Há várias coisas na vida - para não dizer todas - em que é a soma das partes que faz com que algo seja maior e mais impactante. A série As 5 Terras, de Lewelyn e Lereculey, em cujo lançamento a editora ASA acaba de mergulhar de cabeça, com a edição simultânea dos dois primeiros volumes de uma só vez, pode muito bem ser um exemplo disso. É a soma do todo que torna esta série uma bela aposta e uma leitura viciante!
Sim, é mesmo "viciante", pois esta é uma daquelas obras que nos prende de tal forma que ficamos a "chorar por mais" quando chegamos ao fim de cada livro!
Mas vamos por partes.
A série As 5 Terras é uma obra de fantasia épica escrita por Lewelyn e ilustrada por Jérôme Lereculey. E "Lewelyn" não é uma pessoa, mas sim três. Na verdade, a palavra "Lewelyn" é um pseudónimo para três autores: David Chauvel, Andoryss et Patrick Wong. Todos eles são argumentistas desta obra. O que se entende, se tivermos em conta a complexidade - pelo menos, teórica - de tal empreitada.
A série é composta por uma mistura de aventura, mistério e uma exploração profunda de mundos fantasiosos interconectados, numa saga épica que está pensada para ter 30 volumes, divididos por seis arcos narrativos. Para já, em França, a série já vai no 13º volume.
Tem sido, portanto, um grande sucesso de vendas e, quanto a mim, é fácil de perceber porquê. Porque, tal como referido logo no primeiro parágrafo, consegue fazer muita coisa bem, assegurando que a soma das partes faz com que o resultado seja diferenciado e especial. Pode não ter os desenhos mais belos de sempre, mas são muito belos; pode não ter o melhor argumento de sempre, mas é um argumento muito bom. E este tipo de afirmação poderia ser feito para qualquer pequeno elemento presente na obra. Pode não ser a melhor coisa de sempre, mas é uma série indubitavelmente boa. Pelo menos, por agora.
Esta saga de inspiração medieval centra-se - como, pelo nome da obra, é fácil de perceber - em cinco terras: Angleon, Arnor, Erinal, Ithara e Lys. Cada uma destas terras é habitada por uma espécie diferente de animais e representa um reino. Mesmo assim, parece ser Angleon, o reino dos felinos - e não obstante o facto de ter a área geográfica mais pequena de todos os cinco reinos - a terra com mais preponderância político-económica. E tanto assim é que Cyrus, o rei de Angleon e herói da batalha de Dhakenor, sonha construir um império hegemónico, reinando sobre as cinco terras.
Mas agora que, estando bastante velho, Cyrus se encontra debilitado e às portas da morte, começam a surgir movimentações em toda a corte para que se saiba quem será o sucessor deste rei que apenas tem duas filhas que, supostamente, não podem ocupar o cargo. Tudo indica, portanto, que será Hirus, o sobrinho de Cyrus, a assumir o reinado. Mas a trama adensa-se e cada um dos envolvidos, nomeadamente os reis das terras vizinhas, vai jogar as suas cartadas com o propósito de chegar ao poder. Ou de aumentá-lo, pelo menos.
Onde é que já viram isto? Certamente em muitas histórias, mas com uma trama tão rica em jogadas de bastidores e num jogo de traição tão infindável, só mesmo em A Guerra dos Tronos, de George R. R. Martin, diria. E, sim, falar de As 5 Terras sem referir a A Guerra dos Tronos, é quase impossível. Não é que a história seja igual, mas há muitos pontos em comum. Também aqui somos confrontados com um complexo jogo de intrigas e com personagens carregadíssimas de personalidade a operar dentro e fora dos bastidores do reino, sempre tentando o seu usufruto pessoal. O leitor é, pois, mergulhado em várias tramas, mais ou menos independentes, que nos aproximam das várias personagens. Cada uma tem um objetivo pessoal e guarda certos segredos que vão sendo revelados a conta-gotas ao leitor. O que faz, claro está, com que haja sempre um clima tenso de incerteza perante o que vai acontecer e uma sensação constante de que qualquer personagem, não importa o seu protagonismo na história, pode morrer de um momento para o outro. Bem ao jeito de A Guerra dos Tronos, portanto.
Quem gostou da célebre obra de George R. R. Martin facilmente gostará de As 5 Terras, afianço. Em As 5 Terras (também) temos familiares distantes a lutarem entre si pelo trono; (também) temos relações amorosas proibidas e secretas; (também) temos mortes inesperadas; (também) temos casamentos arranjados; (também) temos personagens com vários segredos, (também) temos várias cenas de ação gutural. Enfim, sendo uma história com animais, dificilmente poderia ser mais humana.
Todos estes mundos aparecem-nos bem construídos e com o potencial de uma exploração quase infinita. Não admira, portanto, que a série esteja pensada para 30 volumes. Porque em apenas dois volumes - e mesmo sendo verdade que a história já começa a ter uma exploração muito interessante - fica claro que temos aqui "pano para mangas", do ponto de vista da narrativa.
