Bird é uma banda desenhada em três tomos – A Tatuagem, A Máscara e A Cara -, escrita e ilustrada, respetivamente, pelos argentinos Carlos Trillo e Juan Bobillo, e que em Portugal foi integralmente editada pela extinta editora Vitamina BD.
Ao contrário de outras séries desta editora que, infelizmente, foram descontinuadas com o fecho da mesma, deixando os leitores portugueses sem um final para as séries que estavam a ler, esta série Bird foi publicada integralmente. O que é uma boa notícia. E outra boa notícia é que esta é uma série que se encontra facilmente nos mercados de bd em Portugal, com um preço fantástico de 3€ por volume. E 9€ pela série toda, parece uma proposta muito recomendável.
Bird é um thriller carregado de traições, personagens malévolas, incesto, violações, prisão, assassinatos, erotismo, drogas, amor, revolta, farmacêuticas sem escrúpulos, nudez, vício, moda, BDSM e vingança. E ainda que tudo isto seja verdade, é uma banda desenhada que apresenta uma dicotomia interessante: é que, se por um lado, a história é negra e pesada, por outro lado, a arte que nos é dada por Bobillo, é limpa, com cores suaves e uma luz bem harmoniosa que parece atenuar o carácter maduro da série. E esta mistura, presumivelmente inesperada para muitos, até funciona muito bem, diga-se!
A série conta-nos a história de Jobeth, a única herdeira de uma grande fortuna que acaba encarcerada num hospital psiquiátrico, onde foi internada contra sua vontade, pelo seu irmão, de forma a que este pudesse reclamar a fortuna de Jobeth para si mesmo. Entretanto, a protagonista consegue fugir da instituição psiquiátrica, onde sofria violência física e sexual, enquanto que era fortemente medicada e, sabendo-se procurada pelo irmão, passa a assumir uma nova identidade. Agora, em Nova Iorque, Jobeth começa a utilizar o nome de Bird, muda o aspeto visual, rapa o cabelo, tatua o corpo todo e acaba por se tornar numa super-modelo, carregada de sucesso. Ninguém sabe do real passado de Bird e ninguém a consegue associar a Jobeth.
O primeiro livro é o melhor dos três e abre muito bem a história, apresentando-nos a narrativa de trás para a frente, para percebermos quais foram os eventos que levaram à primeira página, do primeiro livro. Bem conseguido, bem ritmado e com uma história que, mesmo podendo ser algo rebuscada por vezes, consegue ter uma boa unidade e ser original e cativante. O leitor vê-se imbuindo na história e procura a todo o custo saber o que se terá passado.
No segundo volume, há uma personagem importante que morre inesperadamente e aparecem mais duas ou três novas personagens que permitem aos autores mergulhar bem na trama. É também neste volume que começa a vingança da protagonista face àqueles que a atormentaram no passado. Essa sede de vingança de Jobeth continua no terceiro e último volume. A protagonista é perspicaz e tem um plano concreto para encetar a sua vingança, mas aqueles que ela persegue também a perseguem a ela, o que causa um "jogo do rato e do gato" interessante. A história mantém-se apelativa nos tomos 2 e 3, mas não tanto como no primeiro volume. Cai um pouco de qualidade – ou de imprevisibilidade narrativa - embora a vontade do leitor em conhecer a história até ao fim se mantenha inalterada. O final da série pareceu-me um pouco apressado também, de forma a caber nas 46 páginas do volume. Julgo que o último volume deveria ter tido mais páginas para que o final pudesse ser mais bem explorado pelos autores.
Há depois uma componente metafísica com o surgimento de um “espírito iluminado” que vai aparecendo a Bird. Se uma história tão mundana, do mundo real, aparentemente não precisava da introdução deste espírito do fogo, a verdade é que Trillo soube introduzir esta vertente mais intangível da história, de uma forma suave, levando o leitor a concluir que este tal espírito até pode muito bem ser a consciência da protagonista que, relembro, está viciada em medicamentos e, portanto, pode ter algumas visões, a tentarem comunicar-lhe o que fazer.
