No ano passado não tive oportunidade de ir ao Maia BD. Como tal, e antes de chegar a segunda edição deste festival de banda desenhada, já me tinham contado coisas muito positivas do mesmo e, portanto, ia com bastantes expetativas para esta segunda edição. E devo dizer que todas elas foram largamente superadas!
Em pouco tempo (duas edições apenas) este evento apresenta-se como um dos maiores e mais relevantes eventos de BD em Portugal. Está, pelo menos, e quanto a mim, no TOP 3!
Encontramos no Maia BD a grandeza e foco no grande público de um Amadora BD; mas o espírito de camaradagem e partilha próxima de vivências entre autores e editores de um Festival de Beja, também podem ser encontrados no Maia BD.
Como tal, e porque tenho bastantes coisas a dizer sobre este evento, deixo-vos aqui com o meu olhar sobre este certame cujas exposições ainda podem ser visitadas até 16 de Junho, no Fórum da Maia.
O Espaço e Localização
O evento decorre no Fórum da Maia. Mesmo admitindo que não acontece na cidade do Porto, está a uma distância, em tempo, de meros 15 minutos de carro e de 30 minutos de “metro” do centro do Porto. Portanto, este é "O" festival de banda desenhada do norte do país. Mesmo acontecendo na cidade da Maia, este é o evento de BD representativo do “Porto e arredores”.
Quanto ao local onde é feito o certame, este tem a vantagem de estar localizado numa parte muito central da cidade da Maia. A estação de “metro” é praticamente dentro do Fórum da Maia, o que permite que os visitantes que para ali se deslocam de transporte público, apenas tenham que andar meros metros a pé.
E isto faz com que, possivelmente, este seja o evento de BD com maior e mais fácil acessibilidade do país.
O próprio espaço é bastante aprazível, contendo várias salas que, a meu ver, foram bastante bem aproveitadas pela organização. Há dois bons auditórios para apresentações – sendo que o Grande Auditório apenas é utilizado (e bem) para apresentações de maior público, como a exibição do filme O Rapaz e a Garça, de Miyazaki, ou o concurso de cosplay. O auditório mais pequeno – que, ainda assim, tem uma dimensão bastante ajustada – serve para as apresentações relacionadas com banda desenhada.
Além destas áreas, o Fórum da Maia conta com um espaço para workshops, várias salas de exposição de banda desenhada e um mercado da banda desenhada. No exterior, são colocadas – à sombra - as mesas para autógrafos com os autores.
Não tendo o espaço uma planta muito fácil ou linear – sem, porém, ser demasiado complexa também – a Organização esteve bem em apresentar um mapa do evento na programação, que ajuda a dissipar eventuais dúvidas que poderiam aparecer aos visitantes acerca de onde decorreria determinada ação.
As Exposições
Caramba! Há muito tempo que não via exposições de banda desenhada que me deixassem tão agradado!
Vê-se claramente que houve um esforço da organização em garantir o maior número possível de originais. Ora, para os adeptos de banda desenhada – que forçosamente apreciam desenho – ver os originais, em vez de meras páginas das obras impressas em A3, é sempre mais apelativo e gratificante.
Bem sei que, com a crescente feitura de BD em forma digital, não há volta a dar a esta questão em muitos casos. Mas, mesmo assim, é sempre uma mais-valia encontrar tantos originais. E isso foi algo em que o Maia BD se mostrou ser muito rico.
E, claro, tenho que destacar a exposição dedicada aos comics americanos que continha um número incrível de arte feita para algumas das séries mais célebres de sempre do género, como Sin City, Sandman, Love and Rockets, V de Vingança, entre muitas outras.
Gostei também das exposições dedicadas a O Inferno de Dante, a Alfonso Font e à Mafalda, de Quino, não esquecendo as exposições com obras dos autores nacionais Diogo Carvalho, Ricardo Santo, Nuno Artur Silva, António Jorge Gonçalves, Nunsky e Paulo J. Mendes.
Bem, para dizer a verdade, não houve nenhuma exposição que não me agradasse.
É verdade que, em termos cénicos, as exposições eram mais simples do que, por exemplo, aquelas que podemos encontrar num Amadora BD – ou mesmo num Festival de Beja, por vezes – mas, lá está, tendo em conta que a qualidade e diversidade das pranchas e ilustrações expostas era tão grande, a questão de um espaço cénico mais simples acaba por ser uma “minor thing”.
