Foi há uns meses, e também a propósito da vinda a Portugal do autor espanhol Alfonso Font, para participar no festival de banda desenhada Maia BD, que a Arte de Autor lançou, em edição integral, o livro Jon Rohner, em que Font é argumentista e desenhador.
Jon Rohner é uma série de BD, publicada originalmente durante a década de 80, que se centra nas aventuras marítimas da personagem Jon Rohner, um aventureiro e marinheiro que explora ilhas remotas e territórios exóticos, enfrentando os desafios da natureza, perigos humanos e situações de suspense, com um toque de mistério e fantasia.
Jon Rohner reflete a paixão de Alfonso Font pelas histórias clássicas de aventura e exploração, especialmente influenciada por autores como Joseph Conrad e, especialmente, Robert Louis Stevenson, que abordam nas suas respetivas obras a vida no mar e a relação do homem com a natureza selvagem e os perigos do desconhecido. Talvez por isso, o próprio Robert Louis Stevenson, o célebre autor do romance A Ilha do Tesouro, seja uma das personagens mais presentes neste conjunto de sete histórias que formam esta edição integral lançada pela Arte de Autor.
O protagonista, Jon Rohner, é retratado como um homem de espírito livre, com características de um clássico aventureiro. É corajoso, mas não de maneira arrogante; é habilidoso, mas também é constantemente testado pelas circunstâncias. E, claro, a sua força e inteligência são postas à prova em ambientes hostis, como ilhas inexploradas e mares traiçoeiros.
A série aborda temas recorrentes das histórias de aventura marítima: o fascínio pela descoberta, o confronto com forças naturais e sobrenaturais, e a moralidade fluída dos homens que vivem à margem da sociedade. Há um constante jogo entre o bem e o mal, tanto ao nível humano quanto no que diz respeito à implacável natureza.
Aliás, esse até é dos aspetos mais interessantes e mais assinaláveis da série: é que a mesma não se limita a ser uma história de aventuras lineares. Muitas vezes, há uma componente reflexiva, em que o protagonista, bem como os leitores, são levados a ponderar sobre a condição humana, os limites da ambição e as consequências das ações diante da natureza.
O enredo de Jon Rohner é episódico, com sete histórias relativamente curtas, mas interligadas por temas comuns e pelo desenvolvimento gradual da personagem principal. Isso dá uma sensação de continuidade, mas, ao mesmo tempo, permite que cada aventura seja apreciada por si só.
Font combina esses elementos com uma narrativa visual bela e clássica na abordagem, com uma arte que se destaca pelo realismo e pelo uso expressivo de sombras e luzes. O estilo de desenho de Font é uma mistura de precisão e dinamismo, com paisagens exóticas e cenas de ação cuidadosamente elaboradas.
E se, em termos de tema, Conrad e Stevenson são claras influências para a criação deste Jon Rohner, em termos de ilustrações, é bastante difícil que não sejamos remetidos para Corto Maltese - e outras criações de Hugo Pratt - quando lemos Jon Rohner. Quer no estilo de desenho, quer nos planos utilizados, quer até no próprio aspeto do herói que lembra bastante o marinheiro mais famoso da banda desenhada. Não sinto que Font faça uma apropriação da criação de Pratt, mas é notória uma homenagem ou, pelo menos, uma forte e inegável influência.
Se os desenhos são belos, em termos de cores considero que este Jon Rohner acusa o peso da idade, devo dizer. Sei que esta minha opinião que, aliás, já tenho partilhado na leitura de outras obras que faço, é algo polémica. Especialmente para os amantes da obra original, já familiarizados com a mesma. Para esses, é necessário que tenhamos uma fidelidade às cores dos anos oitenta. Nada contra, pois concordo que, desse modo, se preserva a criação original. Porém, e à luz dos dias de hoje - já para não falar na possibilidade de se tentar chegar a novos públicos - as cores tornam a arte desta banda desenhada em algo datado. Será sempre uma questão de gosto pessoal e volto a dizer que aceito perfeitamente o argumento da importância da preservação da obra original, mas, pelo menos quanto a mim, teria apreciado mais a obra se a mesma tivesse sido lançada a preto e branco. Algo como tem sido feito com a coleção a preto e branco de Corto Maltese, um outro exemplo revelador de como as cores da obra envelheceram menos bem do que as ilustrações.
Mas em nada isso belisca o bom trabalho editorial da Arte de Autor que, com o lançamento deste livro, permite que a obra chegue a um público que cresceu com esta personagem que estava, infelizmente, algo arredada da edição portuguesa de banda desenhada. O livro apresenta capa dura baça - com uma bela ilustração a preto e branco que, já agora, dá razão ao que digo no parágrafo acima, de que, a preto e branco, as ilustrações clássicas são mais atualizadas e menos datadas - e, no interior, o papel é brilhante e de boa qualidade. O trabalho de impressão e encadernação é bom e, no início do livro, João Miguel Lameiras oferece-nos um belo e elucidativo prefácio à obra.
Em suma, ainda que Jon Rohner acuse mais sinais do tempo do que aquilo que alguns leitores admiradores poderão gostar de admitir, a verdade é que este conjunto de histórias a la Corto Maltese, onde Robert Louis Stevenson também é protagonista, entretêm o leitor enquanto o levam para cenários longínquos e exóticos, onde a aventura é uma constante e o perigo nunca cessa de espreitar.
NOTA FINAL (1/10):
7.8
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Jon Rohner - Edição Integral
Autor: Alfonso Font
Editora: Arte de Autor
Páginas: 112, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 285 mm
Lançamento:
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