagem de Pablo.


4. Em termos de argumento, Alain, já tinhas quase tudo pensado ou o Juanjo contribuiu com algumas alterações? Falavam os dois sobre a história?

Alain Ayroles: Sim, o Juanjo contribuiu desde o princípio. A ideia da história foi pensada por nós os dois. E depois, durante o processo de escrita do texto, fomos alterando muitas coisas.

Juanjo Guarnido: Sim, falámos constantemente. Sempre com muita comunicação. Nessa época, eu viajava muito até Bordeaux e tínhamos um atelier em comum. E foi muito intenso porque fazer o storyboard completo de todo o álbum demorou um ano inteiro. Um ano inteiro só para o storyboard! Mas conseguimos fazê-lo os dois. Nem eu sozinho, nem o Alain sozinho. Os dois. Totalmente trabalho de equipa. Eu sabia que precisava de fazer a primeira versão, a primeira ideia. Quando trabalho com o Juan Díaz Canales, ele deixa-me fazer o storyboard à vontade. Com o Alain foi diferente. Para nós, desenhadores, há sempre uma ideia na cabeça. Se eu tiver uma ideia e ele tiver outra como é que a vamos trabalhar então? Assim, eu fiz o primeiro esboço do storyboard e depois, com o Alain, trabalhámo-lo juntos. Mas o Alain não dizia: “Ah sim, está tudo muito bem.” Não, não. Em cada página havia que mudar algumas coisas. “Isto não pode ficar aqui” e lá discutíamos sobre cada uma dessas alterações. Ele era muito crítico e muito útil. E tudo melhorava. Cada ideia que ele tinha fazia o trabalho melhorar.

Alain Ayroles: Por exemplo, mudava a posição de um balão para poder melhorar a posição e tempo de leitura.


5. Relativamente à ideia de fazer a capa d’ O Burlão desta forma, já tinhas a ideia na cabeça desde o princípio?
Alain Ayroles: Ele já tinha a ideia e eu pensava que era boa. Mas quando recebemos o livro acabado e finalizado e o li todo, quando cheguei à última página, fechei o livro e senti que aquela capa fazia todo o sentido. Como se fechasse um ciclo. E preciso dizer que o original é uma obra de óleo sobre tela enorme, como uma verdadeira obra de um mestre.


6. Depois da segunda parte de Blacksad 6 estar finalizada, já tens algum projeto na cabeça? Se calhar até com o Sr. Ayroles? (risos) Just sayin…

Juanjo Guarnido: Há um projeto novo com o Sr. Ayroles, efetivamente! (risos) que é muito diferente do Burlão nas Índias. É um projeto maravilhoso. Simplesmente MA-RA-VI-LHO-SO!

Alain Ayroles: Mais louco!

Juanjo Guarnido: Sim, mais ambicioso.


7. O Burlão nas Índias já é muito ambicioso…

Juanjo Guarnido: Sim! Por isso me dá medo! Tenho medo! (risos)

Alain Ayroles: Tenho medo também! (risos)


8. Podem falar mais sobre este novo projeto? O tema, não?

Alain Ayroles: É muito cedo para falarmos disto por agora. Mas é muito ambicioso.

Juanjo Guarnido: Apenas quero dizer que se passa noutra época, mas é uma história muito diferente da de O Burlão nas Índias. Não tem nada a ver. Quando estávamos a fazer a tourné do Burlão por França, em que durante um mês inteiro andávamos de cá para lá, e de lá para cá, as pessoas perguntavam: “Vão fazer outro álbum? Há outro projeto?” E, no princípio, dizíamos: “Sim, talvez encontremos algo para fazer... porque não?”. E uma vez, numa viagem de comboio de duas ou três horas, eu disse ao Alain: “Então? Que fazemos? Duas horas de comboio... queres dormir, é?” Então ele começou-me a contar várias ideias e de repente diz-me: “Também tinha esta ideia que queria fazer com o fulano tal mas ele não quis porque não sei quê…” e depois começa a contar-me a ideia. E eu escutei-o, calado. Calado como uma puta. Falou durante uma hora, uma hora e meia, termina e diz: “que tal?” E eu digo: “onde é que eu assino? É maravilhoso!”. “Gostas, mesmo?” E eu respondi-lhe: “Parece-me incrível mas se o vamos fazer, vamos fazer de uma forma muito especial. Que vai tornar o proejto ainda mais ambicioso. (risos)

Alain Ayroles: É mais difícil de fazer do que dizer.