Além de que, acredito eu, como o Fórum da Maia é um espaço municipal, talvez a Organização não tivesse carta branca para fazer grandes alterações cénicas ao espaço.
Os autores presentes
O Maia BD tem o cariz de ser um evento internacional, o que acaba por confiar ao mesmo uma notoriedade maior.
Sendo verdade que são cada vez mais os eventos dedicados à banda desenhada em Portugal, poucos são aqueles que conseguem trazer um lineup de autores internacionais. Assim de cabeça, julgo que os únicos eventos que o fazem de forma regular são o Amadora BD, o Festival de Beja e a Comic Con. E, claro, o Maia BD, que se conseguiu juntar a este lote, trazendo este ano uma dezena de autores internacionais.
Sem desprimor algum para os autores internacionais que estiveram presentes neste Maia BD 2024, cujas obras reconheço como dignas de louvor, parece-me apenas que, futuramente, talvez o evento precise de "nomes maiores", isto é, nomes que arrastem um maior número de adeptos de banda desenhada para o certame.
Nesta edição de 2024, só o nome de Alfonso Font me parece um autor de maior craveira internacional. Não tenho dúvidas nenhumas de que, na próxima edição, se a Organização conseguir três ou quatro nomes de um gabarito maior, o evento irá crescer ainda mais.
De qualquer maneira, e mesmo não sendo nomes tão “grandes”, gostei de ver a presença dos autores Martin Jamar, Mana Neyestani, Gaetan Brizzi, Taha Siddiqui, Evandro Renan, entre outros.
E, claro, em termos da presença de autores nacionais, o evento estava muito bem recheado. Eram mais de 20 os autores da nossa praça que marcaram presença no Maia BD!
O Programa de Apresentações
Também neste ponto, o evento foi bem pensado. O programa não era enorme, (sobre)carregado de apresentações, mas teve um número bastante relevante de apresentações de obras lançadas recentemente, de antevisões de obras que estarão para sair e com alguns debates que achei particularmente interessantes, como a conversa entre Jorge Pinto, Mana Neyestani e Taha Siddiqui ou o interessantíssimo painel com os autores portugueses que trabalham para o mercado americano de comics que incluiu uma bem disposta e reveladora conversa entre Bruno Caetano, André Lima Araújo, Daniel Henriques, Jorge Coelho e Miguel Mendonça.
Gostei especialmente que a Organização tenha concedido slots de 30 ou 45 minutos para cada uma das apresentações. Quando, noutros eventos, os slots de conversa são de 15 ou 20 minutos, parece-me que as apresentações/conversas acabam por ficar demasiado curtas e, consequentemente, superficiais. Com slots maiores, as apresentações tornam-se mais interessantes.
O Mercado de BD
O evento era composto por um mercado de banda desenhada no piso inferior. A oferta de BD lançada em Portugal estava, portanto, muito bem representada, com a presença de várias editoras nacionais ou lojas de BD, como a Dr. Kartoon ou a Convergência, que asseguraram que os visitantes poderiam encontrar qualquer título de banda desenhada que procurassem.
Admito que gostaria que este mercado de BD estivesse mais próximo do auditório e/ou da zona de autógrafos, pois acredito que isso beneficiaria as vendas das lojas ali presentes. Mas também compreendo que talvez a planta do espaço não permitisse colocar este Mercado da BD noutro local.
Pergunto-me se não seria possível ter este mercado na zona onde ficou colocada a exposição dedicada aos clássicos da literatura portuguesa em BD da Levoir, mas talvez esta opção não desse para a presença de tantas lojas, concedo.
A Comunicação
Lamento que não haja um site dedicado ao Maia BD que possa conter todas as informações relevantes para os visitantes, e acho que esse é um desafio para a próxima edição do evento.
Não obstante, não deixa de ser verdade que senti uma comunicação muito ativa e presente por parte da Organização do evento nas várias redes sociais do instagram e do facebook. E, lá está, talvez seja melhor ter redes sociais ativas do que ter um site se este não for user friendly ou atualizado constantemente.
E, nas redes sociais, a Organização do Maia BD mostrou-se pródiga no contacto com os potenciais visitantes. A imagem do evento foi publicada atempadamente, os autores que estariam presentes foram sendo divulgados com antecedência, bem como o programa de apresentações e as exposições patentes.
Mais uma vez, se sentiu uma boa dinâmica por parte da Organização.
