segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Análise: O Fato Novo do Sultão

O Fato Novo do Sultão, de André Morgado e Luiza Strauss - Levoir e RTP

O Fato Novo do Sultão, de André Morgado e Luiza Strauss - Levoir e RTP
O Fato Novo do Sultão, de André Morgado e Luiza Strauss

De todos os livros que a Levoir já lançou na sua coleção de Clássicos da Literatura Portuguesa em BD - e que eu tive oportunidade de ler - este O Fato Novo do Sultão, do português André Morgado e da brasileira Luiza Strauss, que adaptam para banda desenhada a obra homónima de Guerra Junqueiro, é dos livros que se apresentam mais diferentes dos demais. Para o bom e para o mau.

Comecemos, naturalmente, pelo "bom". 

Quer em termos de história, que já no seu texto original era bastante simples, quer em termos de desenhos, este livro não tem pudor (e por que razão haveria de ter pudor?!) em ser totalmente endereçado a um público jovem. Melhor dizendo, a um público infantil.

O Fato Novo do Sultão, de André Morgado e Luiza Strauss - Levoir e RTP
Assim que abrimos o livro e somos confrontados com os desenhos de Luiza Strauss, que são expressivos, coloridos e muito simplistas, parece que somos automaticamente levados para o universo da infância. Os traços são lineares, os pormenores são parcos e as expressões e linguagem corporal das personagens são "cartoonescas". Tudo de (muito) fácil absorção.

Nesse sentido, também o argumento de André Morgado se apresenta escorreito, simples e funcional, cumprindo bem com os seus intuitos de resumir e adaptar o texto de Guerra Junqueiro que consiste numa sátira política, onde o humor afiado do autor critica a monarquia e os poderes estabelecidos no Portugal da época, em finais do século XIX.

Nesse tempo, Portugal vivia um período de especial instabilidade, com o fracasso do modelo político monárquico a tornar-se evidente para muitos intelectuais, incluindo Junqueiro, que se identificava com as ideias republicanas e liberais. O autor utiliza, pois, a alegoria do "fato novo" para criticar a superficialidade e as falsas aparências que caracterizavam a monarquia. Na verdade, a narrativa criada por Guerra Junqueiro remete à famosa história infantil As Roupas Novas do Imperador, de Hans Christian Andersen, em que um governante é ludibriado por falsos alfaiates que o convencem de estar vestido com um traje magnífico, quando, na verdade, ele está nu. Junqueiro adaptou esta alegoria para satirizar a figura do rei português e, mais amplamente, o sistema político da monarquia portuguesa, que, na sua visão, se baseava em ilusões e enganos. 

O Fato Novo do Sultão, de André Morgado e Luiza Strauss - Levoir e RTP
E sendo claro que, nesta versão para banda desenhada, a mensagem original está lá bem visível, a sua apresentação é feita de forma leve e simples, não imergindo muito o leitor em questões mais densamente politizadas. Por falar em leitor, enquanto que as outras obras contidas nesta coleção me parecem mais adequadas para um público adolescente e, noutros casos, adulto, este O Fato Novo do Sultão parece-me para um público mais infantil ainda. Imagino que o público adolescente, bem como o adulto, talvez considere esta obra demasiado simplória.

O que me leva ao lado "mau" da obra.

É que, com efeito, este O Fato Novo do Sultão talvez seja curto para voos mais altos ou para chegar a um maior público. É simples, resume a história à sua essência e é de fácil apreensão, sim, mas também não ousa ir mais longe do que isso, sendo algo unilateral na sua abordagem à obra de Guerra Junqueiro. E as próprias ilustrações de Luiza Strauss - que nem sequer são más - parecem apenas cumprir com os mínimos olímpicos. 

O Fato Novo do Sultão, de André Morgado e Luiza Strauss - Levoir e RTP
E, lá está, mesmo aquela narrativa que diz que "o simples é mais adequado para os mais novos" também peca por ser redutora. É que, como são vários os exemplos, há muitas obras direcionadas para os mais novos que estão cheias de detalhes e que são esculpidas com o maior dos rigores. É quase como achar que a música pop "tem que ser" simples na sua estrutura e conceção. Poderá sê-lo, claro, mas não é mandatório que o seja. Vão ouvir o Michael Jackson, para verem como a música pop pode ser ricamente complexa. Também na BD isso acontece: há obras que são para crianças, mas que, quando lidas por um público mais adulto, ganham novos e mais profundos significados. Ou ilustrações que funcionando bem para os mais novos, são feitas com um detalhe incrível.

Ou seja, e dito por outras palavras, este O Fato Novo do Sultão cumpre, sim, mas apenas para um público (bastante) mais novo, já que não há grande alcance da obra para um público mais adulto ou mesmo adolescente. Olhando para o copo "meio cheio" também considero justo afirmar que este é um livro que deveria figurar nas "bibliotecas de turma" das escolas primárias do país. Há muita falta de banda desenhada para um público entre os 6 e os 9 anos - especialmente de origem nacional - e, tendo isso em vista, o lançamento deste O Fato Novo do Sultão é bem-vindo.

A edição da Levoir é em tudo igual à dos outros livros da coleção. Apresenta capa dura baça, bom papel brilhante no interior e uma boa encadernação e impressão. No final, há um bom dossier de extras que permite ao leitor saber mais acerca da obra, do autor e do contexto histórico da mesma.

Em suma, O Fato Novo do Sultão é uma daquelas bandas desenhadas claramente destinadas a um público mais infantil que, não perdendo nunca esse propósito de vista, acaba por fazer um belo trabalho, possuindo um simples mas eficaz desenho de Luiza Strauss e um igualmente simples mas eficaz argumento de André Morgado. No entanto, é uma obra que se torna quiçá insuficiente para um leitor mais experiente ou exigente.


NOTA FINAL (1/10):
6.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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O Fato Novo do Sultão, de André Morgado e Luiza Strauss - Levoir e RTP

Ficha técnica
O Fato Novo do Sultão
Autores: André Morgado e Luiza Strauss
Adaptação a partir da obra original de: Guerra Junqueiro
Editora: Levoir
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 285 mm
Lançamento: Junho de 2024

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