-/-

Mal posso esperar! Muito obrigado!

Análise: O Fogo Sagrado

O Fogo Sagrado, de Derradé - Escorpião Azul

O Fogo Sagrado, de Derradé - Escorpião Azul
O Fogo Sagrado, de Derradé

Derradé é um nome incontornável na banda desenhada portuguesa. Especialmente, para aqueles que gostam de banda desenhada humorística em Portugal. E, meio sem querer, meio de propósito, só com a afirmação que acabo de fazer acima, já estou a tocar num assunto sensível para o autor: aquele de que a banda desenhada de humor é frequentemente posta de lado por tudo e por todos. Pela crítica, pelos leitores, pelos prémios, pela indústria. Eu e Derradé já falámos até sobre isso, na entrevista que o autor concedeu ao Vinheta 2020. De facto, tenho que concordar com Derradé pois o humor em banda desenhada e, particularmente em Portugal, aparece muitas vezes associado a uma expressão menor, menos marcante. É uma pena que assim seja. Fazer humor não será, certamente, algo fácil de executar.

E essa irrelevância dada ao humor é um dos temas que a obra mais recente de Derradé, O Fogo Sagrado - que, curiosamente, partilha o título com o primeiro volume d’ O Mercenário, que também foi reeditado por cá durante 2021 – traz para cima da mesa. Mas não se fica por aí.

Num registo muito mais autobiográfico e sério – embora carregado dos expetáveis tiques de humor – Derradé abre o coração neste livro. Sem medos, sem vergonhas e com a coragem de colocar o dedo na ferida, tece aqui uma verdadeira carta de amor à banda desenhada enquanto autor e leitor. E, possivelmente mais importante que isso ainda, o autor passa a mensagem de que a paixão por algo que nos move e comove deve ser alimentada. Neste caso, é a banda desenhada. Mas é fácil construir uma ponte para qualquer outra que seja a paixão duma pessoa. O facto de não se conseguir (pelos motivos a), b) ou c) viver (financeiramente) de uma paixão… é sempre algo inglório e difícil de digerir para o criador. Mas deveremos, ainda assim, alimentar uma paixão que não gera dinheiro? Eu acredito que sim. No meu caso, por exemplo, é a música. Até costumo dizer que quando o músico não perde dinheiro, através da sua criação, isso já é uma vitória. Mesmo que não retire, depois, quaisquer ganhos da música. O mesmo poderá ser dito dos criadores de banda desenhada, estou certo. E de outras artes e expressões. Esse gosto, esse drive, para a criação é o tal "fogo sagrado" que Derradé enaltece neste livro.

O Fogo Sagrado, de Derradé - Escorpião Azul
Sempre com humor embora, em muitos casos, seja até uma sensação agri-doce aquilo que o autor nos oferece. Porque se, no seu vasto percurso na banda desenhada, o autor consegue ter a coragem de, humoristicamente falando, dizer que falhou nos seus intentos, isso faz-nos rir, por um lado, mas, ao mesmo tempo, também nos faz lamentar que o sucesso e a glória não tenham atingido o autor nem outros tantos autores de banda desenhada da nossa praça.

Embora haja uma linha cronológica que nos vai contando o percurso do autor, a obra aparece dividida por pequenos capítulos, que recebem título próprio e tudo. Alguns desses “capítulos” – chamamos-lhe assim – são mais informativos do que outros. Noutros casos, são pequenos gags humorísticos.

Tenho que dar destaque a The Day The Whole World Went Away. A meu ver, este pequeno capítulo de apenas duas páginas – e que até pode ser lido de forma isolada, sem que se perca nada – é verdadeiramente genial. Faz rir sendo, ao mesmo tempo, trágico e triste. A ideia de usar o barulho das gaivotas para um riso, que parece divino, acerca do fracasso do autor, é verdadeiramente sublime e faz o autor ascender, quanto a mim, à genialidade num só gag. E isto tudo ainda antes de chegar ao punchline desse mesmo capítulo, que também tem piada. Magistral. Já comprava o livro só por causa destas duas páginas.