O mundo bem construído e a trama envolvente são os principais destaques. A série consegue criar uma mitologia interessante e rica, que mantém o interesse do leitor. O desenvolvimento das personagens é eficaz, principalmente no que diz respeito à sua evolução ao longo da jornada. No final, apenas uma coisa é certa: ficamos a chorar por mais!
Em termos ilustrativos, há uma coisa que sobressai assim que olhamos para a capa do livro. É que todas as personagens são antropomórficas, isto é, são animais com o corpo e características dos humanos. Há muita gente que não gosta e há muita gente que gosta. Eu sou um confesso fã, admito. À boa maneira de Blacksad, aquele que será, por ventura, o melhor exemplo de BD com personagens antropomórficos, também em As 5 Terras as personagens apresentam faces de animais. Sendo que, neste caso, e até agora pelo menos, a maioria das personagens é da família dos felinos. Há outras espécies, como ursos, veados, macacos, cães ou répteis, mas a grande maioria de personagens a deambular por estes dois primeiros livros da série são felinos porque a ação também se passa, obviamente, no reino dos felinos. Acredito que, no futuro, com o desenvolvimento da história, isso possa vir a ser alterado. E refiro este tema porque, logo no início, com tantas personagens felinas, temi que os belos desenhos de Lereculey pudessem ficar algo parecidos entre si, inviabilizando que o leitor percebesse quem era determinada personagem. Contudo, devo dizer que, à medida que fui progredindo na leitura, verifiquei que o autor deu conta do recado. Seja pelo local onde a personagem se encontra, seja pelas personagens que a rodeiam, seja pelas vestes da personagem ou por pequenos traços distintivos, acabei por nunca me perder. E lembro que a trama até é bastante intrincada.
Os desenhos são, portanto, muito belos, com as personagens a apresentarem belas expressões que poderiam ser retiradas da boa escola dos estúdios de animação Disney, numa conceção muito bem executada. Não me parece que tenham o aprumo visual e elegância dos desenhos de Guarnido (desculpem a segunda referência a Blacksad, mas é quase impossível para mim não a fazer), mas são belos desenhos. E que são complementados por uma paleta moderna e bem feita de cores muito bonitas. No todo, são desenhos apelativos e não há muita volta a dar quanto a isso. São daqueles livros que, assim que os abrimos, criamos facilmente empatia com as ilustrações. Grosso modo.
Em termos de edição, estes livros apresentam capa dura baça, com bom papel brilhante no miolo e um bom trabalho de encadernação e impressão. As primeiras guardas do primeiro livro são utilizadas para um esquema com as personagens mais relevantes da trama (que é muito útil para simplificar a vida ao leitor), enquanto que as segundas guardas desse mesmo livro têm um mapa das 5 Terras, que também é útil para situar geograficamente a história. O segundo livro apenas tem, nos dois lados das guardas, este mapa das terras, o que é pena, pois o esquema das personagens poderia (deveria?) ser replicado em todos os volumes da série.
Além disto, o primeiro livro inclui um caderno gráfico enquanto extra, onde o leitor tem acesso a esboços de personagens, estudos para cenários e à conceção de uma prancha. O segundo volume não traz um caderno gráfico, mas traz como extra um texto sobre "A Batalha de Dhakenor" para melhor imersão do leitor. Como outra nota positiva, o segundo livro também traz, logo no início, uma página de texto com o resumo dos acontecimentos do primeiro tomo. Pode parecer uma coisa mínima, mas que assinalo por achar que é bastante relevante para embrenhar ainda mais, e melhor, o leitor. Lá está, e repetindo-me uma vez mais, é um conjunto de várias coisas bem feitas que contribui para que uma coisa possa almejar voos mais altos.
Continuando a falar do trabalho da edição da ASA, admito que seria desejável que a série, devido à sua extensão, pudesse ser publicada em álbuns duplos/triplos. Porém, como cada ciclo é composto por cinco tomos, isso faria com que houvesse uma dissimetria nos livros, que também não era aconselhável. Compreende-se e aceita-se, portanto, a opção da ASA em lançar cada tomo de forma isolada, o que até acaba por ser fiel à edição original francófona.
Em suma, posso dizer-vos que, para já, As 5 Terras resulta de um casamento feliz entre A Guerra dos Tronos, na maneira de ser, e Blacksad, na parte visual. Estamos perante uma trama carregada de intriga, que nos deixa agarrados e a chorar por mais, e por um trabalho de ilustração muito bom, que dificilmente não agradará ao mais exigente leitor de banda desenhada. Tem tudo para (também) ser um sucesso em Portugal!
NOTA FINAL (1/10):
9.5
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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As 5 Terras #1 - Com Todas as Minhas Forças
Autores: Lewelyn e Jérôme Lereculey
Editora: ASA
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 319 x 226 mm
Lançamento: Outubro de 2024