A Iguana, uma chancela do grupo editorial Penguin Random House, publicou há poucas semanas o novo livro de Joana Mosi que dá pelo (curioso) nome de A Educação Física. E ainda antes de falar do novo livro, uma nota tenho que dar: parece-me de relevância o facto da Iguana ter vindo, cada vez mais, a apostar "mais a sério" em banda desenhada. Com efeito, de ano para ano se vê, por parte deste Grupo, a aposta em nova banda desenhada. E até com um especial ênfase em autores nacionais.
Desta feita, o novo recrutamento nacional incidiu em Joana Mosi, uma autora com provas dadas em várias das suas obras. Relembro até que o seu último livro, O Mangusto, editado pel' A Seita, recebeu dois VINHETAS D'OURO de uma só vez (Melhor Obra de Autor Nacional e Melhor Argumento de Autor Nacional) no ano passado.
Concentrando-me então neste A Educação Física, nota-se que Joana Mosi, talvez sem encantar, mas também sem desiludir, consegue oferecer-nos uma obra coesa e que assinala bem o quanto a autora (e, por ventura, o próprio mercado nacional?) tem amadurecido desde o seu início. Eis uma obra que não sendo, em teoria, comercial, acaba por ter um forte apelo comercial.
Parece esta afirmação incoerente? Explico melhor, então: acredito que talvez Joana Mosi não seja uma autora com a capacidade de agradar a todos os públicos - especialmente aos leitores de banda desenhada mais clássica - mas, por oposição, também tem o potencial de chegar a um outro público de banda desenhada, trazendo novos leitores para o género.
Goste-se mais ou menos, uma coisa é certa: Joana Mosi tem vindo a sedimentar a sua forma de contar uma história em banda desenhada, parecendo a autora estar num momento em que encontrou o seu estilo próprio, a sua forma de comunicar. Quer no tipo de história, quer no tipo de ilustração, Joana Mosi tem vindo, pois, a estabilizar o seu modus operandi. Se, por um lado, talvez isso faça com que este A Educação Física não tenha assim tanto de novo, face àquilo que a autora nos deu em O Mangusto, por outro lado, faz com que ambas as obras também acabem por ser leituras complementares. Quem adorou o anterior livro certamente apreciará esta nova empreitada.
Quanto mais não seja porque a autora volta a dar-nos, bem ao jeito de outros autores nacionais, como Bernardo Majer, Joana Estrela ou Ana Pessoa, uma história moderna, bem ambientada nas crises existenciais do nosso tempo e especialmente experienciada por millennials. É por isso que considero que este A Educação Física é de e para millennials. Essa geração de relações pessoais mais casuais, de trabalhos mais precários, inundada por tecnologia e redes sociais, e que vive à mercê de um certo embate brusco com uma realidade que, não sendo trágica do ponto de vista político-social, também não parece trazer uma felicidade muito plena. Mas o que é, pergunto eu, uma felicidade plena?
A Educação Física centra-se na personagem de Laura que, tendo recebido uma bolsa, se vê com dificuldades de inspiração para escrever o seu novo livro. Além de toda esta batalha criativa interna, a existência de Laura também é pautada por outras atividades quotidianas e idiossincrasias que dão cor e vida à personagem. A casa dos avós precisa de ser esvaziada e arrumada e o seu namorado, que vê apenas de quando a quando, é um homem casado com outra mulher. Além de tudo isto, ir ao ginásio - pelo qual se paga uma mensalidade - passou a ser um objetivo de Laura e das suas amigas quando, na verdade, nos tempos de adolescente, a aula de educação física - gratuita - era a que menos Laura e as amigas apreciavam. Há, pois, um certo vazio, um certo descontentamento, um certo sentimento agridoce na passagem da idade adolescente para a primeira idade adulta. E isso está impregnado um pouco por todo o livro, revelando uma obra algo resignada e onde ficam a pairar no ar certas pistas reveladoras de possíveis notas autobiográficas na obra.
Mesmo assim, o estilo da obra é slice of life, procurando - mais do que tirar ilações diretas e rápidas - fazer o leitor refletir apenas pela observação direta destas personagens. Sem juízos ou sem sermões. Como se a obra também fosse um espelho refletor de uma nova geração. E diria que essa é uma das boas valências desta obra.
Uma nota para o ritmo, lento, onde, mais uma vez, a autora parece especialmente dotada, fazendo a leitura - e, por conseguinte, o leitor - bailar ao ritmo lento que interessa à autora, através de frames, de pinceladas nos pormenores que habitam a história que é montada através de uma planificação propositadamente anárquica.
Em termos de desenho, o que merece mais destaque pela positiva é um certo erotismo, conseguido com vários planos próximos de detalhe que nos remetem para o melhor que o autor Bastien Vivès já nos ofereceu nas suas obras. Infelizmente, estes momentos até não são muito frequentes. O que me deixa até a pensar que adoraria, numa oportunidade futura, ver um livro de cariz demarcadamente mais erótico por parte de Joana Mosi, já que a autora consegue transpor para as suas pranchas pequenos fragmentos e vislumbres de imagens belas do corpo das personagens que se alojam na nossa memória.
Mesmo assim, o estilo rápido, circunspeto a simplistas e lineares traços, onde, em certos casos, as personagens nem apresentam boca, olhos ou narizes, torna a experiência abstrata e por vezes um pouco mais vazia do que o desejável. Nuns casos funciona bem, centrando a atenção do leitor nos tais detalhes que já mencionei. Mas noutras situações admito que gostaria de ver um maior aprimoramento dos desenhos. Até porque, não esqueçamos, a autora já revelou ter esses skills técnicos em algumas das suas primeiras obras em BD.
A edição da Iguana é em capa mole baça com badanas. No miolo, o livro apresenta papel brilhante. Tendo em conta o estilo de ilustração da autora, não me parece que esta tenha sido a melhor opção. Acredito que um papel mais baço teria servido melhor o trabalho de Joana Mosi. Mas talvez seja uma questão subjetiva. De resto, o livro apresenta um bom trabalho ao nível de impressão e encadernação.
Em suma, A Educação Física é a confirmação da voz criativa de Joana Mosi num bom livro de banda desenhada que mesmo podendo (e devendo) não agradar ao leitor de BD mais clássica, terá o condão de apelar a novos leitores. O que é bom. Precisamos de uma banda desenhada nacional heterogénea e que chegue ao maior número possível de pessoas. E a obra de Joana Mosi terá a sua responsabilidade nessa batalha.
NOTA FINAL (1/10):
8.0
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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A Educação Física
Autora: Joana Mosi
Editora: Iguana (Penguin Random House)
Páginas: 176, a preto e branco (com algumas páginas a cores)
Encadernação: Capa mole
Formato: 170 x 240 mm
PVP: Outubro de 2024
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