Mas há muito mais do que isso! É que, ao contrário de ser um livro direcionado ao grande público – embora, naturalmente, este o possa (e deva) ler – o discurso, as piadas, as informações aqui contidas parecem auto-direcionar-se muito mais para a indústria, para os geeks do meio, para aqueles que já acompanham o universo da banda desenhada há muitos anos. É por isso que é natural que o aparecimento de personagens reais, como os editores da própria Escorpião Azul ou da Polvo, ou de Geral, com quem Derradé publicou vários livros, constitua um conjunto de referências e inside jokes muito divertidas, mas que, por ventura, não serão apanhadas pela generalidade do público.

O Fogo Sagrado, de Derradé - Escorpião Azul
Houve outra coisa que também me surpreendeu bastante neste O Fogo Sagrado que foi a própria noção de si mesmo que Derradé apresenta. Os ingleses chamam-lhe self-awareness. Achei fantástico como o autor, antevendo o que vai na cabeça do seu leitor – o tal leitor que está por dentro do universo da bd em Portugal – recolhe e dá as cartas. Faz as perguntas e dá as respostas. É por isso que, logo ao início, nos explica o porquê de este ser um livro editado pela Escorpião Azul e não pela Polvo. Ou que explica porque é que o desenho da sua própria personagem é mais magro do que o aspeto do autor na realidade. Tudo com muito humor e sem receios. “Antes que gozes ou critiques isto, eu fá-lo-ei primeiro que tu!”. Gosto disso.

Acaba por ser, então, uma carta de amor à banda desenhada, quer na ótica de quem é leitor, quer na ótica de quem é autor. E, portanto, é fácil revermo-nos nas experiências de Derradé à medida que vamos avançando na leitura do livro.

E desenganem-se aqueles que acham que como é um livro leve de humor, que se lê bem, não há lugar a críticas. De facto, até acho que a crítica à ausência de cultura e da aposta na mesma, é uma âncora sempre presente nos intuitos do autor com esta obra. Por vezes, talvez até o seja de uma forma algo exagerada, resvalando quase numa sensação de auto-comiseração. Mas, lá está, como o autor é inteligente e sabe aplicar uma boa dose de humor às próprias críticas que faz ou aos fracassos pessoais que partilha, acho que podemos dizer que se aceita este sentimento de auto-comiseração que, a passos, se encontra na leitura da obra.

O Fogo Sagrado, de Derradé - Escorpião Azul
Gostei também da forma como O Fogo Sagrado é uma narrativa dentro de uma outra narrativa. Desta forma, foi possível ao autor dar-nos dois estilos de ilustração diferentes, que aparecem bem conjugados por essa mesma opção narrativa, estilo o filme Inception, de ser uma banda desenhada dentro de uma banda desenhada. E que tem, até, um final muito bem conseguido.

Falando nesta dualidade, devo dizer que apreciei especialmente os desenhos de uma dessas narrativas. Aquela onde o livro começa e acaba. São desenhos que apresentam mais detalhe e onde o traço rabiscado do autor consegue efeitos bastante interessantes que até me remeteram (com a devida distância) para o trabalho de Joe Sacco. Quanto às outras páginas que compõem o livro, as mesmas apresentam ilustrações mais simplistas, a remeterem muito para a tira humorística, num desenho bastante linear, com cenários a branco, mas onde as expressões das personagens comunicam de forma inequívoca os sentimentos das mesmas. É simples, mas funciona bem. Repito, mesmo assim, que gostaria de ler um livro inteiro com aquelas ilustrações mais detalhadas que o autor nos dá no início e no fim de O Fogo Sagrado.

Olhando para a edição da Escorpião Azul, temos um livro bem ao género dos outros lançamentos da editora: capa mole com bandanas e papel branco de qualidade aceitável (100 gramas). Há também um prefácio do próprio autor, que enaltece o humor enquanto género que tem que se preservar, sedimentando pretensões e críticas adjacentes à obra.

Sei que, lamentavelmente, ainda me falta ler o aclamado A Loja de Derradé mas, daquilo que pude ler até agora do autor, este é o seu melhor livro. Fez-me rir, ficar triste e nostálgico, relembrar momentos importantes da história da banda desenhada, conhecer algumas coisas que não sabia sobre o autor e ainda refletir sobre as nossas paixões - o tal fogo sagrado! – e de como é importante conseguirmos guardar espaço nas nossas vidas para que as mesmas continuem a existir, aconteça o que acontecer. Seja banda desenhada, música, cinema, pintura, jardinagem, culinária, desporto, aeromodelismo… (you name it!). Interessa é que as fontes e destinos das nossas paixões continuem a ser alimentadas. E que mensagem mais bonita de passar do que essa? O Fogo Sagrado é um marco na carreira do autor e assume-se como um dos lançamentos mais relevantes na banda desenhada nacional deste ano. A não perder!


