Há poucas semanas a G. Floy Studio editou o quinto e último volume da série Moonshine, da autoria dos incontornáveis autores Brian Azzarello e Eduardo Risso. O que acabou por ser razão mais que pertinente para que eu lesse de enfiada toda a série que esta dupla, célebre pela série 100 Bullets, nos deu.
Confesso que tinha altas expetativas – e isso até pode ser, a priori, um erro de cálculo meu – para este Moonshine. E sendo verdade que a história traçada por Azzarello tem os seus bons momentos, confesso que ficou bastante aquém das minhas esperanças.
Moonshine é um policial noir, com contornos de horror, que lida com gangsters, a Lei Seca dos Estados Unidos – que acabou por gerar uma enorme operação de contrabando – e… lobisomens. Sim, lobisomens. Se parece que “não bate a bota com a perdigota”, deixem-me dizer-vos que é na dualidade desta premissa de, por um lado, situar a ação num período da história dos Estados Unidos da América e, por outro, introduzir o elemento fantástico dos lobisomens (e não só), que esta série mais se distancia das demais. Daquelas que versam sobre gangsters e daquelas que tratam o tema dos lobisomens, entenda-se.
Ora, apresentada a premissa, resta-nos ver se a mesma funciona bem.
Lou Pirlo é um gangster que trabalha para um poderoso mafioso que lucra com o tráfico de bebidas alcoólicas e que pede a Lou que este viaje de Nova Iorque aos confins das paisagens rurais da Virginia para comprar uma bebida feita por Hiram Holt que, ao que parece, é o melhor "moonshine" ("álcool caseiro", chamemos-lhe assim) de que já se ouviu falar. Incumbido dessa tarefa, o protagonista Lou Pirlo lá trata de meter pernas a caminho.
Mas assim que chega a Virginia, as coisas não correm como planeado e Lou Pirlo acaba por dar de caras com um lobisomem que parece atacar quem quer que interfira nos negócios de Hiram Holt. Esta figura vai acabar por mudar a vida do protagonista. Este conhece, entretanto, Delia com quem inicia um romance. Entre perseguições e luta entre a família dos Holt, o seu chefe Joe, o lobisomem e até bruxas e zombies, Lou terá muito com que lidar nesta aventura. E, para juntar a isso tudo, o protagonista também tem perdas de memória que, mesmo permitindo os melhores momentos de texto, em off, de Azzarello, acabam por acrescentar mais incertezas à contenda narrativa.
A história acaba, portanto, por ser muito confusa inicialmente. E deixem-me dizer-vos que não me parece que tal aconteça por ser um “truque narrativo” de deixar o leitor cheio de questões e a suspirar por respostas, mas sim porque as ideias de Azzarello vão sendo introduzidas na trama de modo algo aleatório e sem grande cabimento ou sequência lógica. O que torna a leitura um pouco frustrante para o leitor.
O horror aqui presente nunca se mistura verdadeiramente com o crime, e apenas aparece quase como uma distração da história principal.
Como este é um “guisado” com vários conceitos em paralelo, como o lado urbano dos gangsters na Lei Seca, o lado rural dos fabricantes de bebidas alcoólicas, o lado da história sobrenatural dos lobisomens, o lado do protagonista que tem perdas de memória, o tema da bruxaria vudu… enfim… parece que o leitor passa os cinco volumes à espera de algum élan ou momento apoteótico que, infelizmente, quando chegamos ao final do quinto e último volume da série, acabam por não ser encontrado. Quanto a mim, a história de Moonshine é demasiado dispersa em si mesma e acaba por persistir a ideia de que não estamos perante uma má história ou más ideias, mas sim perante uma história em que as ideias e a sequência da mesma não conseguem passar da mediania por ausência de foco e/ou de boa ligação entre os vários elementos da trama.
A forma como o autor nos relata a vertente mais policial da história pode fazer-nos lembrar algumas obras de Ed Brubaker, como Criminal, The Fade Out ou Reckless, mas, diria que a qualidade do texto, o encadeamento dos eventos e a gestão da trama, fica muito aquém daquilo que Brubaker consegue fazer.
Há que dizer, no entanto, que a partir do quarto volume, Embarrilado, Moonshine começa a encontrar-se mais a si mesma. As coisas deixam de ser tão aleatórias e a história acaba por se focar mais no que interessa verdadeiramente. Diria, portanto, que para quem não conhece a série e a quer experimentar, que o deve fazer logo com o volume 4. Se gostar, lê a série toda. Se não gostar do volume 4, dificilmente gostará do restante que Moonshine tem para nos dar.
As ilustrações de Eduardo Risso estão muito em linha com aquilo que o autor já nos habituou nas séries 100 Balas ou Eu, Vampiro. Traço simplista, por vezes a parecer arcaico e com pouco profundidade visual, mas que tem uma expressividade inequívoca. Destaco ainda que gostei bastante de alguns desenhos onde o autor brinca com os contrastes e as sombras de forma mais acentuada, lembrando-nos séries como Sin City, de Frank Miller.
Por vezes, geralmente no início de cada capítulo, há momentos muito bons que dizem respeito aos flashbacks/pensamentos soltos da personagem principal. Aqui, quer em termos de desenho, quer em termos de cores, temos Eduardo Risso ao seu melhor nível. Se estes momentos são os mais impressionantes e que mais nos ficam na memória, acabam também por nos deixar uma sensação agridoce pelo simples facto do resto da série não ser toda desenhada com esta técnica mais aprimorada e bonita.
O único ponto mais negativo nas ilustrações que importa assinalar é que há várias personagens que se assemelham umas às outras. Por vezes, dei comigo a ter que voltar atrás na leitura para perceber quem era, de facto, determinada personagem, já que as parecenças com outra(s) personagem(ns) eram demasiado grandes.
Em sentido inverso, um destaque positivo deve ser dado à planificação dinâmica de Risso que dá à serie o ritmo que, infelizmente, o argumento não consegue oferecer.
Quanto à edição da G. Floy Studio, estamos perante mais um belo trabalho: capa dura, papel brilhante de boa qualidade, boa encadernação, boa impressão. Nota ainda para o facto dos volumes 1 e 2 incluírem galerias com capas alternativas bem bonitas.
Em suma, e a julgar por um certo entusiasmo que vi em relação a esta série (e sublinho que até fico sempre feliz que qualquer que seja a série de bd, consegue gerar entusiasmo) tenho que dizer que fiquei algo desiludido com Moonshine. Tem boas ideias, tem alguma originalidade e tem algumas belas ilustrações de Risso. Mas tem também um argumento que anda demasiadamente "aos tropeções" até, pelo menos, ao quatro volume da série. A partir daí a coisa melhora bastante, mas será por ventura tarde demais para salvar a série e fazer dela aquilo que poderia ter sido.
NOTA FINAL (1/10):
6.8
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Moonshine #1 – Sangue e Whisky
Autores: Brian Azzarello e Eduardo Risso
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 18 x 27,5 cm
Lançamento: Setembro de 2018
Autores: Brian Azzarello e Eduardo Risso
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 18 x 27,5 cm
Lançamento: Agosto de 2019
Autores: Brian Azzarello e Eduardo Risso
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 120, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 18 x 27,5 cm
Lançamento: Maio de 2021
Autores: Brian Azzarello e Eduardo Risso
Editora: G. Floy Studio Portugal
Páginas: 120, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 18 x 27,5 cm
Lançamento: Fevereiro de 2022
Autores: Brian Azzarello e Eduardo Risso
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 18 x 27,5 cm
Lançamento: Julho de 2022
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