terça-feira, 5 de novembro de 2024

Análise: Heartbreak Hotel


Heartbreak Hotel, de Micol Arianna Beltramini e Agnese Innocente

Uma das obras mais recentemente editadas pela ASA é este Heartbreak Hotel, das autoras italianas Micol Arianna Beltramini e Agnese Innocente, numa banda desenhada destinada a um público mais jovem, a partir dos 14 ou 15 anos. Se a proposta é interessante e a capa é verdadeiramente apetecível, daquelas que, logo à partida, já quase vendem o livro, a obra apresenta várias lacunas e boas ideias mal aproveitadas que, infelizmente, fazem com que este seja um livro olvidável.

Com um título que nos remete para um dos primeiros clássicos do "Rei do Rock", Elvis Presley, Heartbreak Hotel é uma história dividida por quatro capítulos - com quatro subnarrativas aparentemente independentes entre si - e que se centra naquele período de tempo em que ficamos com o coração partido. Especialmente, no tempo da adolescência, é algo mais ou menos comum com toda a gente. E quando o nosso coração, por uma ou outra razão, é partido, há um período de tristeza, de um certo "luto", em que temos que, da melhor forma que conseguirmos, tentar ultrapassar a situação. Se para tal privação contarmos com o apoio de amigos ou familiares, melhor.

Em Heartbreak Hotel este período de tristeza é-nos revelado metaforicamente através de um espaço concreto. Um hotel. Um sítio para recuperar corações despedaçados. É claro que o "sítio" em questão é abstrato, representando mais um estado de alma do que um sítio propriamente dito. Todavia, e sempre dentro da metáfora, o leitor mergulha nesse espaço juntamente com as várias personagens que a ele vão parar. 

A primeira história é centrada em Maya, uma jovem adolescente, que está apaixonada pela sua melhor amiga, Laura. Mas Laura arranjou um namorado, o que deixa a sua amiga ciumenta e a achar que não terá hipóteses para um relacionamento amoroso. Mas quando, numa festa, Laura beija Maya, esta volta a ter esperanças. Contudo, são esperanças que saem goradas, já que Laura desaparece da vida de Maya.

A segunda história acompanha Martino, um rapaz homossexual que se sente uma pequena minoria na cidade onde vive, pois há poucas pessoas como ele, sendo-lhe portanto difícil encontrar um rapaz que possa ser seu namorado. Desenvolve depois uma paixão algo platónica por um "bad boy", que segue no Instagram. Mas acaba por ser rejeitado e gozado.

No terceiro capítulo, acompanhamos a história de três jovens que são amigos desde a infância: Dani, Eva e Fiona. Já na adolescência, Dani começa a namorar com Fiona, o que deixa Eva ciumenta. Entretanto, as duas raparigas vão para uma escola de ballet onde acabam por ver nascer uma rivalidade entre ambas. Como se não bastasse, Fiona recebe uma foto do seu namorado, Dani, em momento íntimos com a sua amiga Eva. É uma história interessante, fortemente inspirada no filme Cisne Negro, mas que aparece aqui um bocado desenquadrada face aos restantes capítulos. É lógico que também há aqui uma situação de "coração partido", comum às outras histórias, mas a ligação desta personagem às demais é mais forçada. Bem, também a segunda história aparece desenquadrada, para ser sincero.

Finalmente, no quarto capítulo temos uma história, também interessante, de um casal de namorados cuja relação termina de forma dramática, com o rapaz a sentir um forte peso na consciência por perder a sua namorada. Este quarto capítulo liga bem os pontas com a primeira história, acrescentando-lhe uma nova linha de interpretação. Ao contrário das histórias que lemos pelo meio, onde a trama se espraiou de forma por demais anárquica, aqui sentimos um certo encerramento do enredo que é bem-vindo, acrescentando alguma unidade à obra.

Em termos de argumento, este Heartbreak Hotel apresenta boas ideias, mas que se revelam aleatórias, pois tudo parece feito de forma algo atabalhoada, como se o enredo tivesse sido construído de forma remendada. Fica no ar a ideia de que a história principal, a primeira, que é aquela que ocupa mais páginas, foi depois desenvolvida de um modo um bocado forçado em demasia só para fazer número. É, pois, por isso, que a segunda e a terceira histórias são totalmente independentes da trama principal, o que faz com que os objetivos da leitura se percam um bocado, desviando desnecessariamente a atenção do leitor. Ou todas as histórias seriam demarcadamente independentes entre si ou, sendo dependentes, deveriam ter uma orgânica mais interessante entre umas e outras, parece-me.

A própria parte mais abstrata em que as personagens ficam a curar as suas mágoas no supramencionado "hotel" também me parece menos inspirada, com monólogos menos bem conseguidos, com as personagens a serem acompanhadas por umas mascotes que eram dispensáveis, ficando mais uma vez no ar a ideia de que todo o enredo é insuficientemente desenvolvido e demasiado aleatório. Por falar em aleatoriedade, há depois diversas referências ao mundo criado por Lewis Carroll, em Alice no País das Maravilhas, ou, conforme já referido, ao O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky, mas todas estas referências não são mais do que isso: referências gratuitas. 

E o que me deixa um pouco mais desapontado com a obra é que a mesma até tinha boas ideias em cada uma das suas histórias. Há pormenores bem conseguidos em cada um dos quatro contos. Se cada uma destas histórias fosse mais bem desenvolvida, poderia ter dado origem não a um, nem a dois, mas a três bons livros. Mas, infelizmente, ficou-se pela rama. Querendo, por ventura, dar um passo maior do que a perna, desequilibrou-se. Se há alturas em que podemos dizer: "menos é mais" este é um exemplo disso. Se este conselho tivesse, aliás, sido dado atempadamente à argumentista deste livro, era provável que o livro tivesse sido mais bem sucedido. 

Em termos de ilustração, o trabalho de Agnese Innocente encaixa bem no tipo de história que temos em mãos. Os seus desenhos são simples, mas as personagens são cativantes e criam empatia no leitor devido ao recurso de um bom trabalho de expressões, pese embora, as personagens de Maya e Martino sejam demasiadamente difíceis de distinguir.

A utilização da cor por parte de Agnese Innocente é bastante bem conseguida, dotando as ilustrações de uma suavidade e de uma harmonia que tornam a experiência agradável e leve, mesmo que estejamos perante histórias melancólicas e tristes. Quando estamos a acompanhar as quatro histórias, são-nos dadas paletas de cores mais coloridas, enquanto que quando as personagens se encontram a "lamber as feridas", no hotel, a paleta de cores torna-se compreensivelmente menos colorida, imperando uma cor em concreto.

A edição da ASA apresenta capa dura baça, bom papel baço e um trabalho bem conseguido a nível de impressão e encadernação.

Em suma, a ASA tem acertado em tantas boas obras de BD ultimamente que também é natural - e compreensível - que alguns tiros saiam um pouco ao lado no que à qualidade diz respeito. E não é que este Heartbreak Hotel não tenha ilustrações agradáveis ou que não haja boas ideias no argumento, simplesmente a história acaba por ser mal urdida desperdiçando essas mesmas boas ideias.


NOTA FINAL (1/10):
6.5 




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Ficha técnica
Heartbreak Hotel
Autoras: Micol Arianna Beltramini e Agnese Innocente
Editora: ASA
Páginas: 208, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 242 x 159 mm
Lançamento: Outubro de 2024

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