Passando meio despercebido no vasto lançamento de álbuns de banda desenhada de 2021, apareceu nas livrarias portuguesas, no passado mês de Agosto, este Francisco que, pelas mãos de Delalande, e Bidot – e com a ajuda de Bertorello – procura ser uma biografia do Papa Francisco em banda desenhada.
Lançado pela Verbo, do grupo Babel, que lamentavelmente tem andado arredada do lançamento de banda desenhada, devo dizer que achei muito curiosa a aposta neste livro que estará, certamente, direcionado para um público muito específico. Não será tanto o público habitual de banda desenhada, mas o público que se interessa por assuntos da religião católica, ou de teor histórico-biográfico, já que estamos a falar de um retrato biográfico.
Mas se julgam que, sendo uma biografia de um Papa, podemos esperar uma vida aborrecida dedicada à oração e aos retiros espirituais, deixem-me, desde já, desenganar-vos: a vida de Jorge Bergoglio, o Papa Francisco, tem sido uma vida extremamente agitada, que tem conhecido um percurso sinuoso e que tem, até, convivido de perto com a violência. Não que Bergoglio seja – ou aparente ser – um homem violento, mas sim porque tem lutado de forma veemente contra certos grupos violentos.
E é, aliás, sobre esse ponto, que vão incidir os seus primeiros anos enquanto padre Bergoglio. O livro ainda começa antes disso, nos tempos em que Jorge era um rapaz completamente igual aos outros. Vivendo nas favelas de Buenos Aires, na Argentina, este jovem gostava de futebol, de estar com os amigos na rua, de tango e pensava ingressar no curso de medicina. E, claro, tal como todos os jovens adolescentes, também esteve apaixonado. No entanto, há um dia em que Jorge sente o chamamento para ser padre.
E é já enquanto padre que este livro nos mostra o quão ativo, em diversas frentes, Bergoglio tem sido. Especialmente no início das suas novas funções quando, num clima tenso de repressão militar e violência da libertação marxista, vivido nos anos 70 na Argentina, o padre promove uma teologia do povo, aproximando-se das pessoas, sem medo de defender os pobres e as vítimas da ditadura. Um verdadeiro corajoso. Especialmente num tempo em que os padres argentinos foram muitas vezes assassinados, como nos demonstra o livro.
E quando, para surpresa de muitos, Jorge Bergoglio é eleito Papa, passará a ser um Papa diferente dos seus antecessores, tomando posições a favor da ecologia, da biodiversidade, do acolhimento aos refugiados e procurando reformar o próprio Vaticano de certos maus hábitos, que aí se foram sedimentando, ao longo dos anos. Goste-se ou não da personalidade, é uma história de vida extremamente marcante e que merece ser conhecida.
O argumento é de Arnaud Delalande e Yvon Bertorello e consegue contar a história do Papa Francisco com bom ritmo. O livro lê-se bem embora, por vezes, me tenha parecido que houvesse um certo excesso de texto. Nota positiva para o facto de a história nos ser dada a dois tempos: o tempo passado, que conta o percurso de Bergoglio desde o início, e o tempo presente que nos coloca na fase de nomeação do protagonista enquanto Papa.
Quanto às ilustrações, o resultado é-nos dado por Laurent Bidot que faz, de forma geral, um trabalho bastante competente. Com uma planificação bastante diversificada, Bidot acaba por nos dar um conjunto variado de soluções narrativas que contribuem para que a leitura não se torne enfadonha. Muito pelo contrário. Na verdade, em muitos pontos, este parece ser mais um livro de ação do que um livro de uma figura eclesiástica.
Nota positiva para a forma como o ilustrador soube representar de forma fidedigna as várias fases da vida do Papa Francisco. Quer em jovem, quer na meia idade, quer nos anos mais recentes.
Embora seja um tipo de desenho que não é provido de muito detalhe, a verdade é que em algumas ilustrações – especialmente nas cenas de maior ação – o autor utiliza uma técnica original, em que as sombras são aplicadas com as pontas dos dedos. Se a técnica me parece peculiar e audaz – especialmente tendo em conta o tipo de livro em questão – por vezes, esta técnica também me pareceu que sujou em demasia os desenhos. Portanto, a sensação é dividida: nuns casos funciona muito bem, noutros casos o resultado parece meio que “estragado”. Mas é uma questão algo subjetiva, reconheço.
Resta ainda dizer que a edição da obra, pela Verbo, apresenta capa dura, um bom papel brilhante e uma boa qualidade ao nível da encadernação e impressão. Resta-me fazer votos para que a Verbo - ou a Arcádia, que também pertence ao Grupo Babel e tem deixado pendurada a excelente série de bd O Combóio dos Orfãos - volte a uma publicação de banda desenhada mais assídua.
Em suma, este Francisco é uma obra que é bem melhor do que aquilo que poderia parecer a muitos amantes de banda desenhada que, possivelmente, olharam de soslaio para esta obra. Uma agradável e competente surpresa.
NOTA FINAL (1/10):
7.0
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Francisco
Autores: Arnaud Delalande, Laurent Bidot e Yvon Bertorello
Editora: Verbo
Páginas: 96, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Agosto de 2021
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