As inúmeras chancelas do gigante editorial Penguin Random House têm vindo a publicar, cada uma com base no público a que se destina, várias obras de banda desenhada.
Uma dessas chancelas é a Nuvem de Letras que, tendo uma oferta mais direcionada para um público infantil, editou recentemente este Julieta Pirueta, dos autores italianos Brian Freschi e Elena Triolo.
O livro conta a história de Julieta, uma menina que, juntamente com a sua mãe e o seu irmão, vai mudar de casa, o que pressupõe uma alteração de escola e o contacto com novos professores e crianças. Mas esse até nem é o grande problema de Julieta. O seu problema é que toda a gente à sua volta faz um qualquer desporto, mas ela, parece não ter vocação para nenhum.
E embora a sua mãe a coloque a fazer quase todos os desportos - vólei, atletismo, ténis, tiro com arco, basquete, escalada, bowling, golfe, artes marciais, natação... - Julieta revela-se desastrada e sem queda para o desporto, metendo-se em situações caricatas que, mesmo com a personagem a ser divertida e descomplexada - lhe causam algum desconforto.
É uma história leve e positiva sobre a tentativa forçada de uma criança em tentar, sem sucesso, todos os desportos até, finalmente, descobrir o ballet enquanto paixão e forma de expressão física e artista. Nem sempre as crianças querem fazer aquilo que os pais querem que elas façam. E, portanto, gostei especialmente da ideia inerente à obra de que é comum que os pais das cidades mais ocidentais incutam, por vezes de uma forma exagerada, a prática de um desporto nos seus filhos. Não é que o desporto não seja saudável e uma ótima forma de desenvolvimento físico e psicológico para crianças e adolescentes, mas também não deve ser algo obrigatório, que uma pessoa tenha que, mandatoriamente, fazer. Há pessoas que simplesmente não apreciam e não se sentem à vontade a fazer desporto. Especialmente o desporto que os pais lhes querem impingir. E haver crianças que não façam desporto não quer dizer, pelo menos taxativamente, que não sejam crianças saudáveis. Acho que esse ponto está bem conseguido no livro e é-nos dado com o recurso a algumas peripécias divertidas que revelam bem o quão não toldada para a prática desportiva Julieta parece ser. E é no ballet que a protagonista encontra a sua vocação. Infelizmente, o ballet é algo que lhe está expressamente proibido pela mãe, o que fará Julieta praticar às escondidas.
Em termos de argumento, há algumas coisas que não se tornam claras e que, naturalmente, e tendo especialmente em conta que estamos perante numa leitura direcionada a um público mais jovem, deveriam ter sido respondidas para melhor compreensão da obra. Ou melhor desenvolvidas. Por exemplo, fica-se sem perceber porque é que o pai de Julieta se encontra noutra cidade, afastado da sua família, embora isso seja bastantes vezes mencionado na narrativa. Aparentemente, um leitor adulto deduzirá que houve um divórcio entre os pais de Julieta. Mas para uma criança que leia ao livro, a questão é tratada muito de soslaio.
Também fica demasiadamente à superfície o porquê da mãe da protagonista ser tanto contra a prática do ballet, quando a ideia que a história dava era que a mãe apenas queria que Julieta fizesse alguma coisa. Como o pai de Julieta é músico podemos - os adultos - indagar que talvez a mãe de Julieta não queira que a filha ande no ballet por ser uma prática artística que a remete para as lembranças que tem do seu ex-marido, que é músico. No entanto, Julieta acaba por ter aulas de guitarra, o que parece não irritar tanto a mãe tanto como as aulas de ballet... E isto acaba por causar uma certa incoerência no enredo que, sendo direcionado a um público infantil, deve ser mais escorreito.
Enfim, se estas questões tivessem sido melhor respondidas, a obra teria outra profundidade e uma maior coerência. Assim, acaba por navegar muito à superfície, mesmo para uma obra destinada a um público mais infantil. É claro que, sendo uma série que está pensada para novos episódios, é natural e expectável que algumas das questões que ficam por responder, como a questão da ausência do pai, venham a ser atendidas futuramente. Mesmo assim, não deixa de ser verdade que a história poderia ser mais bem construída por parte do argumentista Brian Freschi.
Já os desenhos de Elena Triolo são simples e apelativos, encaixando bem nesta história leve. Apresentando um traço linear, "cartoonesco" e aparentemente rápido, a autora oferece-nos personagens cativantes e bastante expressivas, com quem é fácil criar empatia. As cores também contribuem para o aspeto agradável da obra. Estamos perante um trabalho bastante coerente e bem-vindo na vertente visual.
A edição da Nuvem de Letras é em capa mole baça com badanas. No miolo, encontramos bom papel baço e um bom trabalho no cômputo da impressão e da encadernação.
Em suma, Julieta Pirueta é um banda desenhada infantil interessante e que pode criar o "bichinho da BD" nos mais novos, muito embora o seu argumento pudesse ser mais bem construído e mais bem desenvolvido - mesmo tendo em conta, ou especialmente tendo em conta, que é um livro direcionado aos mais pequenos.
NOTA FINAL (1/10):
6.8
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Julieta Pirueta
Autores: Brian Freschi e Elena Triolo
Editora: Nuvem de Letras (Penguin Random House)
Páginas: 184, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 150 x 213 mm
Lançamento: Setembro de 2024
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