NOTA FINAL (1/10):
8.4


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


-/-

O Fogo Sagrado, de Derradé - Escorpião Azul

Ficha técnica
O Fogo Sagrado
Autor: Derradé
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 72, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Outubro de 2021

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Análise: Amor de Perdição

Amor de Perdição, de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge - Levoir e RTP

Amor de Perdição, de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge - Levoir e RTP
Amor de Perdição, de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge

No mês passado a Levoir e a RTP encerraram a sua coleção de Clássicos da Literatura em BD, com o lançamento do 14º e último volume da série. O último volume traz consigo uma adaptação de um autor clássico da literatura portuguesa, Camilo Castelo Branco, e que, além disso, ainda junta dois autores portugueses da banda desenhada: João Miguel Lameiras, que adapta para bd o argumento original, e Miguel Jorge, que ilustra este livro.

Já antes desta obra, havia saído nesta coleção a adaptação de outro autor clássico português – Eça de Queiroz – através da adaptação de Os Maias por outro autor português, José Hartvig de Freitas, que contou com a colaboração do autor espanhol Canizales.

Amor de Perdição, de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge - Levoir e RTP
Assim, e de uma assentada, acho que se pode dizer que este Amor de Perdição fecha de forma condigna esta coleção que, como já muito aqui escrevi - e mesmo tendo em conta que é direcionada para um público algo diferente em relação àquele a que a maioria dos livros aqui analisados se destinam -  apresentou uma qualidade entre o mediano e o fraco. Não obstante, há (alguns) bons livros nesta coleção. E, mesmo apresentando algumas fraquezas, Amor de Perdição é um dos melhores livros da coleção.

Confesso que já não lia esta obra desde os meus tempos de escola secundária, em que fazia parte da disciplina de português ler a obra. E lembro-me que, na altura, e ao contrário de muitos amigos, até gostei bastante da obra. Talvez por eu ser um grande romântico. Aliás, até diria que esta talvez seja a obra de literatura portuguesa que nos oferece um amor mais eloquente, trágico e dramático.

A história é baseada num episódio real da vida de um tio do próprio Camilo Castelo Branco. O seu nome é Simão Botelho e é protagonista de uma autêntica história de amor, ao jeito de Romeu e Julieta, de Shakespeare, que envolve duas famílias rivais e um amor proibido por ambas as famílias.

Amor de Perdição, de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge - Levoir e RTP
Simão e Teresa são, pois, filhos de duas famílias inimigas de Viseu, os Botelhos e os Albuquerques. Apesar disso, apaixonam-se loucamente. Mas nenhuma das famílias aceitará que tal relação se possa consumar e, a conselho de Baltasar Coutinho, um primo – que também é prometido da jovem e que desespera pelos ciúmes que tem em relação a Simão - o pai de Teresa, Tadeu de Albuquerque, decide encerrar a filha no convento de Monchique, no Porto. Como resultado disso, Simão acaba por assassinar o primo de Teresa, sendo depois encarcerado na cadeia da Relação do Porto, enquanto Teresa sofre a sua ausência, estando igualmente presa no convento. Hoje em dia isto pode parecer uma boa telenovela mexicana, mas a verdade é que, goste-se ou não, a história destas duas personagens é um grande hino à literatura romântica.

E João Miguel Lameiras, que teve a função de sintetizar esta obra numa banda desenhada de 48 páginas, faz um bom trabalho, conseguindo separar o "trigo do joio" e conseguindo dar ao leitor um resumo dos momentos mais relevantes da obra original. Mesmo admitindo que já não me lembro com exactidão da obra que li há uns bons 20 anos, tenho que dizer que a leitura desta adaptação reacendeu as memórias mais presentes que eu tinha do texto original. O que é uma boa coisa porque, naturalmente, são sempre os momentos mais marcantes de uma obra que nos ficam marcados na memória. E Lameiras parece saber disso.

