quarta-feira, 28 de junho de 2023

Análise: As Aventuras Completas de Dog Mendonça e Pizzaboy



As Aventuras Completas de Dog Mendonça e Pizzaboy, de Filipe Melo, Juan Cavia e Santiago Villa

Já era uma coisa algo esperada há uns bons tempos, mas finalmente aconteceu: a Companhia das Letras (pertencente ao grupo editorial Penguin Random House) lançou recentemente, numa edição de luxo e num único volume, todas as aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy, a aclamada série de banda desenhada que iniciou Filipe Melo e Juan Cavia no género.

Os livros originalmente lançados pela editora Tinta da China encontravam-se esgotados há muito tempo e são obras que, dada a sua relevância para a banda desenhada nacional, deviam (devem/deverão) estar sempre disponíveis.

Não vos vou mentir. Para aqueles que ainda não tiveram a oportunidade de ler nenhum livro do Dog Mendonça e que leram o Balada para Sophie – que não me canso de classificar como a melhor banda desenhada portuguesa de sempre – o Filipe Melo e o Juan Cavia que vão encontrar em Dog Mendonça são diferentes dos autores de Balada para Sophie. Isto porque na altura do lançamento da série de aventuras eram autores mais inexperientes, que ainda estavam a trilhar o seu caminho. É certo que Dog Mendonça é uma série muito divertida e de aventura à antiga – daí que seja natural que sejamos remetidos para tantos e tantos clássicos de aventura do cinema norte-americano dos anos 70 e 80 – mas Filipe Melo não era, à altura, o autor que, entretanto, se fez. Já era uma lufada de ar fresco na banda desenhada e um autor com imenso potencial… mas ainda estava no começo. E mesmo Juan Cavia, que já nos oferecia desenhos de enorme fulgor artístico por esta altura, também evoluiu muito do primeiro Dog Mendonça até ao último Balada para Sophie. Mas isto que acabo de dizer é algo do foro de La Palisse, tendo em conta que estamos a falar da primeira e da última obra dos autores. É natural que haja evolução. Faz parte e ainda bem que assim o é.

O primeiro Dog Mendonça data de 2010 e, a partir do momento em que foi lançado, conquistou um enorme sucesso. E não admira! O conceito de criar uma personagem carismática a resolver mistérios do foro fantástico e sobrenatural, com muita ação, um toque de humor e uma enorme quantidade de referências e piscadelas de olho a obras do cinema, banda desenhada, videojogos e literatura da cultura popular, revelou-se um guisado perfeito. Até porque os desenhos de Juan Cavia – modernos e fortemente derivados dos comics americanos – também sabiam puxar bem pelo appeal comercial da obra. Estava na cara que Dog Mendonça seria um sucesso!

Depois veio o segundo volume e depois veio o terceiro volume, Apocalipse e Requiem, respetivamente. Todos eles continuaram (ou aumentaram, mesmo) o sucesso da franquia, enquanto iam desenvolvendo mais as personagens principais – um detetive gordo e diletante, um rapaz que trabalhava como distribuidor de pizzas, um demónio que tomou posse de um corpo de criança e uma cabeça de gárgula hilariante - e somando novos inimigos e aventuras.

Lendo agora os três álbuns de seguida é, pois, curioso verificar o aumento de qualidade de um álbum para o outro. É no terceiro volume que Filipe Melo se apresenta mais desenvolto na escrita, dando-nos aquela que é a melhor das três histórias, quanto a mim. Se os desenhos de Juan Cavia já eram cativantes logo no primeiro volume, também é notória a evolução do autor que foi tornando as ilustrações dos volumes 2 e 3 em algo mais fluído, natural e menos digital.

Devo dizer que não gosto tanto da história do segundo volume, Apocalipse, por me parecer demasiado over the top e, portanto, menos inspirada, mas gostei especialmente que, no terceiro volume, tenha havido uma história mais humanizante em relação às personagens. Já tinha este sentimento quando li os livros na altura do seu lançamento original e mantenho a mesma opinião.

Depois do terceiro volume, foi ainda editado um conjunto de quatro breves histórias, originalmente lançadas para o mercado norte-americano pela Dark Horse, que se ligam entre si, e que são incluídas neste volume. Chamam-se Os Contos Inéditos de Dog Mendonça e Pizzaboy e são um complemento deveras interessante, onde temos Filipe Melo num tom ainda mais cómico e sarcástico do que o habitual. Devo, ainda assim, dizer que me pareceu um erro a inclusão destes breves contos entre a primeira e a segunda história da série principal. Creio que cortam um pouco o ritmo natural da história principal e que, por esse motivo, deveriam ter sido incluídos a seguir à terceira história e antes do conto ilustrado. Mas é apenas um detalhe e uma opinião meramente pessoal.

E, por falar em conto ilustrado, permitam-me falar-vos da joia da coroa desta edição integral que é o conto As Fabulosas Aventuras de Madame Chen. Neste caso, não estamos perante uma banda desenhada, mas perante um conto ilustrado, ou seja, uma história de texto em prosa que é complementada por ilustrações.

