Foi há umas semanas que a Iguana, chancela da Penguin Random House, publicou este Nas Suas Mãos, uma banda desenhada da autoria de Leila Slimani e Clément Oubrerie, publicada originalmente em dois tomos, entre os anos 2020 e 2021.
Este livro retrata a vida de Suzanne Noël, uma das primeiras mulheres a tornar-se cirurgiã plástica em França, e no mundo, quando ainda estávamos no início do século XX. O relato acompanha Suzanne desde a sua juventude até à sua carreira como cirurgiã plástica, passando por eventos significativos da sua vida pessoal e profissional. A narrativa é ambientada num período turbulento da história europeia, incluindo as Guerras Mundiais, o movimento sufragista e as mudanças sociais que influenciaram a posição das mulheres na sociedade, e procura destacar a luta que Suzanne Noël teve que travar, não apenas para se afirmar numa profissão dominada por homens, mas também para utilizar a sua posição e empreendedorismo para, mais tarde, defender os direitos das mulheres.
Outro dos pontos interessantes enquanto desbravamos a história desta mulher da vanguarda, é que Suzanne Noël foi das primeiras pessoas a reconhecer na cirurgia plástica uma forma de emancipação e de melhoria do cidadão, em especial a Mulher, em termos estéticos e nessa tomada de autoconsciência. É verdade que, numa primeira instância, a cirurgia plástica era vista, à época, como forma de restituir alguma dignidade aos veteranos de guerra que, ao serviço da pátria, tinham ficado com as caras desfiguradas, mas foi com o contributo de Suzanne Noël que a cirurgia também se revelou disponível para a correção de sinais de envelhecimento, de doença e/ou das precárias condições de vida. Mal sabia, na altura, Suzanne Noël, permitam-me o comentário pessoal, que, passados cerca de 100 anos, uma significativa parte da população do primeiro mundo teria a cara – e, não só – completamente “plastificada”. Mas isso são outros quinhentos.
Suzanne Noël era uma mulher muito à frente do seu tempo. Verdadeiramente livre na forma de pensar, teve também a sorte - ou o engenho - de encontrar homens que lhe permitiram "voar". Algo que, especialmente na época em que tem lugar esta história, era verdadeiramente raro. O próprio facto de estudar medicina já era, por si só, algo raro na época em causa. E essa sensação de vanguarda ainda é mais notória pela opção de Suzanne Noël em ter praticado cirurgia estética e reconstrutiva, algo que era considerado ainda muito perigoso e desnecessário por parte da própria comunidade médica da altura.
A profundidade psicológica da personagem é, pois, explorada através dos seus relacionamentos, das suas perdas e das suas conquistas, criando uma figura inspiradora e complexa. A perseverança de Suzanne em face de várias adversidades pessoais e profissionais acaba por ser o tema central da obra, mostrando como a determinação nos ajuda a superar obstáculos significativos.
Leila Slimani, autora mais célebre pelo seu trabalho literário, dá-nos um olhar bastante pormenorizado da vida de Suzanne Noël, passando por vários momentos – uns maiores, outros menores - da vida da autora. Se isso é bom para que possamos considerar este livro como uma “verdadeira” biografia de Suzanne Noël, por outro lado, a obra carece de alguma dinâmica narrativa, limitando-se a autora a uma clássica e linear exposição de factos.
Já o estilo de ilustração de Clément Oubrerie é bem-sucedido em dar um cariz muito próprio à obra. O seu traço é elegante, a fazer lembrar a pintura clássica, com umas cores que, também remanescentes da pintura, conferem à obra uma personalidade diferenciada. É verdade que, aqui e ali, há algumas expressões de personagens menos naturais ou alguma linguagem corporal das mesmas que poderia ter sido mais bem esculpida.
Ainda assim, devo dizer que fiquei agradado com os desenhos de Oubrerie que, em vários momentos, até conseguem ser de um fulgor visual bastante grande, captando a atmosfera da época, desde os cenários parisienses até aos ambientes médicos, acrescentando, por conseguinte, uma camada visual rica à história.
A edição da Iguana é em capa dura baça, com bom papel baço no miolo do livro - que é o papel que, também a meu ver, melhor funciona para o estilo de ilustração de Clément Oubrerie. O trabalho ao nível da impressão e da encadernação também apresenta boa qualidade. No final do livro, há ainda espaço para duas páginas com esboços do autor. Nota positiva para a opção da editora em publicar um integral desta obra que havia sido originalmente publicada em dois volumes.
Em suma, Nas Suas Mãos é mais uma boa aposta da Iguana que, pouco a pouco, vai sedimentando a sua oferta em boa banda desenhada. Eis um livro com um tema interessante, sobre uma mulher cujo contributo para o desenvolvimento da sociedade foi - e ainda é - muito relevante, mas que, lamentavelmente, ainda permanece esquecida por um sem número de pessoas. A própria publicação desta obra já se torna, só por isso, merecedora dos meus louvores. Mas, além disso, esta também é uma proposta interessante em banda desenhada que vale a pena conhecer.
NOTA FINAL (1/10):
8.4
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Nas Suas Mãos
Autores: Leïla Slimani e Clément Oubrerie
Editora: Iguana (Penguin Random House)
Páginas: 208, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 170 x 240 mm
Lançamento: Abril de 2024
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