Começo por dizer algo que pode chocar um pouco alguns dos meus leitores: nunca tive muita paciência para a saga Star Wars. Em miúdo, em adolescente e em adulto, tentei várias vezes mergulhar neste universo, mas, invariavelmente, sinto tédio nos primeiros minutos de cada filme. Não é para ser “do contra” ou para parecer intelectual… é o que é. Já várias pessoas me ouviram, aliás, afirmar “quem me dera conseguir gostar mais de Star Wars do que aquilo de que gosto”. Talvez isso me ajudasse a conseguir apreciar algo que tantos apreciam. Mas a coisa não me entra. Diria, pois, que não é “my cup of tea”.
Não obstante, e porque além de ser fã de filmes também sou fã de cinema (e há muita gente que não consegue perceber a diferença entre uma coisa e outra) compreendo, logicamente, a relevância que a franquia de Star Wars teve, tem e terá para a ficção científica, para o cinema, para o storytelling, para o merchandising e para o world building. E essa importância chega a ser impressionante! Star Wars é um daqueles títulos que tem milhões de fãs acérrimos espalhados por todo o mundo e que, consequentemente, continua a gerar milhões de dólares todos os anos. Por ventura, continuará a ser dessa forma, mesmo depois do seu criador, o célebre realizador George Lucas, deixar este mundo. Star Wars é algo que, sendo ficcional, está tão presente na cultura popular dos últimos (quase) 50 anos que podemos considerar que este universo ficcional existe realmente. Pelo menos, existe no imaginário comum. E isso é sintoma do enorme contributo e relevância para a cultura popular desta franquia.
E, claro, esta introdução vai ao propósito de vos falar no recente livro editado em Portugal, pela Ala dos Livros, que dá pelo nome de As Guerras de Lucas e é da autoria dos franceses Renaud Roche e Laurent Hopman. Ora, assim de caras, este é um livro que, pelo menos, todos aqueles que gostam de cinema, devem ler. Até mesmo aqueles que, como eu, não são especialmente fãs de Star Wars. Porque, lá está, mais do que versar sobre o filme, este livro dá-nos um retrato do genial realizador George Lucas e de toda a epopeia que foi necessária à realização da sua visão denominada Star Wars. E que epopeia foi essa!
De uma forma verdadeiramente bem documentada, mas sem que isso torne o relato pesado ou enfadonho, Laurent Hopman conta-nos a história de vida de George Lucas, desde o tempo em que este era criança, passando pelos seus tempos de adolescência algo marginal, até um evento que quase lhe tiraria a vida. O que é incrível e verdadeiramente apaixonante no percurso de George Lucas, e na conceção de Star Wars, é que o realizador não tinha grandes referências para o que queria fazer, tirando as próprias imagens mentais que lhe brotavam na imaginação e, claro, o gosto por um sentimento de aventura típica do tempo de criança que, até essa data, os filmes de ficção científica (ainda) não captavam. Logicamente, toda esta enorme empreitada apresentava orçamentos ridiculamente gigantes para os anos 70 e foram muitos aqueles que duvidavam que este projeto seria sequer realizável. Mas a perseverança do realizador foi mais forte do que tudo e todos. E essa, meus caros, é a real moral deste livro e do percurso do próprio George Lucas. Se estamos certos perante um sonho, o melhor que temos mesmo a fazer é persegui-lo! Mesmo que as vozes contra – e serão sempre mais consoante o nível de audácia do nosso sonho – nos refreiem de o fazer.
Não obstante, o sonho de Lucas não foi um sonho estanque. Teve que se ir moldando. E a maior prova disso é de que o próprio argumento da sua Guerra das Estrelas foi reescrito por diversas vezes pois, no início, a história era insuficientemente boa. Mas – e, mais uma vez – sempre de forma perseverante, George Lucas não desistiu e foi superando, uma após uma, todas as barreiras com que se deparou. Estivessem elas relacionadas com a escrita do argumento, com a dificuldade em obter financiamento, com a escolha pelos sítios certos para filmar, com as questões técnicas, com a procura pelos atores certos para cada um dos papéis… enfim, este livro As Guerras de Lucas dá-nos isto e muito, muito mais.
Nesta banda desenhada, Hopman vai desvendando muito bem a história de Lucas, apresentando-a de uma forma dinâmica e pouco exaustiva, fazendo com que, mesmo não sendo um livro pequeno em número de páginas, o leitor mergulhe de forma abrupta na história, sendo difícil parar de ler desde que se inicia a leitura. Admito que a parte burocrática da negociação dos contratos com os estúdios de Hollywood, pela qual George Lucas teve que passar, torna-se, às tantas, um pouco repetitiva, algures a meio da leitura, mas, claro, isso deve-se à tentativa dos autores de nos darem um relato verosímil que, ainda assim, e até nessa parte, consegue sempre ter dinâmica narrativa.
Também os desenhos de Renaud Roche nos oferecem um belíssimo trabalho que sabe acompanhar com mestria a dinâmica do argumento. O traço de Roche é rápido e seguro, fazendo lembrar, com as devidas diferenças, claro está, um casamento feliz entre a arte de um Darwyn Cooke e a de um Bastien Vivès. E mesmo sendo um desenho que, aparentemente, pode parecer simples, a verdade é que chega a ser impressionante como o autor consegue, com poucos traços, tornar cada uma das muitas personalidades que deambulam por este livro (como realizadores, atores e outras celebridades) totalmente reconhecíveis.
Se As Guerras de Lucas é um livro que funciona bem e que consegue não ser maçudo, para isso muito conta o trabalho de Roche, que é agradável, moderno, leve, dinâmico, com uma boa noção estética e que apresenta uma boa diversidade de ferramentas de narração visual. O livro é maioritariamente a preto e branco, com os tons de cinzento a serem um bom complemento e, de vez em quando, há cores vivas que sublinham ambientes e, mais uma vez, contribuem para a já mencionada fluidez e dinâmica da obra. Tudo bem feito!
A edição da Ala dos Livros é bastante boa, apresentando capa dura baça, bom papel braço, boa encadernação e boa impressão. No final do livro, há ainda um dossier com 10 páginas que é composto por um bom conjunto de belíssimos esboços e estudos de personagem, que são acompanhados por comentários de Renaud Roche, bem como o processo de criação de uma prancha.
As Guerras de Lucas é, pois, um ótimo título para esta obra porque, por um lado, faz referência direta a essa obra-prima do cinema que é A Guerra das Estrelas, mas, por outro lado, deixa no ar que as verdadeiras guerras de A Guerra das Estrelas foram, isso sim, as guerras que o realizador teve que travar até conseguir tornar realidade o seu sonho. Os problemas eram mais do que muitos e a feitura de Star Wars foi um parto muito difícil. Lendo este livro ficamos até com a ideia de que, em variadíssimas vezes, a escolha mais racional teria sido o abandono do projeto. Mas, obviamente, se isso tivesse acontecido, ter-se-ia perdido um grande feito ao nível do cinema e do negócio que este pode envolver. Porque até nessa vertente mais comercial, Star Wars abriu a porta para a criação de uma séria máquina de marketing com a capacidade de gerar milhões de dólares. Obrigatório para os fãs de Star Wars, claro, mas também para todos os que, como eu, amam o cinema, por um lado, e as pessoas positivamente teimosas que não desistem dos seus sonhos nem das suas visões. Mais um belo livro da Ala dos Livros com selo de recomendado!
NOTA FINAL (1/10):
9.4
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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As Guerras de Lucas
Autores: Laurent Hopman e Renaud Roche
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 208, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 270 mm
Lançamento: Maio de 2024
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