E, meus caros, deixem-me dizer-vos que a dupla Melo/Cavia consegue, mais uma vez, surpreender-nos pela positiva! A história é sobre a personagem de Madame Chen, que vai tendo importância na série principal de Dog Mendonça mas cuja vida e percurso não são explorados na série. Talvez tenha sido por isso, para explorar com profundidade as raízes da personagem, que Filipe Melo tenha decidido criar este género de spinoff. A história até foi inicialmente pensada para ser uma banda desenhada, mas rapidamente ficou decidido pelos autores que apostariam num registo de conto ilustado.

E o resultado é lindo e cheio de belos momentos, nos quais ficamos a pensar já depois de finda a leitura. Quanto às ilustrações de Cavia, que remetem para a pintura tradicional chinesa, posso dizer-vos que são do outro mundo! Os desenhos são belos e estão carregados de uma singular eloquência que tem o dom de melhorar ainda mais a escrita de Filipe Melo que, compreensivelmente, está ainda mais delicada, apurada, mais doce, mais bela. Por incrível que possa parecer, consegui ler mais o Filipe Melo de Balada para Sophie neste As Fabulosas Aventuras de Madame Chen, do que o Filipe Melo do Dog Mendonça. Isto porque esta história é mais madura, mais profunda, mais marcante. É uma história com um bom ritmo, que faz pensar e sonhar num universo carregado de autêntica beleza. A própria colocação das ilustrações junto do texto – ou será o oposto? – está feita com muito bom gosto em termos de grafismo e paginação.

Relembro que esta é uma história inédita, com mais de 60 páginas. Se alguém poderia achar que seria uma história com o intuito de servir como filler comercial desta edição especial, desengane-se prontamente. É uma história de uma riqueza profunda e tanto assim é que antevejo que a mesma tenha força e apelo comercial para ser lançada de forma independente num futuro próximo. Se isso não acontecer, será até uma oportunidade perdida da editora, quanto a mim, já que este conto funcionará muito bem de forma independente, podendo ser lido por crianças e por adultos. Dado até o tema que aborda, até acredito que, se lançado independentemente, pode ser (mais) um sucesso de vendas de Filipe Melo e Juan Cavia.

Se reler todos os Dog Mendonça neste volume integral foi uma sensação deveras saborosa, foi o conto As Fabulosas Aventuras de Madame Chen que me deixou com o gosto mais delicado e aveludado na memória. Parabéns aos autores!

A edição da Companhia das Letras é verdadeiramente espetacular. Estamos perante um enorme volume com mais de 450 páginas, que reúne todas as histórias e todos os prefácios feitos por gente célebre como John Landis, Lloyd Kaufman, George A. Romero e Tobe Hooper. A capa é dura, e o texto da mesma tem relevo e cor prateada. No miolo, o papel é brilhante, exceto no conto ilustrado onde, de forma acertada, se optou por um papel baço. A encadernação e a impressão são de boa qualidade. Há ainda uma fita de tecido preto que serve como marcador de livro. 

Nota positiva para o facto de o formato do livro ser substancialmente maior face aos livros originais lançados pela editora Tinta da China, o que permite uma leitura mais fluída. Para além do já abordado conto ilustrado As Fabulosas Aventuras de Madame Chen, o livro ainda inclui um texto introdutório de Filipe Melo e um bom posfácio da autoria de João Miguel Lameiras que aborda com belos detalhes todo o percurso desta série, desde o momento em que era pensada até à chegada do último capítulo, sob a forma de um conto ilustrado. Este texto final ainda é acompanhado por páginas do guião, esboços e estudos que fazem com que a leitura deste enorme volume acabe de forma soberba.

Quanto ao preço da obra, que tem o PVP de 48,45€, considero-o um pouco “pesado” para a carteira do leitor português. Embora, não devamos descurar que, na prática, este livro é composto por 5 livros: os três Dog Mendonça, o livro de contos e o livro ilustrado. Se dividirmos o preço por 5 livros, já ficamos com um valor abaixo dos 10€ por cada livro. E, claro, não esqueçamos ainda que, em termos de "objeto livro", este lançamento é muito bem conseguido. Se a editora tivesse conseguido lançar o livro abaixo dos 40€ (tipo 39,99€) teria sido fantástico. 48,45€ é um preço “pesado”, reconheço, mas, a meu ver, também a qualidade da obra e da edição é “pesada”, o que significa um bom investimento em banda desenhada. E estou certo que vai vender bem.

Em suma, esta magnífica edição que reúne todas as histórias de Dog Mendonça é um autêntico sonho molhado para os fãs da série e assume-se como altamente recomendada numa biblioteca que almeje ser constituída pela melhor banda desenhada portuguesa alguma vez feita!


NOTA FINAL (1/10):
9.4



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Ficha técnica
As Aventuras Completas de Dog Mendonça e Pizzaboy
Autores: Filipe Melo, Juan Cavia e Santiago Villa
Editora: Companhia das Letras (Penguin Random House)
Páginas: 456, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 18,8 x 26 cm
Lançamento: Junho de 2023

2 comentários:

  1. Já estive com o livro na mão e está muito bem conseguido. Eu no entanto já tenho todos os livros, mas vi por curiosidade. Quanto ao preço, para a qualidade do livro e a quantidade de hoistórias não é caro, mas sinceramente como está a poder de compra em Portugal dar quase 50 euros por um livro não é para todos, por isso acho que é uma aposta bastante arriscada... espero que venda

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    1. Obrigado pelo comentário. Pois, concordo com o que diz. Eu acredito que vai vender bem... mas vamos dar tempo ao tempo.

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