A nudez é uma constante neste livro. Existem algumas cenas de sexo, mas não diria que sejam cenas muito gráficas. Dão apenas uma conotação erótica à história. Não me dei ao trabalho de contar mas é provável que Jobeth, ou Bird, apareça nestes livros tantas vezes vestida como aparece em nua. Nada disso é de criticar pois Bobillo desenha de forma muito graciosa o corpo feminino. Não se trata de um estilo de ilustração muito provocador, pois os corpos femininos que aparecem são todos eles muito magros e com formas muito retilíneas – excetuando, claro, a personagem de Renata Lennox, que tem formas grandes e voluptuosas, que fazem lembrar as mulheres desenhadas pelo autor português Luís Louro. Contudo, e tendo em conta que a história orbita à volta do universo da moda - onde as mulheres são descaradamente magras e com poucas formas - parece-me que foi uma decisão lógica e com sentido, por parte dos autores.
A arte de Bobillo é talvez o que mais salta à vista nesta série. É de extrema qualidade, sendo pintada à mão, e tem uma vertente bastante artística, com as aguarelas a darem uma componente clássica e extremamente madura à obra. É verdade que há algumas vinhetas onde o trabalho parece ter sido feito com menos detalhe do que noutras, que são muito impressionantes pelo pormenor dos desenhos e pela destreza técnica do autor na aplicação da cor. No último volume há uma certa mudança na arte do autor que começa a apresentar um traço mais esbatido e muitas vezes invisível, onde as aguarelas ainda assumem maior destaque do que o traço desenhado. Embora visualmente (também) seja interessante, preferi a opção dos dois primeiros volumes e considero que a mudança, não brusca mas facilmente visível no terceiro volume, tira alguma da fluidez e unidade ilustrativa à obra. Mas, seja como for, no geral, a arte do Bobillo é de alto nível e talvez o ponto mais alto nesta obra, não desfazendo o argumento que também é interessante.
Há uma coisa negativa que, ainda assim, tenho que referir quando olho para a edição destes livros. O papel tem qualidade, a edição é em capa dura e a impressão é de qualidade. Isso está tudo bem. No entanto, olhando para o design do produto, para a forma como o “objeto livro” foi preparado, tenho que dizer que isto é um claro exemplo de "como não fazer um livro". Também é certo que, quando o primeiro álbum desta série foi lançado, estávamos em 2001 e isso talvez justifique que, nesses tempos, o design da capa de um livro de bd não fosse tão relevante para autores, editores e público. Mesmo assim, sempre existiram capas bem feitas no passado e portanto, chega-me a surpreender como as capas destes livros possam ser tão más. Desde a fonte escolhida para o nome dos autores, da série e dos volumes e a forma como esses elementos estão colocados na capa, tudo está feito com uma noção de estética miserável. O primeiro tomo é "mauzinho", o segundo tomo apresenta uma capa que considero interessante – talvez pela boa ilustração de capa do autor – e o terceiro tomo dá-nos uma das piores capas de um livro de banda desenhada que já vi. A ilustração está rabiscada, pouco percetível, as cores estão mal escolhidas. Parece-me francamente má e acho incompreensível que um ilustrador que tem tantos desenhos bonitos dentro destes livros, tenha optado por criar uma ilustração para a capa do terceiro tomo tão desinspirada. Quando numa loja segurava estes livros nas mãos, lembro-me de achar: “caramba, que capas tão más.” Felizmente, folheei o livro e aí pude ver a arte do autor, que me pareceu interessante, ao contrário das péssimas capas, e que lá me convenceu a adquirir a obra. Não me canso de dizer: as capas também vendem livros de bd. Se a culpa disto é maioritariamente dos autores, acredito que as editoras portuguesas, sempre que possam, devem tentar negociar/combinar com os autores e/ou com as editoras detentoras dos direitos de publicação, quais as formas de tornarem os “objetos livros” mais bonitos e apelativos. Assim, aqui a minha crítica não é só para estes livros - que já foram lançados quase há 20 anos e, portanto, merecem que eu lhes dê um certo desconto - mas sim para toda a publicação de banda desenhada despreocupada com a apresentação da melhor capa possível.
Em conclusão, esta série Bird, pode não ser uma banda desenhada perfeita mas é uma proposta bastante interessante por ser um thriller com algumas boas ideias e por ainda se encontrar nas livrarias e mercados de bd de Portugal, com um preço tão simpático.
NOTA FINAL (1/10):
8.5
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Bird 1 – A Tatuagem
Autores: Carlos Trillo e Juan Bobillo
Editora: Vitamina BD
Páginas: 48, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Junho de 2001
Autores: Carlos Trillo e Juan Bobillo
Editora: Vitamina BD
Páginas: 48, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2002
Autores: Carlos Trillo e Juan Bobillo
Editora: Vitamina BD
Páginas: 48, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Abril de 2005
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