Verifico que certos eventos têm uma comunicação ou atividade nas redes sociais algo “mosquinha morta”. E isso pesa em que não se crie um certo hype para o evento. Como pode a Organização de um certame entusiasmar o público, se ela mesma não parece estar entusiasmada através da sua comunicação? No Maia BD o entusiasmo em termos de comunicação é uma constante. E acho que, neste ponto, outros organizadores poderão tirar daqui bons exemplos.
As Atividades Paralelas
Como atividades paralelas, houve uma vibrante participação de cosplayers que, quer no espaço exterior, quer no Grande Auditório, se fez notar.
Como já disse há uns tempos, a propósito do Coimbra BD, acho que as atividades paralelas são oportunas para trazer mais visitantes ao festival que, dessa forma, tomam – ou podem tomar - contacto com a banda desenhada. Mesmo admitindo que a tribo do cosplay é, por ventura, algo fechada em si mesma, acho que estas atividades são uma boa iniciativa e que, quanto a mim, até permitem granjear um bom número de visitantes adicionais ao festival.
Nota positiva, ainda, para a projeção do filme O Rapaz e a Garça e de curtas de animação para famílias no sábado e domingo de manhã.
Parece-me que a ideia de projetar filmes de animação, se bem comunicada, pode ser uma forma de trazer pessoas ao evento, já que aqui ganham uma oportunidade de “ir ao cinema” sem gastar dinheiro, não esquecendo que o evento é de entrada livre.
No sábado à noite, e já depois do Maia BD fechar portas no Fórum da Maia, decorreu no bar Bocas Lounge Bar, a iniciativa “Drink and Draw”, que juntou autores e leitores, e que contou com um animado convívio e desenho de quem posou para os artistas.
Ótima iniciativa que torna ainda mais clara a boa vibe do evento e da sua Organização.
A Organização
E, por falar em Organização, tenho que dar aqui os devidos louvores a todas as pessoas que fazem parte do Maia BD. É certo que a tendência normal nos eventos nacionais dedicados à banda desenhada é que as Organizações tratam bem os seus convidados e visitantes.
No entanto, nunca é pouco realçar que, pelo menos quanto a mim, são as Organizações que fazem os eventos. Se o Festival de Beja é aquele evento quente, especial e de convívio agradável de que tanta gente gosta, isso deve-se às pessoas da Organização que são calorosas. Que sabem receber. Que sabem agradar. Tal como acontece no Coimbra BD, no Ilustra BD ou no LouriBD, por exemplo.
E o Maia BD não foge à regra. A equipa formada por Bruno Caetano, José de Freitas e Safaa Dib funciona de forma perfeita e viu-se que mergulhou de cabeça na organização deste certame. Senti em certa medida que havia ali "suor e lágrimas", por parte dos organizadores. E isso merece o meu respeito, pois só assim se consegue fazer mais e melhor.
Outra coisa que é importante realçar, é que há um profissionalismo na organização que torna o evento mais sério e bem conseguido sem que, com isso, se perca a proximidade entre organização, autores e leitores. E que maravilha isso é, pois faz com que o Maia BD se aproxime de eventos mais “corporate” – chamemos-lhe assim na ausência de melhor expressão – como o Amadora BD ou a Comic Con; mas, ao mesmo tempo, reúna as características de evento “friendly”, como o Festival de Beja, o Coimbra BD ou o LouriBD, que tanto apreciamos também.
Está, portanto, boa esta dualidade que o Maia BD apresenta!
Dentro da Organização, tenho que destacar também o Fernando – sempre disponível para qualquer coisa – e a Soraia Granja e o Tiago Veloso (de quem fiquei fã), que, juntamente com o Nuno Lourenço Rodrigues, a Carina Correia e o Diogo Carvalho me proporcionaram um dos jantares mais divertidos que tive em 2024. Obrigado, meus caros! Penso que só num evento com uma “vibe” tão positiva, simpática e descontraída, poderia acontecer um jantar assim. Ficou apenas a faltar uma visita à Roulotte da Susana - entendedores, entenderão.
Desafios e Coisas a melhorar nas próximas edições
Olhando para o Maia BD, que vai ainda na segunda edição, é incrível o potencial que o evento tem. O próprio "esqueleto da coisa", por assim dizer, já parece bastante sólido.
Se não, vejamos: é o único evento dedicado à banda desenhada no norte do país. (Bem, a Comic Con este ano voltou a ser feita no norte do país, eu sei, mas também não considero que seja “um evento dedicado à BD”, mas antes “um evento que também tem BD”).
