segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Análise: Jardim dos Espectros




Jardim dos Espectros, de Fábio Veras

Jardim dos Espectros é a primeira obra em banda desenhada do jovem autor português Fábio Veras. Já depois disso lançou, com Luís Zhang, a obra Filhos do Rato, publicada pela G. Floy, que já foi analisada no Vinheta 2020.

Em Jardim dos Espectros, lançado pela Escorpião Azul, Fábio Veras é responsável pelo argumento e pela ilustração, assinando uma história que funciona como uma alegoria da vida e da morte e que, nos apresenta um autor com um enorme potencial para ser um dos nomes mais sonantes da banda desenhada nacional nos próximos anos.

Neste breve livro de 64 páginas, a preto e branco, o autor convida-nos a acompanhar a jornada de um forasteiro que chega a uma cidade para encontrar Núvia, um jardim onde vivem centenas de almas que já pertenceram a este mundo. No entanto, este tornou-se um local de medo e dogma junto da população local. Antigamente o jardim era alegre e repleto de vida mas, aparentemente, transformou-se num sítio onde passaram a ocorrer eventos misteriosos e estranhos. E já ninguém quer lá ir. No fundo, apresenta as características clássicas de um cemitério assombrado.


O protagonista fará então uma jornada pessoal, pela vida e pela morte, tentando, de alguma forma, ultrapassar traumas do passado que (ainda) vivem enclausurados dentro da sua pessoa e encontrar qualquer tipo de redenção, há muito almejada. E, ao longo da sua caminhada, encontra personagens do mundo dos mortos. Almas que vagueiam pelo local. A história assume, pois, um carácter metafísico, por vezes abstracto, mas com uma boa sensibilidade do autor, que apresenta uma grande maturidade e seriedade na narrativa que constrói. E isso, é talvez uma das melhores coisas neste Jardim dos Espectros.

Mas não é apenas isso que é impressionante. Em termos de arte ilustrativa, Fábio Veras, revela um enorme talento nato. Se em Filhos do Rato, afirmei que o autor “parece um daqueles jogadores de futebol que, sendo muito jovem e já revelando talento, é uma promessa para muita gente. Ainda não chegou aonde pode chegar, mas tem um enorme potencial para lá chegar”, em Jardim dos Espectros parece-me – e mesmo não esquecendo de que se trata de uma obra que antecede Filhos do Rato – que Fábio Veras está muito (mais) ciente das suas capacidades de ilustrador e consegue aqui uma arte com muita personalidade, com um traço livre e consistente, que permite o dramatismo que uma obra com esta profundidade de argumento exigiria. Um destaque à forma como o autor ilustra os ambientes – principalmente o arvoredo e vegetação do próprio jardim – deverá ser dado, tendo em conta a beleza transcendental que nos é passada. Maravilhoso na concepção.

Também na planificação da obra, que é bastante dinâmica e variada, o bom trabalho do autor merece destaque. Há um outro detalhe que achei muito audaz e curioso: são usados balões sem texto para representar diálogos de figurantes que aparecem na história. Um pequeno toque do autor, que (também) revela uma capacidade para reinterpretar a própria linguagem a banda desenhada.

Embora a história seja auto-contida, com um final que fica resolvido em termos narrativos, a verdade é que o livro me pareceu algo curto. A juntar a isso, penso também que a obra ganharia se fosse editada pela Escorpião Azul num formato bem maior. E em capa dura, claro. 

Falando ainda na capa da obra, considero-a pouco apelativa. A ilustração da própria contracapa ou as ilustrações que acompanham as primeiras três páginas do livro, dariam melhores capas. É uma pena pois, a capa é a primeira coisa a saltar à vista de uma pessoa que passeia pelas lojas em busca de BD. Neste caso, a meu ver, claro, não será a capa que conquistará interesse. É apenas folheando a obra que o interesse há-de surgir para um livro que merece ser conhecido pelo maior número de adeptos de banda desenhada.

Em conclusão, esta é uma excelente surpresa, um ótimo cartão de visita de Fábio Veras, que vale muito a pena conhecer. Se Filhos do Rato é um livro interessante, Jardim dos Espectros apresenta uma maior profundidade narrativa e uma ilustração muito consistente e bem conseguida.


NOTA FINAL (1/10):
8.1


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
Jardim dos Espectros
Autor: Fábio Veras
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 64, a preto e branco
Encadernação: capa mole
Lançamento: Maio de 2018

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