Amor de Perdição, de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge - Levoir e RTP
Este tipo de livros costuma ter uma certa propensão para a introdução de texto a mais, mas também não me parece que o autor tenha tropeçado nesse problema, já que a quantidade de texto, legendas e balões, está na quantidade desejável e aceitável para uma bd de adaptação de obra literária. A única coisa que, por vezes, me causou algum problema foi a introdução de certos diálogos que, acredito, sejam transcrições da obra original, mas que me pareceram um pouco forçados e menos verossímeis. E isso sente-se mais porque outros diálogos há que me pareceram menos datados. Ou seja, senti uma certa incongruência neste ponto. Ou bem que os diálogos apresentavam todos um discurso português mais clássico, ou bem que apresentavam todos um discurso mais contemporâneo. Nada de muito grave, ainda assim.

Em termos de arte visual, Miguel Jorge faz um trabalho bastante interessante e que apresenta algumas soluções narrativas mais arrojadas, que me agradaram. Pese embora me pareça que haja um bom conjunto de ilustrações que mereciam mais cuidado e detalhe. Ou, dito de outra forma, sente-se, em vários momentos, que estes desenhos foram feitos com um calendário apertado e que isso não permitiu ao autor, o tratamento e o aprumo especial que, estou certo, proporcionariam que o álbum pudesse ascender a outro patamar de qualidade. 

Amor de Perdição, de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge - Levoir e RTP
Por exemplo, em termos de cenários, se houvesse mais detalhe, em vez daquelas tramas, em forma de sombra, que procuram preencher o espaço, teríamos um álbum ainda melhor. Também senti alguma rigidez nos movimentos das personagens e as cores poderiam ter recebido um cuidado maior para terem mais camadas de profundidade. Seja como for, e apesar de tudo o que acabo de referir, também não deixa de ser verdade que Miguel Jorge revela boa capacidade para contar uma história em banda desenhada, através de bons recursos gráfico-narrativos e com um bom punhado de algumas ilustrações muito bonitas, nomeadamente na caracterização de algumas personagens, e numa boa escolha de planos diversos, para tornar a leitura bastante fluída.

Falando em fluidez, devo dizer que gostei bastante de certas soluções narrativas com que o autor nos brinda, tais como a árvore genealógica e alguns desenhos que ocupam uma ou duas páginas inteiras. Nas páginas 26 e 27, os autores tentaram algo bastante ambicioso na conversa entre Teresa e as freiras do convento. Aprecio o esforço e a audácia, mas acredito que aqui a fluidez da leitura não foi tão bem conseguida.

Amor de Perdição, de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge - Levoir e RTP
Há, depois, algumas referências interessantes que dotam este livro de alguma contemporaneidade e que, quanto a mim, fazem aumentar o seu valor intrínseco. Uma delas é a presença de Corto Maltese (sim, leram bem!) já nas páginas finais do livro, que assume um papel secundário. E, na página 45, que coloco aqui ao lado, na primeira vinheta da prancha, faz-se uma alusão direta ao álbum de culto Closer, de 1980, da banda Joy Division. Confesso que não cheguei sozinho a esta última referência. Foi o próprio João Miguel Lameiras que já me havia mostrado essa ilustração há uns meses. Seja como for, eu sou daqueles que adora este tipo de easter eggs. Quão mais profundos e interessantes ficam os significados de qualquer que seja a obra artística, quando a mesma está repleta de segredos, alusões e referências. Bem jogado, João Miguel e Miguel Jorge!

Quanto à edição, mantêm-se os mesmos parâmetros de qualidade registados nos outros livros da coleção. A cada é dura, o papel é brilhante e de boa qualidade. A encadernação e a impressão também é bastante aceitável. O livro é depois complementado com um dossier de 6 páginas com extras, que cobrem desde a vida do autor, a própria obra e o contexto histórico em que a mesma foi lançada. Muito bem construídos estes extras. Nem demasiado grandes, nem demasiado pequenos. A medida exata. E tudo isto por um preço muito competitivo de 9,90€!

Em conclusão, pode-se dizer que, mesmo não sendo uma banda desenhada fabulosa, é um trabalho bastante competente, que tem o acréscimo de ser levado a cabo por uma dupla de autores portugueses e que acaba por estar entre os melhores livros desta coleção dos clássicos da literatura em bd, da Levoir.


NOTA FINAL (1/10):
7.9


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


-/-

Amor de Perdição, de João Miguel Lameiras e Miguel Jorge - Levoir e RTP

Ficha técnica
Amor de Perdição
Autores: João Miguel Lameiras e Miguel Jorge
Adaptado a partir da obra original de: Camilo Castelo Branco
Editora: Levoir
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2021