Além desta valência, o Maia BD tem boas acessibilidades, tem um bom espaço físico, tem uma boa programação, tem uma equipa na organização bastante dinâmica e tem excelentes exposições. Portanto, isto já são dados assegurados e importa apenas mantê-los em edições futuras.
Que pontos há, então, a melhorar?
Tenho apenas três sugestões:
1) Bem, o ponto nevrálgico, a meu ver, é que o festival consiga dois ou três nomes internacionais ainda mais relevantes (quando falo em "relevância" refiro-me a relevância comercial e não à relevância artística, está claro) que consiga alavancar a força do festival.
2) Pareceu-me também que, mesmo não podendo usufruir da centralidade de estar em plena cidade do Porto, o Maia BD pode e deve conseguir atrair mais visitantes da grande área metropolitana da segunda maior cidade do país. Matosinhos, Póvoa de Varzim, Vila Nova de Gaia, Vila do Conde, Gondomar, Espinho, Famalicão e a própria cidade do Porto... são muitas as localidades relativamente próximas das quais é necessário atrair ainda mais público.
Embora fossem visíveis vários banners e outdoors na cidade da Maia, não tenho ideia se houve este tipo de comunicação na cidade do Porto, ou mesmo nos jornais locais. Uma promoção junto de todas as escolas de toda esta área metropolitana também poder ser benéfica para atração de mais público. Quanto a mim, é algo pelo qual a Organização se deve bater nos próximos anos.
3) Há ainda a questão da proximidade de calendário entre os eventos Maia BD e Festival de Beja. E, bem, talvez isto não seja apenas uma questão a ver pela Organização do Maia BD, mas sim, de forma conjunta, com a Organização do Festival de Beja.
Estes eventos são muito próximos em termos de calendário, estando separados apenas por duas semanas. E, atenção, enquanto leitor, não me incomoda nada que os eventos sejam próximos entre si. Não é para o leitor que isto é uma coisa negativa… é para a(s) própria(s) organização(ões) do(s) evento(s). São elas que mais perdem – em termos de presença de público – por parte desta proximidade na calendarização dos certames. Uma fatia significativa do público, se for a um dos eventos, já não pode/quer ir ao outro.
Como tal, julgo que seria positivo – para todos os envolvidos – se se conseguisse distanciar os dois eventos no calendário. O Maia BD poderia ser uma ou duas semanas mais cedo – mesmo sendo em Maio – e o Festival de Beja poderia ser uma ou duas semanas mais tarde – mesmo sendo em Junho. É claro que sei bem como é fácil estar aqui a “mandar postas” para o ar. Se calhar, este também é o desejo das equipas que organizam estes eventos, mas que se veem forçadas, por uma questão de disponibilidades do Município, a ter que fazer na única altura que lhes dão para fazer o festival. E, claro está, é sempre melhor que existam festivais de BD, mesmo que aconteçam todos na mesma data, do que não os ter de todo. Havendo possibilidade para negociar estas datas junto das autarquias, parece-me que seria benéfico para todos. Não havendo possibilidade, tudo bem.
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Em suma, o Maia BD foi uma experiência fantástica, plena de boas atividades para quem é adepto de banda desenhada, organizadas por uma equipa dinâmica, acessível e calorosa. Se ainda não foram a nenhuma das duas edições deste festival de banda desenhada, façam já um “save the date” para a próxima edição de 2025! Parabéns à Câmara Municipal da Maia e à equipa que organizou este certame!
Como é que é possível escrever uma crítica sem se começar por dizer que se foi pago para lá ir na qualidade de “autor”? Não é um conflito de interesses que o leitor da “crítica” deva ter conhecimento?
ResponderEliminarNão sei. O que lhe parece, cara anónima? Viu alguma referência à minha obra "Muitos Anos a Virar Páginas" no artigo? Fui lá como autor, sim. Mas também estive como visitante. E é esse o propósito deste texto. Se fosse pago para opinar enquanto visitante, talvez o seu comentário fosse legítimo. Assim, é só parvo. E, já agora, para que conste, deixo claro que não houve nenhum cachet, mas sim ajudas de custo para a deslocação de autores. Transparente o suficiente?
EliminarNão percebi, se o autor teve ajudas de custo como é que o visitante chegou ao festival?
EliminarCaro HugoPinto.Autor, é fácil! Claramente, o autor chegou ao evento com as ajudas de custo. Depois foi para casa, dando por terminada a sua participação. No dia seguinte, o visitante foi ao festival com dinheiro do próprio bolso.
EliminarPara o ano, vamos conhecer a Susana. 😅
ResponderEliminarTem que ser!
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