Foi durante a pandemia de Covid 19 que o jornal digital Mensagem de Lisboa começou a publicar as Crónicas de Lisboa, com texto de Ferreira Fernandes e ilustrações de Nuno Saraiva. Estas crónicas não são mais do que pequenas rábulas que procuram traçar um perfil simples – mas repleto de informação – sobre algumas das figuras ou entidades mais relevantes da cidade de Lisboa.
A ASA decidiu, e em boa hora, reunir algumas dessas breves histórias e lançá-las em livro neste Crónicas de Lisboa. No total, são 20 crónicas que têm o condão de aprofundar os conhecimentos que julgamos ter sobre algumas das coisas e personalidades mais emblemáticas de Lisboa.
Os temas são variados e passam pela política, pelo futebol, pela literatura, pelo fado ou pelos costumes da cidade. Uma das histórias conta-nos a origem do estádio de futebol do Benfica, enquanto que outras das crónicas deste livro relembram as façanhas de Peyroteo, o craque do Sporting; aquilo que se podia e não se podia fazer antes do 25 de Abril; o padroeiro Santo António; e as personalidades de gente tão diversa como o Almirante Reis, a Dona Maria II, o Phil Mendrix ou o “Senhor do Adeus”. O célebre (?) episódio de Fernando Pessoa na Boca do Inferno, a razão dos quadros suspensos nas paredes do café A Brasileira, o apelo das praias da Costa da Caparica para os lisboetas ou a curiosa história do último carrasco de Lisboa - que não chegou a executar ninguém – são mais alguns dos temas que por nós vão desfilando enquanto lemos o livro.
O que mais apreciei nesta coletânea é que, mais do que tentar dar informações de forma enfadonha, o livro procura dar-nos um conjunto de trivialidades e informações curiosas que acrescentam à informação que já detínhamos sobre cada um dos temas abordados. Toda a gente sabe quem foi Peyroteo, mas será que o conhece assim tão bem? Toda a gente conhece as praias da Costa da Caparica, mas será que sabe a razão pela qual as praias foram ganhando adeptos?
É um livro que funciona muito bem e que educa enquanto entretém. Como tal, creio que faz todo o sentido que, futuramente, a editora possa lançar versões em línguas estrangeiras da obra, pois é um produto com um forte potencial turístico. Imagino que o mesmo possa ser vendido que nem "pãezinhos quentes" se estiver em lojas de souvenirs ou em postos de turismo. Especialmente em Lisboa, mas também um pouco por todo o país.
Para isso, também contribui a belíssima capa de Nuno Saraiva que, no estilo de ilustração inconfundível do autor, apresenta várias figuras da cidade de Lisboa que aparecem nas crónicas. É uma daquelas capas fabulosas que já nos conquistou, mesmo antes de abrirmos o livro.
Falando no trabalho de Nuno Saraiva, acho que posso dizer que nenhum outro autor, no mundo inteiro, poderia ter desenhado este livro sobre Lisboa de uma forma tão lisboeta. É que os desenhos de Nuno Saraiva são do que mais há de lisboeta! O seu traço meio humorístico, meio sério, feito de forma aparentemente simples, mas que é, ainda assim, carregado de detalhes, é um espelho estético perfeito para a harmonia visual que paira sobre a cidade de lisboa. Olhar para os desenhos de Nuno Saraiva é ser automaticamente transportado para Lisboa e para Portugal. Portanto, sim, considero que nenhum ilustrador poderia ter desenhado tão bem este Crónicas de Lisboa.
Este é, até, um daqueles casos em que o casamento entre o tema e a forma visual de apresentar esse mesmo tema, é perfeito em cada um dos seus encaixes possíveis.
É verdade que o livro até poderia ser classificado como “livro ilustrado”, uma vez que não há aqui, propriamente, uma sequencialidade entre quadros. Mas, face a isso, é algo que se compreende bem por não existirem diálogos e pelo simples facto de o texto que nos é dado ser sempre em voz off e repleto de factos e informações. Será, pois, convenhamos, a própria planificação das páginas, que geralmente apresentam entre 4 a 6 vinhetas, aquilo que mais nos remete para a linguagem da 9ª arte.
Fazendo uma nota sobre o trabalho de Ferreira Fernandes, embora seja óbvia a qualidade do seu texto e divertida a maneira, cheia de subtilezas e ironia, com que escreve, por vezes o texto da obra torna-se um pouco complexo em demasia. Não digo que seja um texto difícil de compreender, nem nada que se pareça, mas acho que o livro ganharia se o texto fosse, por vezes, mais simples. Até porque isso tornaria o livro (ainda) mais recomendável para um público mais infantil.
Seja como for, é óbvio o respeito e devoção pela cidade de Lisboa com que esta dupla de autores trabalha e o resultado é um livro simples e descomprometido, que se lê bem e que pode, até, ter a capacidade de arrastar para a banda desenhada algumas pessoas que, habitualmente, não leem BD. Com efeito, este é um daqueles livros que (também) se recomenda facilmente a alguém que nunca pegou num livro de banda desenhada. Basta que essa pessoa tenha interesse pela cidade de Lisboa ou pela história de Portugal.
A edição da ASA é em capa dura baça, com papel brilhante. O trabalho de impressão e encadernação é bem feito. O livro apresenta ainda belas guardas e um prefácio assinado por Catarina Carvalho, Diretora do jornal Mensagem de Lisboa. Acima de tudo, a ASA está de parabéns por lançar um livro de banda desenhada que, ainda por cima, é feito por autores portugueses.
Em suma, Crónicas de Lisboa assume-se como um projeto de enorme valor, que funciona muito bem, que é destinado tanto aos que leem banda desenhada, como àqueles que querem simplesmente obter informações curiosas, num registo divertido, sobre a história da cidade de Lisboa. Faço votos para que este seja o primeiro de várias Crónicas de Lisboa. Isto, se os autores não enveredarem para as “Crónicas de Portugal”. Também faria sentido, uma vez que este pequeno país está cheio de personagens, coisas e locais com belas histórias para contar.
NOTA FINAL (1/10):
8.0
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Crónicas de Lisboa
Autores: Ferreira Fernandes e Nuno Saraiva
Editora: ASA
Páginas: 64, a cores
Lançamento: Maio de 2023
Hugo,
ResponderEliminarpenso que dizer que não estamos perante BD, neste caso é semelhante a dizer que o Princípe Valente não o é.
Há duas variáveis que permite ver a BD - a sequencialidade e a simultaneadade. Neste caso, embora não tenhas a tal sequencialidade, compara o livro visto na versão vinheta a vinheta com a versão de página inteira.
O Nuno Saraiva pensou a cor, desenho, enquandramentos para uma página e o livro faz muito mais jus ao trabalho dele do que a forma como tinha sido apresentado.
Isto é BD, embora não seja a melhor BD sempre que leste hoje da parte da tarde, eu digo-te que é do melhor que se faz por cá.
Concordo em absoluto com o que dizes, Fernando. E é, aliás, isso que tento explicar no meu texto. Lembro-me que no outro dia falava com dois amigos sobre esta BD e eles diziam-me que não havia sequencialidade. E eu considero que, embora não haja, toda a planificação e o próprio registo de voz off, fazem com que seja BD. Portanto, estamos de acordo.
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